"Questão da Isabel dos Santos tem seu melindre", diz jurista
21 de dezembro de 2023A empresária angolana Isabel dos Santos sofreu mais um golpe jurídico na quarta-feira (20.12), quando um tribunal britânico lhe congelou mais de 600 milhões de euros. A decisão sobreveio no contexto de uma ação levada a cabo pelo Estado angolano, através da empresa Unitel, depois de uma ordem para o arresto preventivo dos bens da empresária, acusada de corrupção.
Apesar da Interpol ter emitido um alerta vermelho em relação à sua pessoa, e de já ter sofrido várias derrotas judiciais, a filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, nega ter cometido qualquer ilegalidade.
Em entrevista à DW África, o jurista angolano Albano Pedro entende que o facto de a empresária nunca ter assumido um cargo de gestora pública dificulta uma indiciação e torna improvável a sua detenção.
DW África: Este congelamento representa uma vitória para a tão propalada luta contra a corrupção de João Lourenço?
Albano Pedro (AP): Tratando-se de uma ação intentada pelo Estado angolano, que resultou na apreensão desses valores, a vitória em concreto sobre a empresária Isabel dos Santos não pode estar relacionada apenas com estes valores em concreto apreendidos, porque há várias situações que podem ser geradas pela apreensão destes valores. Podem resultar, se calhar, até no benefício ao próprio Estado britânico.
Nós não sabemos até que ponto o Estado britânico está, de facto, interessado em que esses valores representem a favor do Estado angolano. Não conhecemos as circunstâncias em que esses valores circulam na economia britânica. Portanto, é muito cedo considerar este já um ganho para o Estado angolano em termos patrimoniais. No meu entender, esse combate tem de ser equilibrado e justo e visar todas as pessoas suspeitas, muitas delas com sinais ostensivos de bens públicos.
DW África: Entre elas, o ex-vice-Presidente Manuel Vicente, que é visto como intocável quando se trata de luta contra a corrupção?
AP: Todos aqueles que geriram bens públicos no passado e que não prestaram contas devidas devem ser visados, o que inclui Manuel Vicente e figuras ligadas ao Governo. Algumas são tocadas, outras ficaram intocáveis, umas até se tornaram invisíveis, ninguém fala delas, ninguém quer saber delas. Há uma infinidade de generais que deviam ser envolvidos nesse processo.
Mais curioso ainda é que, até agora, não tivemos um caso de condenação definitiva de um único indivíduo indiciado em crime de corrupção.
DW África: O congelamento do património de Isabel dos Santos e outras ações contra ela podem forçá-la, uma vez encurralada, a chegar a algum acordo com o Estado angolano?
AP: Eu penso que, se houver um acordo com a engenheira Isabel dos Santos, o Estado angolano estará a andar mal. Eu penso que o combate à corrupção não pode gerar acordos como tal, fora aqueles que estão já previstos na própria legislação sobre combate à corrupção, que são os tais sinais de arrependimento e de entrega voluntária de bens por parte de pessoas visadas. Não julgo que tenham de existir mecanismos para acordos paralelos.
O que me parece neste caso é que Isabel dos Santos tem consciência que não tem muito que explorar. Não tem muitas alternativas para poder obter uma espécie de perdão do Estado angolano.
DW África E o que falta para ela ser detida?
AP: Penso que a questão da Isabel dos Santos tem o seu melindre, por uma razão muito simples. Primeiro, ela não é propriamente uma gestora pública que possa ser perseguida por delapidação do erário público. Porque esses crimes são crimes de gestão danosa do Estado angolano e, via de regra, penalizam aqueles que estiveram em cargos de responsabilidade na gestão do Estado. Depois, a forma como ela lidou com a contabilidade e com a gestão financeira fazem perceber que esses capitais todos, apesar de pertencerem ao Estado angolano, foram capitais que giraram à volta de entidades privadas. De modo que me parece aqui é que está o grande problema do Estado angolano em indiciar criminalmente Isabel dos Santos.