Angolanos defendem criação de verdadeiras rádios comunitárias, por considerarem que respondem melhor às necessidades do país. Mas a legislação vigente não assegura a existência destes meios de comunicação.
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"Necessário e urgente". É assim que Antonino Sanjamba Vasco, estudante do curso de jornalismo do Instituto Superior Politécnico, da Universidade José Eduardo dos Santos, considera o surgimento de rádios comunitárias no seu país.
Este mês de outubro é dedicado à rádio em Angola, por assinalar a primeira visita do então Presidente da República, Antonio Agostinho Neto, à estação emissora pública, a Rádio Nacional de Angola (RNA), em outubro de 1977.
40 anos depois, cidadãos ouvidos pela DW África defenderam a necessidade da criação de verdadeiras rádios comunitárias, por responderem melhor às necessidades do país.
De acordo com o ativista cívico José Carlos Daniel, o modelo atual de rádios comunitárias, criado pelo Executivo angolano, não corresponde ao seu verdadeiro propósito.
Para angolanos, rádios comunitárias não são da comunidade
"As rádios comunitárias existentes em Angola são extensões da Rádio Nacional (oficial), porque as rádios comunitárias têm o seu foco em aspetos sócio-culturais das comunidades e não é isso que tem acontecido. E o que nós temos visto com estas extensões, no fundo, é uma reprodução daquilo que é divulgado pela Rádio Nacional de Angola (RNA)”.
Lei fora de prática
Teixeira Cândido, secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, também considera que o país não possui rádios comunitárias, pelo fato da atual lei não prever a sua existência.
"As estações municipais criadas pela rádio pública são bem diferentes do que se espera das rádios comunitárias", diz Teixeira Cândido.
"Não temos rádios comunitárias. O que temos são rádios locais, porque são rádios comerciais, como quaisquer outras, só que estão confinadas a determinados municípios, como Viana, Cacuado e Cazenga. Portanto, elas são comerciais com a transmissão de publicidade e não se enquadram no modelo de rádios comunitárias que a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos estabelece.
O responsável sindical considerou a Lei de Imprensa, nº 1/17, um retrocesso, pelo fato de retirar conquistas já consagradas em legislações anteriores e por não respeitar a Declaração de Windhoek, sobre o incentivo dos Estados ao setor da comunicação social.
"Esta lei para nós representa um retrocesso, nem já a lei de 1991, que dá cabo do mercado da comunicação social, previa esta exigência, tampouco a lei de 2007. Esta lei é um retrocesso porque restringe praticamente a questão da rádio àqueles que são efetivamente pequenos”.
Rádio como encontro real da comunidade
Para o estudante de jornalismo Sanjamba Vasco, as rádios comunitárias são o alicerce para o desenvolvimento das comunidades locais.
"Hoje falamos naquilo que é a dita gestão da coisa pública, que quase todos participam na vida pública, da comunidade, do país. Se tivermos uma rádio que dá voz, que dá espaço ao debate, as pessoas podem vir a público reclamar, denunciar aqueles atos que não são os mais adequados para a gestão do erário público”
A atual Lei de Imprensa não prevê a criação de rádios comunitárias, apesar de referir no artigo 52 que a atividade de radiodifusão está ao dispôr do Estado e de entidades públicas e privadas.
Revisão da legislação em vigor
O estudante de jornalismo Antonino Sanjamba Vasco critica a lei de imprensa. "Se a comunidade não tem acesso a meios de comunicação ao nível mais micro, também não terá acesso ao nível macro. Então, eu proponho que seja revista a legislação, em vigor.”
Uma rádio comunitária emitide geralmente em frequência modulada (FM) de baixa potência (25 Watts) e de cobertura restrita a um determinado raio a partir da antena transmissora.
Podem explorar esse serviço somente associações e fundações comunitárias sem fins lucrativos, com sede na localidade da prestação do serviço. As estações de rádio comunitárias devem ter uma programação pluralista, sem censura e aberta à expressão de todos os habitantes da região atendida.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.