Partidos da oposição e sociedade civil aguardam por respostas claras da PGR angolana na responsabilização dos envolvidos no caso da transferência ilícita de 500 milhões de dólares para o Reino Unido.
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Depois de um comunicado do Ministério das Finanças a confirmar ter recuperado os 500 milhões de dólares que teriam sido transferidos de forma ilícita do Banco Nacional de Angola (BNA) para a conta de uma empresa no Reino Unido, detida por José Filomeno dos Santos, o filho do ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, a oposição e a sociedade civil aguardam agora por respostas da Procuradoria-Geral da República (PGR) na responsabilização das figuras envolvidas neste processo. Além do filho do ex-chefe de Estado foi também arrolado como arguido o ex-governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe.
UNITA aguarda por acusação
Mihaela Webba, deputada da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), o maior partido da oposição, diz que a devolução dos 500 milhões de dólares nada tem que ver com o processo-crime, pelo que os envolvidos na tentativa de burla ao Estado angolano não podem sair impunes.
"Foram cometidos vários crimes e o facto de o dinheiro ter sido devolvido não faz com que essas pessoas que cometeram esses crimes se tornem automaticamente livres da responsabilização criminal", defende Mihaela Webba.
A deputada espera uma atitude do Ministério Público: "O processo ainda está em sede de segredo de justiça, o Ministério Público continua a investigar e deve terminar o processo e fazer a acusação."
CASA-CE pede coragem para responsabilizar
O líder da Bancada Parlamentar da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE), André Gaspar Mendes de Carvalho "Miau", diz que, apesar deste processo ser bastante sensível, devido à inclusão de um dos filho do ex-presidente e atualmente líder do partido que sustenta o Governo, é preciso que haja coragem para se responsabilizar os culpados.
"Miau" dá exemplos: "Tudo isto não deixa de ser sensível, mas como vemos hoje a ex-Presidente da Coreia do Sul foi condenada por razões mais ou menos semelhantes e o ex-Presidente (Jacob) Zuma está com um processo na Africa do Sul." O parlamentar menciona também o caso do ex-Presidente do Brasil, Lula da Silva. "Custa-me muito dizer isso, porque a mim parece-me que foi um dos melhores presidentes que o Brasil já teve, a lei é dura mas é lei", lembra.
"Portanto, se os Presidentes da República têm se confrontado com situações deste tipo, os filhos e os irmãos não poderão deixar de ter de enfrentar as suas responsabilidades", considera o deputado da CASA-CE.
JLo deve cumprir promessas
A este respeito, a jurista Mihaela Webba, da bancada parlamentar da UNITA, lembra que o Presidente João Lourenço, enquanto candidato presidencial prometeu aos angolanos, caso fosse eleito, que iria por fim à corrupção.
"Este processo e outros deveram efetivamente ter o desfecho que todo cidadão angolano espera, que, efetivamente, aqueles que praticaram crimes de corrupção possam ir pra cadeia, cumprir pena, exactamente como todos outros cidadãos que cometem os crimes comuns que não são de colarinho branco, para que haja efetivamente combate à impunidade, sobretudo em relação aos crimes de corrupção", cobra Webba.
Angola: Responsabilização no caso dos 500 milhões de dólares
Para o jurista e ativista dos direitos humanos Serra Bango, doravante, é preciso estar atento ao comportamento da PGR com vista a evitar-se o arquivamento deste processo.
Bango quer "que este ato de devolução não sirva de pretexto para se arquivar este processo nem fazer esquecer este processo e depois ilibar as pessoas que estavam envolvidas neste processo."
Operação com fortes indícios de fraude
A DW África procurou também ouvir a reação do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), o partido no poder, mas sem sucesso.
No comunicado publicado no site do Ministério das Finanças, o Executivo angolano afirma que a referida transferência ilegal de 500 milhões de dólares teria sido feita depois da empresa de Filomeno dos Santos ter proposto meses antes do filho seu pai abandonar o poder, a criação de um "Fundo de Investimento Estratégico" que mobilizaria 35 mil milhões de dólares "para o financiamento de projetos considerados estratégicos para o país".
No entanto, aferida a idoneidade da empresa e da proposta, já com João Lourenço na Presidência de Angola, o Ministério das Finanças concluiu que se tratava de uma "operação com fortes indícios de ser fraudulenta".
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.