Angola: Líder do Sindicato dos Médicos queixa-se de censura
Borralho Ndomba
18 de junho de 2021
Impedido de exercer medicina nos hospitais públicos de Angola há ano e numa altura em que várias crianças morrem por falta de profissionais, Adriano Manuel acusa o Ministério da Saúde de o "asfixiar financeiramente".
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Já passa um ano desde que o médico do Hospital Pediátrico de Luanda foi proibido de exercer medicina nas unidades sanitárias do país. Adriano Manuel foi transferido para o departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde.
O processo disciplinar contra o pediatria foi movido por denunciar à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência da pediatria onde estava colocado. Num documento assinado pelo diretor-geral do Hospital Pediátrico, Francisco António, citado pelo semanário Novo Jornal, o afastamento do sindicalista é justificado com a necessidade de mobilidade de quadros.
Adriano Manuel disse à DW África que a medida não passa de censura, tendo em conta as denúncias e as reivindicações dos médicos afiliados à associação. O médico afirma que o normal seria uma transferência para outro hospital e não exercer trabalhos administrativos.
"O processo disciplinar foi intencional. Sabe-se que 60% do salário de um médico são as horas acrescidas. O objetivo foi asfixiar-me financeiramente", assegura.
Cortes salariais para "não falar mais"
"Porque se eu não receber 60% do meu salário bruto, o que recebo é um valor insignificante. Então, o objetivo foi este: vamos asfixiá-lo para ele não falar mais. E como não vai trabalhar no hospital, não vai receber as suas horas acrescidas. Não recebendo as horas acrescidas, ele vai ganhar pouco. Ganhando um pouco, vamos ver se ele vai falar", disse o sindicalista angolano, que está exercer medicina apenas em clínicas privadas.
Angola: Médicos ameaçam com greve nacional
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Os dados sobre a mortalidade, que alegadamente resultaram no seu afastamento do hospital pediátrico, foram divulgados como estudo da direção da unidade hospitalar, segundo o presidente do Sindicato dos Médicos. "Recentemente, a diretora clínica divulgou dados de mortalidade no hospital pediátrico. Os outros diretores têm divulgado. Então, pergunto onde está escrito que eles podem divulgar e nós não?"
Na semana passada, Adriano Manuel endereçou uma carta aberta à Presidência da República, onde expôs a sua situação e também a fragilidade do sistema de saúde angolano e à qual ainda não obteve resposta.
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O silêncio da ministra da Saúde
O pediatra quer voltar a dar o seu contributo nos hospitais públicos. Diz que o seu regresso não acontece devido ao silêncio da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta.
"Temos uma ministra da Saúde difícil de se relacionar, porque não responde ninguém. Não falamos somente do Sindicato dos Médicos. Estamos a falar de pessoas ligadas a organizações internacionais, que dizem ter alguma dificuldade de se relacionar com a atual ministra da Saúde porque ela não responde documentos", afirma Adriano Manuel.
A DW África contactou, sem sucesso, o Ministério da Saúde. Por seu turno, o secretário-geral da Central de Sindicatos Independentes e Livres de Angola (CGSILA), Francisco Jacinto, afirma ser prática comum o silenciamento das organizações sindicais através de ameaças de despedimentos aos sindicalistas.
"Daí que muitos sindicatos se silenciem. Têm medo de agir porque podem sofrer uma coação e essa coação é diária. Esse é o resultado sobre a situação do nosso colega sindicalista Adriano Manuel. Nós, a CGSILA, já protestamos publicamente. Reprovamos essa tentação contínua das estruturas governamentais em coagir as associações sindicais no sentido de não reclamarem o que constitui de facto o direito os direitos fundamentais do próprio trabalhador", diz Francisco Jacinto.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.