Angola: ONG denuncia "fuga de capitais" e "miséria extrema"
Lusa | tms
1 de setembro de 2018
A falta de transparência nas empresas do setor mineiro, como a diamantífera pública Sodiam, e a "miséria extrema" em zonas de exploração são denunciadas pela ONG Mosaiko.
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Em Angola, as comunidades próximas às zonas de exploração mineira estão a sofrer com a "fuga de capitais, conflitos e miséria extrema". Esta é uma denúncia da organização não governamental angolana Mosaiko, que está a preparar um documento para ser remetido à Presidência da República.
Numa declaração após a realização da 3º Conferência Nacional sobre Recursos Naturais em Angola, o Mosaiko – Instituto Angolano lamentou o "constante agravamento das condições sociais, com o desemprego à cabeça" nessa zonas.
Neste documento, a ONG recomenda a criação e uma plataforma nacional quadripartida de concertação, que inclua as comunidades, organizações da sociedade civil, empresas do setor e as instituições políticas que tutelam o setor mineiro.
Nas regiões de exploração mineira do país, diz o documento, "há fortes impactos ambientais negativos" e as comunidades circunvizinhas "vivem em extrema miséria e sem acesso aos serviços básicos, como saúde, educação, saneamento básico, emprego, água potável e energia".
"Maior racionalidade"
A conferência, que juntou de terça-feira à quinta-feira na capital angolana oradores nacionais e estrangeiros, decorreu sob o lema "Recursos Naturais: Um Bênção para Todos", tendo os vários participantes, entre eles ligados à Igreja, defendido uma "maior racionalidade" na exploração dos recursos naturais em Angola.
A organização conclui que, no território angolano, "continua a assistir-se a conflitos nas zonas de indústrias extrativas entre empresas e comunidades, e entre comunidades e instituições do Estado".
"Há uma falta de retorno em relação ao que é extraído em benefício direto para as comunidades locais. As empresas extrativas em áreas mineiras têm sido um motor de conflito entre as comunidades, de instrumentalização de alguns sobas [chefes tradicionais] e de violação dos direitos humanos", aponta.
"Não há ética empresarial, nem transparência na gestão, nem ainda a aplicação dos recursos tributados a favor das comunidades, como um valor. A população pode contribuir para o combate à corrupção, ao branqueamento e à fuga de capitais, que não se deve resumir apenas à aprovação de leis", sublinha-se no texto.
Proposta ao Executivo
Sobre a criação da plataforma quadripartida, o objetivo visa "acabar com a falta de transparência" das empresas públicas no setor da indústria mineira, nomeadamente a petrolífera estatal Sonangol e a e a diamantífera pública Sodiam - Empresa Angolana de Prospeção e Comercialização de Diamantes, "que não têm uma cultura de prestação de contas".
Para aquela ONG, o Executivo angolano "deve mostrar-se aberto" às empresas que queiram investir no setor mineiro, "privilegiando" aquelas que, nos seus projetos, mais beneficiem as comunidades locais. "A organização deve encaminhar essa declaração final ao Presidente da República", recomenda-se na declaração final do encontro.
Pobreza no meio da riqueza no sul de Angola
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul do país. A região é assolada por uma seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser pobres neste ano. Muitos angolanos passam fome.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Sobras da guerra civil
A guerra civil (1976 -2002) grassou com particular violência no sul de Angola. Aqui, o Bloco do Leste socialista e o Ocidente da economia de mercado livre conduziram uma das suas guerras por procuração mais sangrentas em África. Ainda hoje se vêm com frequência destroços de tanques. A batalha de Cuito Cuanavale (novembro de 1987 a março de 1988) é considerada uma das maiores do continente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Feridas abertas
O movimento de libertação UNITA tinha o seu baluarte no sul do país, e contava com a assistência do exército da República da África do Sul através do Sudoeste Africano, que é hoje a Namíbia. Muitas aldeias da região foram destruídas. Mais de dez anos após o fim da guerra civil ainda há populares que habitam as ruínas na cidade de Quibala, no sul de Angola.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Subnutrição apesar do crescimento económico
Apesar da riqueza em petróleo, em Angola vive muita gente na pobreza, sobretudo no sul. A região sofre de seca desde 2011 e as colheitas voltaram a ser más no ano 2013. Muitos angolanos não têm o suficiente para comer. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) diz que nos últimos anos pelo menos um quarto da população passou fome durante algum tempo ou permanentemente.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
O sustento em risco
Dado o longo período de seca, a subnutrição é particularmente acentuada nas províncias do sul de Angola, diz a FAO. As colheitas falham e a sobrevivência do gado está em risco. Uma média de trinta cabeças perece por dia, calcula António Didalelwa, governador da província de Cunene, a mais fortemente afetada. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) também acha que a situação é crítica.
Foto: DW/A. Vieira
Semear esperança
A organização de assistência da Igreja Evangélica Alemã “Pão para o Mundo” lançou um apelo para donativos para Angola na sua ação de Advento 2013. Uma parte dos donativos deve ser reencaminhada para a organização parceira local Associação Cristã da Mocidade Regional do Kwanza Sul (ACM-KS). O objetivo é apoiar a agricultura em Pambangala na província de Kwanza Sul.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Rotação de culturas para assegurar mais receitas
Ernesto Cassinda (à esquerda na foto), da organização cristã de assistência ACM-KS, informa um agricultor num campo da comunidade de Pambangala, no sul de Angola sobre novos métodos de cultivo. A ACM-KS aposta sobretudo na rotação de culturas: para além das plantas alimentícias tradicionais como a mandioca e o milho deverão ser cultivados legumes para aumentar a produção e garantir mais receitas.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Receitas adicionais
Para além de uma melhora nas técnicas de cultivo, os agricultores da região também são encorajados a explorar novas fontes de rendimentos. A pequena agricultora Delfina Bento vendeu o excedente da sua colheita e investiu os lucros numa pequena padaria. O pão cozido no forno a lenha é vendido no mercado.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Escolas sem bancos
Formação de adultos na comunidade de Pambangala: geralmente os alunos têm que trazer as cadeiras de plástico de casa. Não é só em Kwanza Sul que as escolas carecem de equipamento. Enquanto isso, a elite de Angola vive no luxo. A revista norte-americana “Forbes” calcula o património da filha do Presidente, Isabel dos Santos, em mais de mil milhões de dólares. Ela é a mulher mais rica de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Investimentos em estádios de luxo
Enquanto em muitas escolas e centros de saúde falta equipamento básico, o Governo investiu mais de dez milhões de euros no estádio "Welvitschia Mirabilis", para o Campeonato Mundial de Hóquei em Patins 2013, na cidade de Namibe, no sul de Angola. Numa altura em que, segundo a organização católica de assistência “Caritas Angola” dois milhões de pessoas passaram fome no sul do país.
Foto: DW/A. Vieira
Novas estradas para o sul
Apesar dos destroços de tanques ainda visíveis, algo melhorou desde o fim da guerra civil em 2002: as estradas. O que dá a muitos agricultores a oportunidade de venderem os seus produtos noutras regiões. Durante a era colonial portuguesa, o sul de Angola era tido pelo “celeiro” do país e um dos maiores produtores de café de África.
Foto: Jörg Böthling/Brot für die Welt
Um futuro sem sombras da guerra civil
Em Angola, a papa de farinha de milho e mandioca, rica em fécula, chama-se “funje” e é a base da alimentação. As crianças preparam o funje peneirando o milho. Com a ação de donativos de 2013 para a ACM-KS, a “Pão para o Mundo” pretende assegurar que, de futuro, os angolanos no sul tenham sempre o suficiente para comer e não tenham que continuar a viver ensombrados pela guerra civil do passado.