Oposição e analista ouvidos pela DW África criticam o novo pacote anticorrupção aprovado pelo Governo angolano, mostram-se "céticos" quanto ao plano e dizem que o combate à corrupção no país "precisa de mais ação".
Publicidade
A "cruzada contra a corrupção", o cavalo de batalha do Presidente angolano, João Lourenço, tem novos instrumentos de luta. O Governo de Luanda aprovou na quinta-feira (15.11) o novo "pacote anticorrupção". Segundo o Governo de Luanda, o pacote de medidas visa a prevenção e mitigação de riscos de corrupção.
Desde esta quinta-feira, o país conta com uma cartilha de ética e conduta na contratação pública, um guia anticorrupção, um guia de denúncias de indícios de corrupção e um manual sobre índice de perceção à corrupção. Estes instrumentos juntam-se a todos outros como a Lei de Probidade Pública e a Lei de Repatriamento de Capitais.
Em declarações à DW África, o jornalista angolano Ilídio Manuel diz que o pacote não vai trazer nada de novo por existir já legislação suficiente de combate à corrupção. "Angola já dispõe de muita legislação neste domínio. Infelizmente aqui não se cumpre. Há uma grande distância entre aquilo que se produz e o cumprimento das leis".
"Menos legislação, mais ação"
De acordo com o jornalista, "não se tem em memória de gestores que tenham sido penalizados em função das suas condutas, com exceção, agora, da detenção de poucos tubarões. Mas Angola não precisa tanto de legislação. Angola precisa de mais ação".
Já, Rui Malopa, secretário geral do Partido de Renovação Social (PRS), terceira maior força política da oposição em Angola, também não espera por grandes novidades na implementação destes instrumentos.
"O PRS está cético quanto aos resultados positivos, quanto à implementação desta lei de combate à corrupção. O mesmo com esta cartilha que também foi adicionada, que estabelece a conduta que deve ser seguida por agentes do setor público por altura da contratação pública".
"Angola precisa de mais ação contra a corrupção"
O pacote anticorrupção reforça a participação dos cidadãos na denúncia de casos suspeitos de corrupção. Em relação a esta questão, Ilídio Manuel entende que já tem havido denúncias da imprensa e de cidadãos nas redes sociais, "mas o grande é que nós não temos uma grande Procuradoria-Geral da República que funciona".
"Nos outros países quando há denúncia ao nível da imprensa, denúncias públicas, no espaço público, os ministérios públicos destes países desencadeiam aquilo que chamam de investigação oficiosa. Mas aqui, infelizmente as autoridades prometem que vão fazer e a própria PGR já se pronunciou neste sentido. Há uma serie de denuncias que eles deviam perseguir", refere o jornalista.
Responsabilização de "peixes grandes"
O político do PRS afirma ainda que é necessário que haja responsabilização dos titulares de cargos públicos que tenham dado destino incerto ao erário público. "O Tribunal de Contas nunca disciplinou, nunca responsabilizou, nenhum dirigente angolano que no exercício da sua função tenha usado de forma indevida os recursos do país".
Nos últimos tempos a Procuradoria-Geral da República deteve antigos titulares de cargos públicos envolvidos em alegados atos de corrupção. É o caso de José Filomeno dos Santos, ex-gestor do Fundo Soberano de Angola, e Augusto Tomás, antigo Ministro dos Transportes, por desvio de fundos do Conselho Nacional de Carregadores.
"Não se pode dizer a rigor que existe um combate sério contra corrupção. Vão detendo alguns diretores provinciais, passando uma imagem de que estão a trabalhar. Por exemplo, há o caso de diretores de gabinetes de certos titulares de cargos públicos que estão a ser detidos, mas nunca se chega aos tubarões, fica-se pela arraia miúda", conclui o jornalista Ilídio Manuel.
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.