Angola: Quando voltará a ser debatida a lei das autarquias?
Borralho Ndomba
17 de abril de 2023
O Parlamento angolano continua sem dizer quando será retomada a discussão sobre o Pacote Legislativo Autárquico, que está "encalhado" na presidência deste órgão. Há muitas dúvidas sobre a efetivação do poder local.
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Segundo os cálculos do executivo do Presidente angolano, 2020 seria o ano das autarquias em Angola. A promessa não foi cumprida no primeiro mandato de João Lourenço, apesar do seu governo ter realizado consultas públicas aos cidadãos.
Para este segundo mandato, há muitas dúvidas sobre a possibilidade da efetivação do poder local. Em diferentes declarações à imprensa, João Lourenço atribui a culpa da não implementação das autarquias à Assembleia Nacional, que não aprovou até ao momento todo o pacote autárquico.
Os deputados da 4ª Comissão de Administração do Administração do Estado e Poder Local estão a efetuar visitas às infraestruturas autárquicas em construção no país.
Foi neste âmbito que a DW questionou o agendamento do debate autárquico ao vice-presidente desta comissão de trabalhos especializados da Assembleia Nacional.
O deputado Paulo de Carvalho, que representa o MPLA, afirma que o reagendamento não estava no planeamento dos parlamentares que visitaram os bairros de Luanda.
"Não tratamos esta questão aqui na província de Luanda. É um aspeto que tínhamos programado, mas não foi possível cumprirmos. Vamos visitar proximamente, quando nos deslocarmos ao Ministério da Administração do Território", declarou.
Um assunto esquecido
O deputado e presidente do Partido de Renovação Social (PRS), Benedito Daniel, afirma que o agendamento da discussão da proposta de lei depende da presidente da Assembleia Nacional, que é membro do MPLA.
Benedito Daniel diz, no entanto, que o assunto está esquecido: "Ficou por discutir a lei da institucionalização das autarquias, que para nós é fundamental. Dizia-se que voltaria ao executivo para que pudesse dar retoques e posteriormente ser discutida, mas infelizmente, desde aí até esta data , nunca mais se falou dela."
"Pressionamos para que a proposta venha a ser discutida, para que seja aprovada no sentido de completar o pacote, mas infelizmente ninguém traz a lei para a discussão.", lamenta o deputado do PRS.
"Não há vontade política"
O secretário da UNITA para as autarquias, Alcino Jonas Cuvalela, explica que o reinício das discussões está a depender da Comissão Interministerial para a Elaboração e Implementação do Plano Integrado de Institucionalização das Autarquias Locais, criada em outubro do ano passado pelo Presidente da República.
Jovens angolanos protestam contra gradualismo das autarquias
01:43
A agenda de trabalho desta comissão está pendente, lamenta o também deputado da UNITA. "Desde que a comissão foi criada em outubro do ano passado até este momento não se vislumbra nada. O Orçamento Geral do Estado aprovou uma verba para esta comissão, no quadro da implementação dos seus programas, mas o ano está a ir-se embora e esta comissão não diz nada. Não sabemos qual é intenção real do Governo, mas enquanto isso, vamos continuar a pressionar o Governo", garante Alcino Cuvalela.
Com esta comissão, diz o secretário para as autarquias da UNITA, o Presidente angolano retirou o protagonismo do Parlamento sobre a discussão do poder local.
"Por isso, dissemos que não há vontade política do Presidente da República realizar as eleições autárquicas. Se houvesse, pelo menos esta comissão iria integrar outros atores da sociedade, partidos políticos e outros. Por outro lado, de outubro até hoje, já devia trazido ao Parlamento ou à discussão nacional, uma agenda que poderia engajar todo os atores numa dinâmica que convencêsseis os angolanos que teríamos eleições autárquicas."
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Pressão da sociedade civil
A sociedade civil continua a pressionar para que haja efetivação do poder local em Angola.
O professor e ativista Fernando Sakuayela defende a apresentação de um cronograma de plano para a implementação das autarquias.
"A Assembleia Nacional deve com alguma urgência, uma calendarização interna que a leve à discussão do pacote legislativo autárquico e da parte do executivo fica a missão de apresentar o cronograma de ações concretos que levará até a conclusão e a efetivação do poder local em Angola", conlui.
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.