O Presidente João Lourenço aceitou o pedido de demissão de Rui Ferreira, juíz-presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Continua a discussão sobre os motivos da demissão.
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As pressões para a destituição de Rui Ferreira vinham de quase todos os lados. Em março de 2019, o maior partido da oposição, a UNITA, pediu a nulidade da nomeação de Rui Ferreira para o cargo de juíz-presidente do Tribunal Supremo.
Na altura, a UNITA tinha alegado inconstitucionalidade na sua indicação. Também este ano, um grupo de empresários e de ativistas cívicos fizeram uma petição a exigir a sua destituição do Supremo.
Em causa está o seu alegado envolvimento em atos de corrupção no caso Arosfram - um grupo empresarial de importação de bens alimentos extinta na sequência de um mandado de captura e condenação de um dos seus responsáveis pelos os Estados Unidos da América. A empresa foi acusada de financiamento ao terrorismo.
Ilídio Manuel, jornalista e analista angolano, não tem dúvidas, "a pressão, sobretudo externa" esteve na base da sua demissão.
O analista argujmenta que "ele esteve numa posição insustentável e o Presidente da República já não tinha como segura-lo. Também houve uma série de negócios que não eram devidamente compatíveis com a função que ocupava num tribunal superior. Também a Arosfram que foi absolvida, mas deu lugar a criação de uma outra empresa e que estava praticamente atuar nos mesmos moldes."
Angola: Pressões na origem da demissão de Rui Ferreira?
Não existe nenhuma situação que obrigue um juíz a pedir demissão
Na carta de demissão, Rui Ferreira alega a existência de uma "campanha intensa e cruel de mentiras, deturpação de factos, intrigas, calúnias e insultos". Diz ainda que "essa alegada campanha tem lesado a sua reputação e dignidade e "afeta a sua saúde".
Mas, o quê, realmente, está na base do pedido de demissão do então juiz presidente do Tribunal Supremo? O jurista Albano Pedro faz um enquadramento jurídico afirmando que "não existe nenhuma situação concreta que obrigue um juíz a pedir demissão".
Mas também não tem dúvidas de que Rui Ferreira cedeu a uma pressão social, "porque do ponto de vista legal, o juíz só é obrigado a proceder desta maneira se houver alguma sindicância, algum procedimento criminal sobre ele que o coloca numa situação de impedimento. Ou seja, um processo a decorrer contra ele que é intentada junto do Tribunal Supremo e sendo ele juíz do Supremo, ali a lei obriga que ele peça demissão para que não se crie impedimento no julgamento do seu caso".
E esta quinta-feira (03.10), o Presidente angolano João Lourenço aceitou o pedido de demissão do juíz e diz que o fez por causa do "interesse da salvaguarda do bom nome da justiça angolana".
Pedido tinha de ser feito ao Conselho Superior da Magistratura Judicial
Mas a sociedade pergunta: a quem Rui Ferreira tinha de entregar a carta de demissão? Albano Pedro responde que tem havido um "erro de interpretação da Constituição angolana". Para ele, o pedido tinha de ser feito ao Conselho Superior da Magistratura Judicial.
"O conceito de nomeação por parte do Presidente da República é mal interpretado porque na prática significa mera confirmação, porque quem nomeia, no caso, é o Conselho Superior da Magistratura Judicial. Então, por maioria de razão, seria o conselho a receber e a se pronunciar sobre ele", explica o jurista.
Albano Pedro descreve Rui Ferreira "como um juíz com muitas valias de implementação, de reorganização do sistema judicial. O juíz demissionário estava no Tribunal Supremo a levar a cabo o processo de criação dos tribunais de Comarca e dos Tribunais de Relação.
"Este julgamento é uma palhaçada"
Presos desde junho de 2015, os 15 ativistas aguardam o desfecho do julgamento desde setembro. Recentemente, Nito Alves classificou o julgamento como uma "palhaçada", o que lhe valeu uma condenação a seis meses de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Este julgamento é uma palhaçada"
Depois de quase seis meses de julgamento, Manuel Nito Alves, um dos 15 ativistas detidos desde junho, afirmou que todo o processo era uma "palhaçada". A afirmação valeu-lhe uma condenação a seis meses de prisão. A Central Angola 7311 resolveu criar várias imagens, onde os ativistas surgem com maquilhagem de palhaço, para desmascarar o "circo" em que estão envolvidos.
Foto: Central Angola 7311
Reclusos do Zédu
No início do julgamento, a 16 de novembro do ano passado, os ativistas chegaram a tribunal com t-shirts onde tinham escritas frases de protesto. Luaty Beirão, um dos revus, afirmou na altura que "Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro".
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Ao longo dos vários meses de processo, foram vários os protestos que aconteceram nas ruas de Luanda e de outras cidades. A Amnistia Internacional pede a liberdade dos prisioneiros de consciência, que se mostram bastante desgastados psicologicamente.
Foto: Reuters/H. Corarado
Prisão domiciliária desde dezembro
Em dezembro, o Tribunal Constitucional de Angola decretou o fim da prisão preventiva dos 15 ativistas. No acórdão era possível ler-se que "cabe ao juiz da causa determinar a medida de coação a aplicar nos termos da lei". A Procuradoria Geral da República propôs a alteração da medida de coação para prisão domiciliária.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Prisão domiciliária sem fundamento
Em fevereiro, o Tribunal de Luanda decretou que os ativistas deveriam continuar em prisão domiciliária. Praticamente um mês depois, os revus continuam à espera das alegações finais. "Nós sabemos que não podemos esperar nada de bom disto, apenas uma condenação", disse António Kissanda, da Central Angola 7311, à DW.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Os 15+2 estão a ser julgados por falar a verdade"
"Falar sobre as boas condições que José Eduardo dos Santos criou não é crime, mas dizer que não há luz, água potável, educação já é", diz António Kissanda. O 15+2 (Laurinda Gouveia, na foto, e Rosa Conde foram constituídas arguidas, mas aguardam julgamento em liberdade) estão a ser julgados porque "falaram a verdade".
Foto: Central Angola 7311
Ativistas usam greve de fome como forma de protesto
Em setembro, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito, Luaty Beirão (na imagem) e Sedrick de Carvalho declararam uma greve de fome contra a prisão preventiva, ilegal nessa altura, ao abrigo da Constituição angolana. Luaty Beirão manteve-se em greve de fome até ao final de outubro. Agora, é Nuno Dala quem usa a greve de fome como forma de protesto: tomou a decisão há seis dias (9.03).
Foto: Central Angola 7311
Julgamento sem fim à vista
Ontem (14.03), realizou-se mais uma sessão do julgamento dos 15+2. David Mendes (à esquerda na imagem), um dos advogados de defesa do grupo, recusa depor como declarante no processo. A sessão de ontem, prevista para as declarações finais, foi adiada para 21 de março, depois de o advogado ter sido impedido de exercer as suas funções como advogado de defesa.
Foto: DW/Nelson Sul d'Angola
"Isto é uma farsa que os levou à cadeia e os mantém na cadeia"
Para António Kissanda, da Central Angola 7311, este julgamento é uma farsa e lembra todos os outros ativistas que, ao longo dos 36 anos em que José Eduardo dos Santos está no poder, foram perseguidos e mortos. "Nós já estamos mortos, para dizer a verdade, só falta estarmos no caixão como prova disso", afirma. "Tal como em qualquer ditadura, é importante que não se criem mentalidades no povo".