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Angola: Savimbi e Holden fora da lista de condecorações?

13 de fevereiro de 2025

Exclusão de Jonas Savimbi e Holden Roberto das homenagens nos 50 anos da independência de Angola faz parte da “narrativa dominante” do MPLA, diz analista à DW.

Angola UNITA
Holden Roberto, (FNLA), Agostinho Neto (MPLA) e Jonas Savimbi (UNITA) foram signatários do Acordo de Alvor, rubricado com o Governo português em janeiro de 1975 (foto de arquivo)Foto: Moisés Alfredo

Angola celebra, este ano, o quinquagésimo aniversário da independência nacional, proclamada a 11 de novembro de 1975. Mas o partido no poder, Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) , excluiu Holden Roberto e Jonas Savimbi da lista de personalidades a homenagear no âmbito das celebrações.

O parlamento angolano aprovou esta quarta-feira (12.02), a condecoração de António Agostinho Neto e de José Eduardo dos Santos, primeiro e segundo Presidentes de Angola, respetivamente, excluindo das homenagens os nomes de Holden Roberto, da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), e Jonas Savimbi, da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Ambos foram signatários do Acordo de Alvor, rubricado com o Governo português em janeiro de 1975, no Algarve (Portugal), que estabeleceu os parâmetros para a independência de Angola.

A oposição é contra a escolha e acusa o partido no poder de tentar silenciar o papel dos líderes fundadores da FNLA e da UNITA na história de Angola.

Em entrevista à DW África, o jornalista angolano José Gama fala da "narrativa dominante" do partido no poder, que tem dificuldade em reconhecer o papel que estes dois líderes tiveram na independência total de Angola. O analista recorda o papel dos dois líderes no processo de luta pela libertação e independência do país e critica a posição do MPLA, que contradiz com a agenda do Presidente João Lourenço.

 

DW África: O MPLA excluiu Holden Roberto e Jonas Savimbi da lista de personalidades a homenagear no âmbito das celebrações do 50º aniversário da independência de Angola. Apenas serão condecorados António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Que leitura se pode retirar dessa exclusão?

“O MPLA construiu uma identidade própria política, enfatizando a sua luta como a principal responsável pela independência de Angola”, diz o jornalista angolano José GamaFoto: Privat

José Gama (JG): Durante muito tempo, o MPLA criou uma narrativa ou construiu uma identidade própria política, enfatizando a sua luta como a principal responsável pela independência de Angola. Agora, dar uma medalha a Savimbi e a Holden Roberto significaria reconhecer que os outros movimentos também tiveram um papel significativo que poderia ir contra a narrativa dominante. Isto para dizer que Jonas Savimbi e Holden Roberto foram alvos de uma propaganda por parte das autoridades que os apresentava como os maus da fita e criou-se um estado de opinião para que a sociedade os visse assim de forma negativa.

E essa versão pegou. E hoje é o próprio MPLA que está a ser vítima dessa própria propaganda que ele criou à volta dessas duas figuras. E hoje tem dificuldade em reconhecer o papel que estes dois líderes tiveram para a independência total de Angola.

DW África: A oposição chumbou a proposta no Parlamento e acusa o partido no poder de tentar silenciar o papel dos líderes fundadores da FNLA e da UNITA na história de Angola. Faz sentido citar apenas estes dois nomes, sabendo que a luta de libertação envolveu muitos outros atores e combatentes?

JG: Não, não faz sentido porque a independência foi um processo e não um ato de um único dia. A independência vem antes do 11 de novembro [de 1975]. Ela começa com a luta travada por Holden Roberto, que foi o primeiro a iniciar a luta armada contra o regime colonial, que despertou Salazar a ter noção e a reconhecer que deveria prestar atenção às colónias.

Foi esta luta de Holden Roberto que fez Salazar mandar mais homens para as colónias, sobretudo para Angola. E são estes que depois vão despertar e deixam cair o regime em Portugal por via do 25 de abril [de 1974]. E é por via do 25 de abril que vem uma outra ala dentro do regime português, os capitais que facilitam a descolonização do processo de independência.

Portanto, não faz sentido excluir porque foram os três que acertaram a data da independência. Foi Holden Roberto quem escolheu e propôs na mesa o 11 de novembro como data a proclamar a independência, como é que hoje, na celebração desta data que o homem escolheu, não se reconhece e se exclui até a pessoa que sugeriu esta mesma data? Portanto, é uma contradição enorme que o MPLA está aqui a levar a cabo.

Acordo de Alvor - Delegados portugueses e angolanos em Alvor, Portugal, incluindo Jonas Savimbi. Holden Roberto e Agostinho NetoFoto: casacomum.org/Arquivo Mário Soares

Mas isto também vale dizer que é mesmo só o MPLA, porque nós acreditamos que o Presidente João Lourenço não é por esta agenda. Porque ele até já mostrou um espírito de abertura, legalizou a Fundação Jonas Savimbi, está prestes a dar o nome de Savimbi a uma rua em Angola ou em Luanda, conforme ele prometeu ao embaixador Isaías Samakuva. Portanto, se está a dar este reconhecimento, aprovou a exumação e depois a inumação das ossadas de Jonas Savimbi, tudo pago pelo Estado, agora chegam nesta reta final, não reconhecem o papel que o homem teve, isto indica que o MPLA está numa direção e João Lourenço está noutra direção favorável ao reconhecimento de todos.

DW África: Também acha que a Assembleia Nacional não tem competência para atribuir medalhas?

JG: Quem tem estado a fazer esse trabalho é a Presidência da República, porque ela tem um departamento que realiza as condecorações a nível das figuras de Estado ou internacional. O Parlamento pode ajudar na escolha, como é o Parlamento representante do povo angolano, é a expressão máxima que está ali em forma de uma representação ou residuntura. Portanto, pode o Parlamento ajudar nesta seleção, já que são os representantes do soberano, mas tem que ser inclusivo, não pode ter um trabalho em que eles deixam-se levar pelas suas emoções.

Jonas Savimbi teve várias fases da sua vida. Tem uma fase que lutou contra o regime colonial, é esta fase que se quer reconhecer, agora tem outra fase que lutou contra o MPLA, contra o comunismo, aí isto é um outro problema. Agora, nós estamos aqui a tentar reconhecer os atos de Jonas Savimbi como nacionalista, junto ao Agostinho Neto, que derrubaram o regime colonial, é este lado que tem que se reconhecer.

Não se pode julgar Savimbi pela luta que ele teve com o MPLA e sacrificar toda a história do homem e toda a história do país.

DW África: A lei que cria a medalha comemorativa alusiva aos 50 anos de independência de Angola vai a votação final global na próxima reunião plenária da Assembleia Nacional. Por sinal, a lei tem chance de vir a ser implementada tendo em conta que o MPLA tem a maioria…

JG: Correto, o MPLA controla o Parlamento, tem a maioria, tem número de votos suficientes para passar algumas leis sem necessariamente a participação dos outros e, sendo assim, ele pode fazer passar esta lei.

DW África: Na sua opinião, este é, de facto, um tema relevante para Angola, entre as questões que o país enfrenta 50 anos depois da independência?

JG: Correto, porque o país precisa de reconciliação e a reconciliação é estarmos todos unidos, é termos um debate científico, académico e não um debate ideológico ou político.

Quando se está a pôr as ideologias acima dos debates académicos e científicos, isto aí prejudica o país. Então, o MPLA está aqui a levar o debate para um campo ideológico, que é das lutas ideológicas que ele teve com Jonas Savimbi e Holden Roberto, por isso é que ele tem essa dificuldade de promover a reconciliação, a unidade interna, porque ele acha que todas as lutas do país foram exclusividade do MPLA. Isso revela mais uma vez que o país vai ter que precisar, no futuro, de uma alternância e o novo partido que for ao poder vai conseguir promover esta abertura e inclusão de todos. 

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