Prisão de Zé Maria demonstra “força” do Governo de JLo?
Borralho Ndomba
18 de junho de 2019
Alega-se que Zé Maria pretendia salvaguardar segredos do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e por isso terá extraviado alguns processos secretos.
Publicidade
A detenção do general na reserva, António José Maria (general Zé Maria), um dos homens fortes na governação de José Eduardo dos Santos, está a ser considerada como mais um ato de demonstração de força de João Lourenço, atual Presidente de Angola, aos que ainda o tentam desafiar.
O antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar (SISM) está em prisão domiciliária desde segunda-feira, (17.06) sob acusação de extravio de documentos com informações secretas.
Alguns analistas ouvidos pela DW afirmam que os processos judiciais contra ex-figuras de peso no aparelho de Estado angolano continuam seletivos.
Uma nota do Supremo Tribunal Militar angolano citado pela Angop, avança que o general reformado está indiciado por crime de extravio de documentos, aparelhos ou objetos que contenham "informações de caráter militar e insubordinação”.
Ilícitos puníveis
Segundo informações da justiça angolana, o ex-chefe do SISM incorre em ilícitos previstos e puníveis nos termos da Lei dos Crimes Militares.
Entretanto, a medida punitiva dos crimes pode resultar em penas de dois a oito anos de prisão maior, de acordo com a referida lei.
Alega-se que Zé Maria pretendia salvaguardar segredos do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, e por isso terá extraviado alguns processos secretos.
Prisão de Zé Maria demonstra “força” do Governo de JLo?
Desde o anúncio da sua detenção já não há informações sobre o caso, e a sua equipa de defesa também não aceita fazer pronunciamento. Em declarações à DW África, o advogado e ativista Arão Bula Tempo, disse que as detenções continuam a ser particularizadas.
Estratégia de manipulação
Para Bula Tempo, a detenção do general não passa de mais uma manobra de manipulação da opinião pública, tendo em conta os problemas sociais que o país atravessa. "O Presidente da República fez muitas promessas, sem esquecer que o país estava a atravessar situações drásticas ao nível económico, provocados pelo próprio partido no poder. Creio que o Presidente para limpar a imagem do MPLA, está a tentar encontrar algumas personalidades para responderem em tribunal, porque se for um trabalho aturado, todos aqueles que desviaram dinheiro do erário público têm que responder”, afirmou o advogado.
Por seu turno, o ativista social, Adão Ramos afirma que a prisão do antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar "não é para se levar a sério” no que concerne a um verdadeiro combate à impunidade.
"Essas pessoas detidas, são classificadas arguidas, e depois são-lhes retiradas a medida de coação e não acontece mais nada, tal como é o caso do deputado Higino Carneiro. Também visa consolidar o poder do Presidente da República, para mostrar que quem ainda faz alguma resistência à sua liderança, que ele tem poder suficiente para fazer o que também fez o ex-Presidente da República, que é punir, prender, enfim, fazer outras coisas para quem representa algum incómodo”, sublinhou Adão Ramos.
"Cabalas” contra general Miala e ativistasGeneral António José Maria é tido também como o suposto autor da "cabala” sobre alegadas tentativas de golpes de Estado contra José Eduardo dos Santos, que levou para cadeia o general Fernando Garcia Miala, atual chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado.
O mesmo oficial superior das Forças Armas Angolanas (FAA) também é apontado como mentor da prisão dos 17 ativstas angolanos no processo 15+2.
Benedito Jeremias (Dito Dali), um dos réus do caso, afirma que Zé Maria está a provar o "próprio veneno”. "Ele está a beber agora do próprio veneno. Esse general é um especialista em forjar crimes, em manipular e fazer chantagens ao ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, com a finalidade de garantir o seu posto. Por exemplo inventou que o general Miala estava a preparar um golpe de Estado contra José Eduardo dos Santos. O general Miala foi condenado, e até hoje não se provou o tal golpe de Estado que ele havia montado”, disse.
O ativista espera que a justiça trabalhe e que não haja interferências políticas no processo do general angolano. "Esse senhor não terá como sair ileso deste processo, caso não haja uma manipulação para distrair a opinião pública. Se for eventualmente um processo sério, dificilmente ele sairá impune de todos os crimes imputados contra ele”, conclui Benedito Jeremias.
Julgamento dos 15+2 em imagens
Foi um julgamento envolto em polémica. 17 ativistas angolanos foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão por atos preparatórios de rebelião. Os críticos falam em "farsa judicial". Veja aqui momentos-chave do processo.
Foto: picture-alliance/dpa/W. Kumm
Julgamento polémico
Os 15+2 ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios de rebelião, foram condenados a entre 2 e 8 anos de prisão efetiva. A defesa e ativistas de direitos humanos denunciam que o processo foi marcado por várias irregularidades. O julgamento começou logo com protestos, a 16 de novembro. Um ativista escreveu na farda prisional "Recluso do Zédu". Observadores internacionais ficaram à porta.
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Antes e durante o julgamento, foram muitos os pedidos de "liberdade já!" para os ativistas angolanos. Essas foram também as palavras de ordem de uma campanha nas redes sociais pela libertação dos jovens a que se associaram músicos, escritores, ativistas e muitos outros cidadãos de dentro e fora de Angola.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Justiça sem pressão"
Fora do tribunal, um grupo de manifestantes jurou acompanhar o julgamento dos 15+2 até ao fim. Vestiram-se a rigor com t-shirts brancas de apoio ao sistema judicial angolano, com os dizeres "Justiça sem Pressão" - "Estamos aqui a favor da Justiça, visto que Angola é um Estado soberano e que os tribunais têm o seu papel, com o qual nós estamos solidários", disse um dos manifestantes.
Foto: DW/P. Borralho
Irregularidades no processo
Em dezembro, os ativistas enviaram uma carta ao Presidente angolano onde apontavam irregularidades no processo. Os jovens queixavam-se, por exemplo, das demoras, da falta de acesso ao processo por parte da defesa antes do início do julgamento e da impossibilidade de manter contato visual com a procuradora Isabel Nicolau (na foto). Eram ainda denunciados casos de agressão física e psicológica.
Foto: Ampe Rogério/Rede Angola
Dois dias a ler o livro de Domingo da Cruz
"Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura". É este o título do livro escrito pelo ativista Domingos da Cruz, inspirado no livro "Da Ditadura à Democracia", do pacifista norte-americano Gene Sharp. Segundo a acusação, era este o manual dos ativistas para preparar uma rebelião. O livro foi lido na íntegra durante dois dias no Tribunal de Luanda.
Foto: DW/Nelson Sul D´Angola
"Governo de Salvação Nacional" é "embuste"
Dezenas de personalidades angolanas integram uma lista, divulgada online, de um "Governo de Salvação Nacional". Esse seria um Executivo que assumiria o poder em Angola após a rebelião pensada pelos ativistas, segundo a acusação. Vários declarantes faltaram à chamada e várias sessões tiveram de ser adiadas. Um dos declarantes, Carlos Rosado de Carvalho, disse que o suposto Governo era um "embuste".
Foto: DW/P. Borralho
Prisão domiciliária
A 18 de dezembro, 15 ativistas, detidos desde junho, passaram ao regime de prisão domiciliária. Laurinda Gouveia e Rosa Conde permaneceram em liberdade condicional. O tribunal autorizou os detidos a receber visitas de familiares e amigos. No entanto, não foi permitido qualquer contato com membros do "Movimento Revolucionário" e do "Governo de Salvação Nacional".
Foto: DW/P. Borralho Ndomba
"Este julgamento é uma palhaçada"
Numa das sessões do julgamento, os ativistas levaram vestidas t-shirts com autocaricaturas como palhaços. Nito Alves disse em tribunal que o julgamento era uma palhaçada. Foi julgado sumariamente por injúria e condenado a 6 meses de prisão efetiva. Ativistas alertam que o estado de saúde de Nito Alves é grave e que Nito foi transportado numa maca para o tribunal de Luanda para ouvir a sentença.
Foto: Central Angola 7311
Nuno Dala em greve de fome
Como forma de reinvindicar o acesso a contas bancárias e entrega de pertences, Nuno Dala entrou em greve de fome a 10 de março. Gertrudes Dala, irmã do ativista, lamentou a reação da sociedade civil e a defesa alertou para a situação financeiramente "delicada" da família. Outros ativistas também passaram por dificuldades durante a prisão domiciliária.
Foto: DW/P.B. Ndomba
Ativistas são condenados
O tribunal de Luanda condenou, a 28 de março, os 17 ativistas angolanos. Domingos da Cruz, tido como "líder", deverá cumprir 8 anos e 6 meses de prisão efetiva. Luaty Beirão foi condenado a 5 anos e 6 meses. Rosa Conde e Benedito Jeremias foram condenados a 2 anos e 3 meses de prisão. Os restantes foram condenados a 4 anos e 6 meses. A defesa e o Ministério Público vão recorrer da decisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Dia triste para a liberdade de expressão"
"Este é um dia muito triste para a liberdade de expressão e de associação", disse Ana Monteiro, da Amnistia Internacional, reagindo às sentenças. "Não deveria ter existido sequer um julgamento. Estamos a falar de cidadãos angolanos que estavam reunidos a falar sobre liberdade e democracia". Zenaida Machado, investigadora da HRW, considerou a condenação ridícula.