Analistas acusam justiça angolana de "prender primeiro e só depois investigar" e não descartam possibilidade de terem existido "ordens superiores" na medida a aplicar a Norberto Garcia, envolvido na "Burla Tailandesa".
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O Ministério Público pediu, esta segunda-feira (08.04), a absolvição de Norberto Garcia, antigo diretor da Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), que está a ser julgado no caso da "Burla Tailandesa".
Mas, ouvido pela DW África, Evaristo Maneco, do corpo de defesa do antigo porta-voz do MPLA, lembra que para a efetivação do pedido, é necessário que saia ainda a posição do Tribunal. "Esta foi uma decisão do Ministério Público, dono da acusação. Caberá ao juiz, ou melhor, ao Tribunal, decidir. Ainda não foi decidido nada, mas é um meio caminho andado", diz.
Incapacidade de reunir provas
Já na opinião de Albano Pedro, a posição da justiça angolana tem enquadramento legal. O analista explica: "O Ministério Público usou uma faculdade que a lei permite que é a de pedir absolvição do réu por um argumento ligado à incapacidade de reunir provas suficientes para que este seja efetivamente culpabilizado ou responsabilizado criminalmente". No entanto, o pedido está a gerar polémica na sociedade angolana.
Na sessão desta segunda-feira (08.04), o Ministério Público frisou que o também antigo porta-voz do MPLA procedeu a todos os mecanismos junto da Unidade de Informação Financeira (UIF), do Banco Nacional de Angola (BNA) e do Banco de Negócios Internacional (BNI) para informações sobre a validade do cheque e que, todavia, as respostas "não foram satisfatórias". Referiu ainda que os réus tailandeses conseguiram o visto de trabalho, sem a intervenção da UTIP.
Ou seja, concluiu o Ministério Público, "dos factos, não foram descortinados elementos integradores nos crimes" que pesam sobre Norberto Garcia, pelo que pede a sua absolvição.
Ouvida a argumentação deste órgão judicial, há uma questão que se impõe: porque é que só agora é que o Ministério Público retirou a acusação, depois de um longo período de instrução processual?
O jurista Albano Pedro classifica o caso como "curioso e estranho". "É que ao longo da instrução do processo, o Ministério Público podia ter desistido da acusação se chegasse à conclusão de que não havia provas suficientes para fazê-lo. Entretanto, fez a acusação. Quando o Ministério Público acusa, significa que foram formadas provas suficientes para se proceder à acusação, e tendo provas suficientes, é muito estranho que, depois da acusação com provas formadas, venha solicitar a absolvição".
Para o jurista, das duas uma: ou a justiça teve "dificuldades em apurar a verdade" ou houve "ordens superiores" que ditaram a ilibação, o que, acrescenta, "põe em causa a idoneidade do Ministério Público em instruir processos".
"Significa que tem dificuldades de apurar a veracidade dos meios de prova, mesmo quando chega à conclusão que elas existem. [Também] pode passar a ideia de que o Ministério Público enquanto órgão hierarquizado ficou dependente de orientações superiores", diz.
Angola: Pedido de absolvição para Norberto Garcia gera contestação
Não é caso isolado
Em menos de um mês, este é o segundo caso que coloca em cheque a credibilidade da justiça angolana. Em março, a Procuradoria-Geral da República colocou em liberdade o empresário suíço-angolano Jean Claude-Bastos de Morais, implicado no caso Fundo Soberano de Angola.
André Kivuandinga, jornalista angolano, diz que a justiça continua com a sua velha prática: "prender para investigar”. "Esta situação de primeiro se prenderem as pessoas e depois se fazer uma investigação é que tem manchado o sistema de justiça angolano e [também] mancha a imagem e o bom nome da pessoa".
Segundo o jornalista, estas posições do Ministério Público podem também comprometer o sucesso do combate à corrupção e impunidade, o "cavalo de batalha” do Presidente angolano João Lourenço. E o jornalista vai mais longe: "acho que essa é uma luta que ele próprio sai a perder. Temos que nos lembrar que João Lourenço está no MPLA há muitos anos, então, se o próprio partido foi alimentado por corrupção, é porque ele também se beneficiou desta corrupção".
O esquema que envolve Norberto Garcia foi revelado em 2017, quando supostos investidores tailandeses, com cumplicidade de cidadãos nacionais, tentaram burlar o Estado angolano com um cheque de 50 mil milhões de dólares. Na altura, o Tribunal Supremo aplicou a medida de coação de prisão preventiva a uns e o termo de identidade e residência a Norberto Garcia. No total, este caso conta com dez réus, entre eles, angolanos, tailandeses, um canadiano e um eritreu.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".