Família de Inocêncio de Matos está preocupada com o silêncio das autoridades um ano depois da morte do ativista angolano. Presidente da República garantiu que o caso seria esclarecido, mas isso ainda não aconteceu.
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Passou um ano desde que o Presidente angolano, João Lourenço, garantiu que estava em curso uma investigação à morte do ativista Inocêncio de Matos. Mas autoridades continuam em silêncio sobre o caso. Em entrevista à DW África, um defensor dos direitos humanos diz acreditar que a investigação está a ser abafada.
Inocêncio foi alegadamente vítima de um disparo de um agente da Polícia Nacional durante uma manifestação pacífica, a 11 de novembro de 2020, que exigia melhores condições de vida em Angola. A polícia rejeitou sempre as acusações.
"Misterioso silêncio"
Alfredo Miguel de Matos, pai de Inocêncio, diz que os familiares continuam a aguardar pelos resultados das investigações anunciadas pelo Presidente da República.
Num manifesto lido pelo pai, a família diz que "passados doze meses desde o assassinato de Inocêncio de Matos, as autoridades governativas aos distintos níveis demarcam-se da abordagem sobre a morte de Inocêncio de Matos, enquanto há um misterioso silêncio dos órgãos de Justiça sobre o processo”.
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Além da Procuradoria-Geral da República, Alfredo Miguel de Matos diz que, nos últimos meses, a família recorreu ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, à Provedoria de Justiça e até aos deputados da Assembleia Nacional para tentar levar o caso da morte do filho a tribunal. No entanto, não obteve uma resposta satisfatória até agora.
Angola: Tristeza e revolta na despedida de Inocêncio Matos
01:39
Família "não se cala"
Alfredo Miguel de Matos afirma que a família não se vai calar enquanto não houver justiça no caso.
"Pede-se aos deputados que não percam os legítimos objetivos que os conduzem à casa das leis para a concretização das expetativas dos cidadãos a que se fazem representar", explica, salientando que a morte do seu filho não é um caso isolado: "A sociedade espera ouvir o pronunciamento de vossas excelências, não apenas sobre Inocêncio de Matos, mas sobre todos os que perderam as vidas em circunstâncias semelhantes".
A conferência de imprensa de imprensa da família de Inocêncio de Matos desta sexta-feira (10.12) coincide com o aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
"Interferência política" abafa o caso
Adilson Manuel, ativista da associação Sociedade Civil Contestatária, acredita que há interferência política no processo de esclarecimento da morte de Inocêncio de Matos. "Até hoje, a pessoa que tirou a vida a Inocêncio de Matos não prestou contas à Justiça. O autor do crime não foi identificado ainda, embora a polícia tenha meios para o fazer", refere o ativista.
A DW África contactou a Procuradoria-Geral da República, mas não conseguiu obter um comentário sobre o caso.
Para Adilson Manuel, o silêncio das sobre a investigação das circunstâncias da morte de Inocêncio de Matos é uma prova que as instituições de Angola não respeitam os direitos humanos.
Na opinião do ativista, "há sinais de que a força política que governa atualmente Angola está a interferir nos tribunais, a coagir sistematicamente a família de Inocêncio de Matos" com o objetivo de "apagar o caso da história, o que é um atropelo aos direitos humanos".
Mural da Cidadania imortaliza defensores dos direitos humanos em Angola
O Mural da Cidadania presta homenagem a defensores dos direitos humanos em Angola, uns vivos, outros já falecidos. Espaço no Mulemba Waxa Ngola, periferia de Luanda, chegou a ser vandalizado, mas já está como novo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rostos dos direitos humanos
O Mural da Cidadania é uma parede na periferia de Luanda onde se encontram desenhados alguns rostos de cidadãos, uns vivos e outros já falecidos, em gesto de homenagem aos defensores dos direitos humanos em Angola. Localizado no Mulemba Waxa Ngola, o espaço foi recentemente vandalizado por desconhecidos. Ativistas deslocaram-se, entretanto, ao local para proceder à limpeza do espaço.
Foto: Manuel Luamba/DW
Padre Pio Wakussanga
O padre católico Pio Wakussanga, responsável pela ONG Construindo Comunidades, é um dos rostos do Mural da Cidadania. Wakussanga é uma das vozes mais sonantes na luta contra a fome na região dos Gambos, na província da Huíla, onde a população é fortemente assolada pela fome e pela estiagem. Também tem estado a denunciar fazendeiros que desalojam camponeses na região.
Foto: Manuel Luamba/DW
José Patrocínio
Nasceu em dezembro de 1962 em Benguela e morreu em 2019, aos 57 anos. Fundador da ONG Omunga, José Patrocínio foi um dos mais conhecidos ativistas cívicos na luta pela proteção, promoção e divulgação dos direitos humanos em Angola. No dia da sua morte, a sociedade descreveu-o como um "grande combatente dos direitos humanos".
Foto: Manuel Luamba/DW
Carbono Casimiro
Dionísio Gonçalves Casimiro, também conhecido por "Boneira", foi um rapper e ativista angolano e um dos pioneiros e principais rostos das manifestações de rua que começaram em 2011, inspiradas na "Primavera Árabe", e que visavam lutar contra as más políticas públicas do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi preso várias vezes pela polícia angolana. Morreu em 2019, vítima de doença.
Foto: Manuel Luamba/DW
Sizaltina Cutaia
É um dos principais rostos da luta pelos direitos das mulheres em Angola. A ativista é uma das mentoras da Ondjango Feminista e uma dos responsáveis da ONG Open Society. É conhecida pelas críticas contra a anterior e a atual governação. Comentadora do programa da Televisão Pública de Angola (TPA), Sizaltina Cutaia tem criticado os titulares de cargos públicos que desviaram fundos públicos.
Foto: Manuel Luamba/DW
Rafael Marques
O jornalista e ativista cívico angolano tornou-se conhecido pelas denúncias de corrupção no seu site Maka Angola, durante a governação do Presidente José Eduardo dos Santos. Foi muitas vezes levado às barras do tribunal. A entrada de Rafael Marques na lista de homenageados do Mural da Cidadania gerou controvérsia por, neste momento, estar supostamente mais próximo do atual governo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Inocêncio de Matos
O estudante universitário Inocêncio de Matos foi morto pela polícia a 11 de novembro de 2020, em Luanda, quando participava, pela primeira vez, num protesto de rua. A sua morte gerou revolta popular e uma onda de indignação na sociedade. É descrito como um "herói do nosso tempo" pelos ativistas, que querem que a antiga Avenida Brasil, onde foi morto, seja baptizada com o seu nome.
Foto: Manuel Luamba/DW
Isaac Pedro "Zbi"
Isaac Pedro "Zbi" é um dos artistas que imortalizou no Mural da Cidadania os feitos de alguns defensores dos direitos humanos. Diz que o monumento da Mulemba Waxa Ngola tem três objetivos: "Valorizar o espaço", um dos poucos que há na periferia, "homenagear as pessoas" que se encontram aqui desenhadas e "tentar fazer perceber as pessoas o que é a arte urbana."
Foto: Manuel Luamba/DW
Hervey Madiba
Hervey Madiba é outro dos mentores da Mural da Cidadania, que foi recentemente vandalizado. O que se fez no espaço "é um exercício de cidadania", diz o co-fundador da Universidade de Hip Hop, que não entende os motivos e promete responsabilizar os autores. No domingo (10.01), começou a ser feita uma recolha de assinaturas para uma petição que será entregue ao Presidente João Lourenço.