A polémica em torno da conferência de imprensa do Presidente angolano no Bié ganha força nas redes sociais. Os jornalistas locais não puderam fazer perguntas a João Lourenço, o que está a revoltar a classe profissional.
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A polémica instalou-se no último fim-de-semana quando jornalistas da província angolana do Bié denunciaram, nas redes sociais, a falta de espaço para colocar questões ao Presidente da República, João Lourenço, durante uma conferência de imprensa. No último sábado (12.09), o Presidente João Lourenço deslocou-se ao centro do país para inaugurar o hospital central do Bié. Na hora das perguntas e respostas, os repórteres locais não foram considerados e não puderam questionar o Chefe de Estado, situação que causou revolta junto daquela classe profissional.
O jornalista angolano Félix Abias comenta que a situação não é nova e que tem havido uma sucessiva desvalorização dos jornalistas que atuam fora de Luanda, a capital angolana. "Os jornalistas locais não tiverem oportunidade de fazer nem sequer uma pergunta quando são eles que vivem o dia a dia do Bié, conhecem as pessoas, conhecem os problemas e são eles que deviam ter essa oportunidade", lamenta.
Sempre que o Presidente angolano trabalha fora de Luanda, leva consigo jornalistas. Questionado sobre se isso estaria a contribuir para a situação que se viveu no Bié, Félix Abias responde."É normal que haja um ou outro jornalista, os tais repórteres presidenciais, mas desde que se dê espaço ao pessoal local", afirma.
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Dar oportunidade ao jornalismo local
Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), é da mesma opinião. "É normal que haja repórteres acreditados junto da Presidência da República. Mas nem todos os órgãos em Angola estão acreditados junto da Presidência da República", frisa.
"Entendo que as preocupações dos profissionais que trabalham numa determinada província sejam preocupações locais e estes devem ter a oportunidade de questionar ao Presidente da República as preocupações que uma determinada província enfrenta", adverte.
"O Sindicato dos Jornalistas Angolanos procura reivindicar junto das entidades competentes, no caso particular junto da assessoria do Presidente da República, para que se acabe com esse tratamento diferenciado", diz ainda.
Teixeira Cândido pede aos jornalistas que não fiquem em silêncio quando os seus direitos forem violados. "Apelamos aqui aos colegas jornalistas para que não se calem, para que se juntem, para que nos juntemos e continuemos a pressionar para que as situações melhorem, porque o acesso as fontes é determinante para a qualidade do jornalismo", justifica.
Para Félix Abias, o caso do Bié é uma situação que se estende a outras atividades no país. Segundo este jornalista, é comum ouvirem-se expressões como "Angola é Luanda" e "pessoas das províncias". "Não é só no jornalismo que isso acontece. Isso acontece em várias áreas. O jornalismo é apenas o caso que acabamos de presenciar, mas regra geral, quem está em Luanda pensa que os demais não têm valor", conclui.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.