Em Angola, os partidos da oposição voltam a dizer que houve "ilegalidades" na contratação de duas empresas para a prestação de "serviços" nas eleições de agosto. Oposição reitera hipótese de processar as empresas.
Publicidade
Persiste o braço de ferro entre a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e os partidos políticos na oposição. Em causa, a contratação das empresas Sinfic e a Indra, duas empresas que poderão prestar serviços no fornecimento do material de votação, solução tecnológica e gestão do ficheiro informático de cidadãos eleitores, nas eleições gerais desde ano em Angola.
Para dissipar as duvidas e suspeições à volta do processo, a CNE congregou esta terça-feira (09.05), à volta da mesma mesa, os partidos políticos com e sem assento parlamentar, num encontro em que a oposição insistiu nos argumentos de que não houve transparência na contratação das duas empresas a quem acusam de ter participado nas fraudes das eleições de 2008 e 2012.
Violação da lei
No encontro, o vice-presidente da UNITA, Raúl Danda, voltou a frisar que a lei foi violada. "Ficou aqui provado que temos aqui os cadernos de encargos que não respeitam a lei, que violam de forma grave a lei, com interpretações da lei completamente enviesadas. Temos aqui um sistema de contratação que deveria passar pelo plenário e foi aqui que nós todos ouvimos da voz de alguém que está na Comissão de Avaliação que isso não passou por lá. Viemos aqui convidados para uma sessão de esclarecimento mas tivemos tudo menos esclarecimentos. Gostamos de ouvir o presidente da CNE no fim admitir que de facto existem erros que devem ser corrigidos”
O presidente da CASA-CE em declarações prestadas à imprensa sublinhou que ficou provada que não houve lisura na elaboração dos cadernos de encargos para o o processo de contratação. Abel Chivukuvuku não descartou ainda a possibilidade de processar as duas empresas nos seus países de origem caso as mesmas venham insistir na assinatura do contrato com a CNE.
"Ficou provado que o processo de contratação das duas empresas foi ilegal, ficou provado que a feitura dos cadernos de encargos foi também elaborada de forma ilegal, sem transparência, também os termos constantes dentro dos próprios cadernos de contratação também contém normas ilegais. Pelo menos ficou provado e é bom que o presidente da CNE tenha compreendido isso. Tudo deve ser corrigido. Por outro lado, não pomos de parte a ideia de processar em Portugal e Espanha essas empresas."
MPLA diz que não há ilegalidade
Opinião contrária tem o partido que sustenta o Governo. António Paulo Kassoma, secretário-geral do MPLA, disse não haver nenhuma ilegalidade, mas acrescentou que, o MPLA por ser o principal interessado nessas eleições no sentido de garantir a sua legitimidade de governação, espera que a CNE conduza esse processo com rigor."Não há dificuldade na questão da seleção das empresas, não há dificuldade em termos de cumprimento e a intenção de todas as partes de que a lei deve ser rigorosamente cumprida e estamos aqui para cumprirmos toda a legislação que produzimos para que tenhamos eleições livres e justas. Mas a CNE pode ultrapassar essas dificuldades, entre aspas, reafirmando a sua posição no plenário de amanhã (10.05.)".
Lei não aprovada pelo plenário
Mas a ideia de ilegalidade na contratação dessas duas empresas ficou ainda mais reforçada quando um dos membros da Comissão Nacional Eleitoral, Isaías Chitombe, pediu a palavra, para revelar que a contratação das empresas foi aprovada pelo presidente da instituição, quando a lei recomenda que seja aprovada pelo plenário.Diante das declarações da oposição e da intervenção de um dos membros da comissão eleitoral, o presidente da CNE André da Silva Neto prometeu a correção de eventuais irregularidades detetadas e garantiu um processo eleitoral justo e transparente.
CNE/Partidos - MP3-Mono
"Tomei boa nota das recomendações positivas feitas por grande parte dos senhores representantes dos partidos políticos no sentido do processo ser conduzido de forma transparente, clarividente e sem margem para dúvidas quando chegar a hora de serem anunciados os resultados finais do pleito que vamos ter a 23 de agosto", concluiu o presidente da CNE.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.