FLEC-FAC quer que Lisboa dê voz aos cabindas que reclamam a independência de Angola. Organização diz que Portugal tem o dever de contribuir para solução do conflito, mesmo tendo interesses inconfessáveis em Angola.
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Para a Frente de Libertação de Cabinda (FLEC-FAC) está claro: uma intervenção das autoridades portuguesas pode contribuir para encontrar uma solução sobre o futuro do território situado a norte de Angola.
A exortação ainda não mereceu reação oficial em Lisboa. A questão que se coloca é se Portugal poderá ter alguma influência em resposta ao apelo lançado pelos independentistas de Cabinda.
Manuel Dias dos Santos é sociólogo angolano e um dos membros da Plataforma de Reflexão sobre Angola e faz, por sua vez, um apelo à organização: "Antes da FLEC-FAC avançar e solicitar a intervenção do Governo português, no meu ponto de vista devia ela própria colocar-se de acordo com todas as outras fações independentistas e pessoas dentro de Cabinda que também há muitos anos vêm lutando sem pertencerem a nenhuma das fações da FLEC, para uma autonomia, para uma independência."
E o sociólogo justifica: "Porque os processos de independência não se dão da noite para o dia e exigem várias etapas. Há etapa em que Portugal poderia ser convocado por causa justamente do Tratado de Simulambuco."
Falta de união compromete o caso Cabinda
Manuel Dias dos Santos recorda que a FLEC-FAC não representa, de todo, todas as vozes que pugnam pela independência de Cabinda. Para ele o fator união ainda é um "calcanhar de Aquiles": "E um dos grandes dramas de todas as lutas nacionalistas para a independência, para a autonomia, tem sido essa. É que não há uma convergência por parte daqueles que se consideram os injustiçados em se juntar, porque acredito que no tempo da guerra fria e outras circunstâncias isso até se colocava."
E o sóciólogo alerta: "Porque enquanto estiverem em desacordo e não criarem uma espécie de frente unida, voltando aos velhos tempos tempos da década de 60 e 70, não têm a mínima hipótese. Quer dizer, será mais uma voz a ecoar no meio do deserto.
O analista questiona os Acordos de Alvor e a posição de Portugal em não contemplar a questão de Cabinda separadamente, porque, afirma, esta é uma responsabilidade histórica do Governo português, não importa que governo for.
04.01.18 Cabinda Portugal - MP3-Mono
Há cerca de 50 anos que a FLEC-FAC luta pela independência de Cabinda, contestando o que apelida de "invasão militar angolana após o Acordo de Alvor”, assinado em 1975. A organização refere no seu comunicado que "as autoridades portuguesas, sem qualquer consulta aos cabindas, deixaram de respeitar o tratado de Simulambuco, que lhes conferia um estatuto de protetorado português."
Manuela Serrano, da Associação Tratado de Simulambuco, acredita que Portugal não irá intervir junto de Luanda a favor da independência de Cabinda. Mas a Associação espera uma ação do Governo português, argumentando que "se Portugal, ao descolonizar, descolonizou mal entregando o que não fazia parte [de Angola], a Associação Tratado de Simulambuco acha que realmente Portugal tem uma palavra a dizer também a ser parte da solução."
A representante da associação de direitos humanos lembra a Constituição Portuguesa de 1933, que diz que Cabinda nunca fez parte de Angola.
Aproveitar a abertura de João Lourenço
Manuela Serrano diz que o novo Presidente da República de Angola, João Lourenço, tem mostrado uma certa abertura e seria louvável se Portugal exercesse a sua influência no plano diplomático no sentido de sensibilizar o Governo de Angola a ponderar sobre o destino de Cabinda.
Para a representante da Associação "esta é hora ideal": "Porque ninguém gosta de ser subjugado. Angola também não gostou de ser subjugada. Gostou de ser livre. Como disse o próprio Mário Soares numa entrevista – que reconhecia que realmente tinha errado em relação a Cabinda, mas que agora o problema era de Angola – que Angola tinha gostado de ser livre também não devia negar essa liberdade a outros e que devia realmente tentar chegar a um acordo e conversarem sobre isso."
A FLEC-FAC diz no seu comunicado que o primeiro-ministro português, António Costa, e o seu Governo socialista não podem mais ignorar a situação em Cabinda.
A organização apela o primeiro-ministro português a olhar para Cabinda "não como um grande poço de petróleo, mas como um território habitado por gentes sem direitos, com vontade de lutar pela sua autodeterminação".
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.