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Angola: Quais são as saídas para a "dívida odiosa" à China?

6 de outubro de 2023

Angola deve encarar dívida pública à China como um problema político, defende jurista Rui Verde. Jornalista Rafael Marques insiste que ex-vice PR de Angola, Manuel Vicente, deve prestar esclarecimentos nesse processo.

A dívida pública angolana total é de 50 mil milhões de dólares (cerca de 47,4 mil milhões de euros), segundo os mais recentes dados do Banco Nacional de Angola. O montante devido à China ronda os 19 mil milhões de dólares (18 mil milhões de euros), excluindo a dívida privada e os juros, o correspondente a 37 por cento do total da dívida pública. Mas ainda está por apurar o valor exato da chamada "dívida odiosa", apropriada por privados quando José Eduardo dos Santos era Presidente da República.

O jurista português Rui Verde, que estuda as relações sino-angolanas na Universidade de Oxford, considera que Angola tem de encarar a resolução da dívida como um assunto de natureza política. O que deve passar, por um lado, pela vertente de negociação.

"Angola tem que negociar com a China a extensão do prazo de pagamento e o abaixamento dos juros, e uma vertente que podemos chamar ‘criminal'. Isso consta de documentos oficiais, como a acusação do verão passado aos generais [Manuel Vieira Dias Júnior] "Kopelipa" e Leopoldino do Nascimento ["Dino"], que uma boa parte do dinheiro obtido em empréstimos da China foi desviada para fins privados", frisa, em entrevista à DW.

Rui Verde: "Há aqui uma participação de chineses em todo este esquema, o que tem que ser apurado"Foto: DW/J. Carlos

CIF serviu para desviar fundos?

Segundo o académico, é a China International Fund, Ltd (CIF), entidade que tinha a propriedade de grande parte dos empréstimos, aparentemente pertencentes a Manuel Vicente e aos generais "Kopelipa" e "Dino", que aparece como a parte chinesa signatária de muitos acordos

"Foi através desta CIF que uma boa parte do dinheiro foi desviado. Portanto, há aqui uma participação de chineses em todo este esquema, o que tem que ser apurado. Não é só uma responsabilidade angolana", sublinha o jurista.

De acordo com Rui Verde, que integra o Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África (CEDESA), o pagamento da "dívida odiosa" tem de ser encarado de outra forma por ter sido contraída ilegalmente, não em benefício da população ou do Estado angolano. "Impõe-se, entretanto, uma auditoria da dívida de Angola à China", defende o investigador. "Devia ser o primeiro ponto para se perceber que parte destes 19 mil milhões de dólares é que foi destinada a bolsos privados", remata.

Os tribunais angolanos estão ainda a apurar os factos e as responsabilidades, podendo haver o envolvimento de Manuel Vicente, antigo homem forte da petrolífera Sonangol.

Cidadãos devem ser envolvidos na discussão

O jornalista angolano Rafael Marques, que também investiga este dossiê, pede ao Governo de Luanda que discuta estas questões com os cidadãos, referindo haver processos em tribunal sobre a dívida à China.

Rafael Marques: "Um dos principais responsáveis por essa dívida e que deve prestar esclarecimentos formais é Manuel Vicente"Foto: Privat

"Um dos principais responsáveis por essa dívida e que deve prestar esclarecimentos formais é Manuel Vicente, porque foi ele o responsável pela relação comercial entre Angola e a China, por essa contratação de créditos e o resto", adverte.

Rafael Marques sustenta que Manuel Vicente deve prestar explicações porque grande parte do dinheiro serviu interesses privados. "Houve inclusivamente créditos que a Sonangol concedeu ao CIF que não estão a ser explicados e que nós estamos a pagar como dívida", alerta.

Entre 2021 e 2023, Angola pagou à China, só em capital, quase 3 mil milhões de dólares (2,84 mil milhões de euros), de acordo com dados oficiais. Com o fim da moratória concedida por Pequim, o Governo angolano retomou o pagamento da dívida em janeiro deste ano com recurso às suas reservas, tendo já amortizado 1,2 mil milhões de dólares (1,14 mil milhões de euros), entre capital e juros. Esta é uma das razões que arrastou Angola para a atual crise financeira e cambial, em junho passado, afetando o valor da moeda nacional, o Kwanza.

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