Juntar o Presidente de Angola, João Lourenço, e a empresária Isabel dos Santos no mesmo evento "cheira a provocação", diz especialista em relações Rússia-PALOP. Tencionará Moscovo projetar a cidadã russo-angolana?
Publicidade
Terminou na quinta-feira (24.10) a cimeira Rússia-África, em Sochi, um evento em que estiveram o Presidente angolano, João Lourenço, e a filha do seu antecessor, a empresária Isabel dos Santos.
A presença dos dois no mesmo evento gerou controvérsia. Isabel dos Santos foi afastada da presidência da petrolífera estatal angolana, a Sonangol, pouco depois de João Lourenço tomar posse. E outros investimentos de grande envergadura no país também lhe foram retirados. O Presidente chegou a acusar a empresária de desencorajar o investimento no seu próprio país.
Os dois não são vistos extamente como "bons amigos". Sobre este caso, a DW África falou com José Milhazes, historiador e especialista sobre relações Rússia-PALOP.
DW África: Qual terá sido a intenção de Moscovo ao juntar os dois na mesma cimeira?
José Milhazes (JM): Nesse caso, Moscovo não esquece os amigos. Primeiro, quero lembrar uma coisa: Isabel dos Santos é russa, não é só angolana. Por parte da mãe, é russa. E deve ser a russa que mais fez pela entrada da Rússia em África. Agora, efetivamente, cheira um bocadinho a provocação o facto disso ser feito no momento em que o Presidente angolano está na Rússia. Mas penso que isto foi realizado porque o Presidente angolano não se manifestou contra, porque se se quisesse manifestar contra não iria à cimeira ou daria a entender... Mas quem cala, consente, como se costuma dizer.
DW África: Acha que há uma intenção de Moscovo de projetar Isabel dos Santos para o cargo de Presidente de Angola?
JM: Isso nunca se pode excluir, porque os jogos políticos são sempre muito complicados. Agora, é evidente que Isabel dos Santos é uma mulher muito importante para a realização da política russa, não só em Angola, mas também em África. Ela tem muitas ligações em África, e não só. Agora, isso vai depender da forma como o Presidente João Lourenço conduzir os destinos do país, porque, se nesse jogo complicado se colocarem em perigo os interesses da Rússia, a Rússia pode efetivamente apostar numa pessoa que é da sua inteira confiança.
DW África: Politicamente, qual é o impacto que a projeção de Isabel dos Santos nesta conferência pode ter para o Presidente João Lourenço? Foi uma situação constrangedora para ele?
JM: Eu penso que sim. Vai depender de como isso for apresentado. Agora, penso que os russos não vão deixar o Presidente João Lourenço ficar para trás. Até porque não nos podemos esquecer que João Lourenço tem boas relações com o Governo russo. Boa parte da formação militar de João Lourenço foi feita na União Soviética, ele sabe russo, e, pelo que sei, até agora não tem havido problemas nas relações entre a Rússia e Angola devido ao Presidente. Pelo contrário, este Presidente parece incentivado em motivar as relações bilaterais.
Moscovo reafirma Isabel dos Santos como ponta de lança?
DW África: Mas a atuação de Moscovo neste caso não parece amigável para João Lourenço...
JM: Se for assim, dessa forma, claro que não. Agora, depende da visibilidade que Moscovo der a Isabel dos Santos. Mas eu acho aue os russos neste momento não querem ferir o orgulho do Presidente angolano em nome da elevação de Isabel dos Santos. Penso que isso, por enquanto, não seria bom, e nem penso que a Rússia tenha esse objetivo...
DW África: Nem sequer isso representa uma ameaça, ou seja, esta homenagem a Isabel dos Santos não representa uma ameaça a João Lourenço?
JM: Não, por enquanto não.
Quem são as mulheres mais poderosas de África?
Nove mulheres africanas dão que falar no mundo da política e dos negócios, geralmente dominado por homens. Saiba quem são e como se têm destacado.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/B. Fonseca
Primeira mulher Presidente em África
Ellen Johnson Sirleaf foi a primeira mulher eleita democraticamente num país africano. De 2006 a 2018, governou a Libéria, lutando contra o desemprego, a dívida pública e a epidemia do ébola. Em 2011, ganhou o Prémio Nobel da Paz por lutar pela segurança e direitos das mulheres. Atualmente, lidera o Painel de Alto Nível da ONU sobre Migração em África.
Foto: picture-alliance/dpa/EFE/EPA/J. Lizon
Um grande passo para as mulheres etíopes
Sahle-Work Zewde foi eleita, em outubro, Presidente da Etiópia. O poder no país é exercido pelo primeiro-ministro e o Conselho de Ministros. Entretanto, a eleição de uma mulher para a cadeira presidencial é considerada um grande avanço na sociedade etíope, onde os homens dominam os negócios e a política. Mas isto está a mudar. Hoje em dia, metade do Governo é formado por mulheres.
Foto: Getty Images/AFP/E. Soteras
Mulher mais rica de África
Isabel dos Santos tem uma reputação controversa em Angola. É filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, que a colocou na administração da Sonangol em 2016. Mas o novo Presidente, João Lourenço, luta contra o nepotismo e despediu Isabel dos Santos. Mesmo assim, dos Santos ainda detém muitas participações empresariais e continua a ser a mulher mais rica de África, segundo a revista Forbes.
Foto: picture-alliance/dpa/epa/B. Fonseca
Magnata do petróleo e benfeitora da Nigéria
1,6 mil milhões de dólares norte-americanos é a fortuna da nigeriana Folorunsho Alakija. A produção de petróleo faz com que a dona da empresa Famfa Oil seja a terceira pessoa mais rica da Nigéria. Com a sua fundação, a mulher de 67 anos apoia viúvas e órfãos. Também é a segunda mulher mais rica de África, apenas ultrapassada pela fortuna de Isabel dos Santos de 2,7 mil milhões (segundo a Forbes).
Foto: picture-alliance/NurPhoto/A. Ajayi
Oficial da dívida da Namíbia
Na Namíbia, uma mulher lidera o Governo: desde março de 2015, Saara Kuugongelwa-Amadhila é primeira-ministra – e a primeira mulher neste escritório na Namíbia. Anteriormente, foi ministra das Finanças do país e perseguiu uma meta ambiciosa: reduzir a dívida nacional. A economista é membro da Assembleia Nacional da Namíbia desde 1995.
Foto: Getty Images/AFP/H. Titus
Discrição e influência
Jaynet Kabila é conhecida pela sua discrição e cuidado. Irmã gémea do ex-Presidente congolês Joseph Kabila, é membro do Parlamento da República Democrática do Congo e também é dona de um grupo de meios de comunicação. Em 2015, a revista francesa Jeune Afrique apontou-a como a pessoa mais influente do Governo na RDC.
Foto: Getty Images/AFP/J. D. Kannah
Triunfo diplomático
A ex-secretária de Estado do Ruanda, Louise Mushikiwabo, será secretária-geral da Organização Internacional da Francofonia em 2019. Isto, mesmo depois de o país ter assumido o inglês como língua oficial há mais de 10 anos. A escolha de Mushikiwabo para o cargo é vista como um triunfo diplomático. O Presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos apoiantes da sua candidatura.
Outra mulher influente: a nigeriana Amina Mohammed, vice-secretária-geral das Nações Unidas desde 2017. Entre 2002 e 2005, já tinha trabalhado na ONU no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio. Mais tarde, foi assessora especial do então secretário-geral, Ban Ki-moon, e, por um ano, foi ministra do Meio Ambiente na Nigéria.
Foto: picture-alliance/empics/B. Lawless
A ministra dos recordes no Mali
Recente no campo da política externa, Kamissa Camara é a mais jovem na política e primeira ministra do Exterior da história do Mali. Aos 35 anos, foi nomeada para o cargo pelo Presidente Ibrahim Boubacar Keïta e é agora uma das 11 mulheres no Governo. No total, o gabinete maliano tem 32 ministros.