A revolta de camponeses em 4 de janeiro de 1961 é um dos eventos que marcam a história de Angola na luta pela independência. "Data fundamental na memória dos angolanos" permanece envolta em mistérios.
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O 4 de janeiro de 1961 é uma data fundamental no processo de luta pela independência de Angola. Segundo o historiador luso-angolano Alberto de Oliveira Pinto, "é uma data fundamental para ficar na memória dos angolanos, e não só, na luta pela independência de Angola, tal como ‘4 de fevereiro’ e o ‘15 de março’ também do ano de 1961", referindo-se a outros dois importantes marcos do início da luta armada contra a era colonial.
A 4 de janeiro de 1961 deu-se a considerada primeira rebelião contra o regime colonial português, encetada pelos trabalhadores rurais da Companhia Geral dos Algodões de Angola (COTONANG), a empresa angolana produtora de algodão, com participação belga, vigente no tempo colonial.
O que determinou a revolta foi a obrigatoriedade imposta pelo regime colonial da produção da cultura do algodão no território da Baixa do Cassange, no antigo Reino Imbangala de Cassange. "Tratava-se da cultura obrigatória do algodão numa comunidade de camponeses que até então vivia da produção agrícola", explica o historiador.
"Os trabalhadores do algodão da Baixa de Cassange eram populações consideradas indígenas e que, além de entregar uma grande parte da sua coleta de algodão às autoridades coloniais, eram obrigadas a um imposto de capitação", acrescenta.
Revolta durou semanas
A revolta prolongou-se ao longo de várias semanas de janeiro de 1961. De acordo com Oliveira Pinto, os camponeses recusaram trabalhar e pagar impostos, tendo capturado alguns capatazes do regime. Esta recusa "determinou uma reação por parte do Estado colonial português", o que acabou por originar "o primeiro ataque aéreo por parte do exército português, da responsabilidade dos oficiais portugueses com destaque para o então major Camilo Rebocho Vaz, mais tarde [Alto Comissário e] Governador-Geral de Angola", recorda.
"Esse ataque aéreo à região provocou um enorme número de mortes", frisa. Segundo o historiador, ao contrário do que alguns estudiosos afirmaram, não foi usada uma bomba do tipo napalm nesse ataque aéreo, como viria a acontecer na segunda metade do ano, já no início da chamada luta pela independência de Angola.
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Várias interpretações
Decorridos 60 anos, o "4 de janeiro" tem sido objeto de várias interpretações por parte de alguns investigadores.
"Para uns, toda aquela movimentação teve grande influência da recente independência do então Congo belga, cerca de seis meses antes, e suspeita-se de que tenha havido alguns intervenientes vindos do recente Congo-Léopoldville ainda, mais tarde conhecido como Kinshasa", refere.
Oliveira Pinto acrescenta que também há quem relacione os acontecimentos com a influência exercida por pregadores religiosos ligados a congregações africanas baseadas no cristianismo - não apenas o ainda recente kimbanguismo e tocoísmo - mas também correntes religiosas derivadas do século 18, do tempo de Beatriz Kimpa Vita, antiga líder política do Reino do Congo.
Para o académico Oliveira Pinto, são necessários mais estudos sobre esse período da história colonial e de Angola para apurar a realidade dos fatos.
As artes como arma anticolonial
A luta contra o colonialismo fez-se em várias frentes. Uma caneta, uma música e um pincel também podem ser uma arma. Recordamos algumas figuras que fizeram da arte o seu grito de revolta contra o regime vigente.
Foto: Casa Comum/ Documentos Malangatana
Amílcar Cabral, o "Chefi di Guerra" que era poeta
Nasceu na Guiné, mas o percurso e luta dividiu-se entre o país natal e Cabo Verde. Promotor da cultura e educação, que via como partes integrantes do processo de revolução. O poeta português Manuel Alegre descreveu-o como” o mais inteligente, o mais criativo e o mais brilhante de todos os dirigentes da luta de libertação dos povos africanos".
Foto: casacomum.org/Documentos Amílcar Cabral
Deolinda Rodrigues: As mulheres também lutam
Langilia era o nome de guerra de Deolinda Rodrigues (no canto superior direito da foto) contra o império colonial. Perdeu a vida pela causa que defendia. É também um símbolo feminista – é ela a origem do Dia da Mulher Angolana. Excerto de um dos seus poemas: "Mamã África geraste-me no teu ventre, nasci sob o tufão colonial, chuchei teu leite de cor, cresci, atrofiada, mas cresci".
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Mário Pinto de Andrade e a identidade africana
Passou grande parte da sua vida exilado, o que não o impediu de ser uma das grandes vozes dos nacionalismos africanos e do pan-africanismo. Idealista, acaba por deixar o MPLA, partido que fundou, por não se identificar com o rumo tomado. Em 1953, com o são-tomense Francisco Tenreiro, organizou o volume "Poesia Negra de Expressão Portuguesa", um testemunho da expressão africana dentro da lusofonia.
Foto: DW/J. Carlos
As "três Marias": Denunciar o Estado Novo internacionalmente
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho Costa escreveram "As Novas Cartas Portuguesas", que denunciava a repressão do regime, especialmente no que dizia respeito às mulheres. O livro foi censurado e as autoras levadas a tribunal. O caso teve grande repercussão internacional, com várias manifestações em sua defesa e contra o regime ditatorial em Portugal.
Foto: privat
José Luandino Vieira: Consciência nacionalista
É um dos grandes da literatura angolana. A sua obra reflete a consciência nacionalista, não foi por acaso que adotou um pseudónimo que inclui o nome "Luandino". Lutou pelo MPLA. Foi um dos que foram presos na sequência do conhecido "Processo dos 50". Esteve vários anos preso, incluindo no Tarrafal. Venceu o prémio Camões, o mais importante para escritores de língua portuguesa, que recusou.
Foto: Imago/GlobalImagens
Zeca Afonso: A voz da revolução
Português, com a infância passada entre Angola e Moçambique. Voz incontornável da música de intervenção contra a ditadura e o colonialismo. A sua música "Grândola Vila Morena" foi um dos sinais para dar início à Revolução dos Cravos. É reconhecido internacionalmente e as suas músicas permanecem um símbolo da luta contra regimes opressivos.
Foto: Casa Comum/Arquivo Mário Soares
Alda do Espírito Santo: "Independência total"
Figura mítica do nacionalismo são-tomense (à esquerda na foto), não fora ela a autora da letra do hino nacional onde por várias vezes reclama a "Independência total". A sua poesia é um elogio à sua terra e ao seu povo. Em Lisboa conviveu com intelectuais como Mário Pinto de Andrade e Amílcar Cabral, na famosa Casa dos Estudantes do Império.
Foto: Casa Comum/Fundo Mário Pinto de Andrade
Malangatana: O herói moçambicano
Esteve 18 meses preso pelos ideais anticolonialistas que defendia. Os anos de cárcere estariam depois presentes também presentes nos seus trabalhos. É conhecido internacionalmente pela pintura, mas também explorou outras formas de expressão como a escultura, cerâmica e a tapeçaria. Em 1997 foi nomeado pela UNESCO "artista pela paz".