Angola foca-se na redução da mortalidade materno-infantil
Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
27 de agosto de 2018
Em entrevista exclusiva à DW África, Sílvia Lutucuta fala em redução de casos de malária, diz que o país faz o trabalho de casa na prevenção do ébola e que a redução da mortalidade materno infantil é uma prioridade.
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No âmbito da visita Presidencial à Alemanha, na semana passada, a ministra angolana da Saúde, Sílvia Lutucuta, concedeu uma entrevista exclusiva à DW África, em Berlim, na qual falou sobre as prioridades e desafios de sua pasta, mas também sobre como Angola está a se proteger do surto de ébola na República Democrática do Congo. A ministra avaliou ainda a situação da malária no país, doença que vem sendo administrada por uma abordagem multisetorial, segundo Lutucuta.
DW África: Dentre os projetos que tem na área da Saúde, o que está a ser uma prioridade atualmente?
Sílvia Lutucuta (SL): Nós temos várias prioridades. Medicamentos. Nós precisamos ter uma logística de medicamentos mais eficaz, com a qualidade necessária. Por outro lado, temos compromissos muito importantes com a redução da mortalidade materno-infantil. Para além disso, por outro lado, temos a melhoria das infraestruturas e qualidade dos recursos humanos. Estes são os grandes desafios e, depois, temos todos os outros que concorrem para a melhoria da assistência médica e medicamentosa dos angolanos.
DW África: Quais são as medidas que estão a ser tomadas para ultrapassar esses desafios?
SL: Nós estamos a trabalhar para a melhoria dos cuidados primários de saúde. É a referência que 80% das situações de saúde têm solução a nível dos cuidados primários de saúde. Para isso, estamos a melhorar a quantidade e qualidade dos nossos postos médicos e centros de saúde. Nós temos hospitais que foram construídos, unidades muito boas, com equipamentos e com a qualidade, em termos de infraestruturas, de topo. Mas, precisamos de melhorar a qualidade de recursos humanos que lá metemos.
Também subespecializar os hospitais. Termos uma referência, por exemplo, em ortopedia, uma referência em cirurgia cardíaca e outras referências. E fazer geminação com unidades hospitalares, no estrangeiro, de referência.Isto vai aumentar a eficiência, a qualidade da assistência e também há sempre a possibilidade de formarmos mais quadros qualificados e localmente.
DW África: Um tema que tem chamado a atenção tem sido esse vai-e-vem das crises de ébola na República Democrática do Congo. Como Angola está a ver isso?
SL: Do ponto de vista comercial, assistência médica, nós trabalhamos de forma integrada com os outros países e também cumprimos as normas internacionais de saúde. Também temos um parceiro muito importante que é a Organização Mundial de Saúde, a OMS África. Portanto, em Angola, foram tomadas as medidas preventivas. Temos estado a fazer trabalhos ao nível das nossas fronteiras, preparar condições para o caso de surgir um caso [de ébola] e estamos a educar a nossa população, formação de técnicos. É um esforço conjunto que nós temos estado a fazer, não só em Angola, mas na região.
DW África: Este controle na fronteira continua em andamento e até quando será mantido?
SL: Isso será mantido até não termos ébola na República Democrática do Congo. Qualquer país tem que estar em permanente alerta.
DW África: Qual é a situação da malária atualmente em Angola e como está a ser implementado o esforço do Governo no combate à malária?
Entrevista Saüude Angola OL - MP3-Stereo
SL: A malária é uma das principais causa de morte e morbilidade em Angola, é uma doença endémica. Mas está sendo feito um esforço conjunto, e gostaria também que percebessem que nós estamos, e é essa a orientação do titular do Poder Executivo, de os ministérios trabalharem de forma integrada.
As doenças resultam de uma série de determinantes de saúde e então, estamos a fazer um esforço multisetorial. Trabalhamos com o Ministério da Energia e Águas, por causa do abastecimento de água potável, com o ministério da Família e Reinserção Social, que tem um programa específico de combate à pobreza. E também é nossa preocupação, dentro das nossas políticas, trabalhar mais na prevenção e, assim, conseguimos ter um sistema de saúde mais resiliente.
Nós temos uma comissão multissetorial de combate à malária, de combate à cólera e outras doenças e que tem estado a trabalhar de forma integrada para arranjar soluções para o problema.
DW África: Já foi possível identificar avanços no combate à malária?
SL: Já. Já houve avanços significativos. Já conseguimos ter melhor quantificação dos casos e melhor tomar medidas - quer para o tratamento, quer para a prevenção. Com isto, temos estado a controlar melhor a situação. O pior ano da malária foi 2016 e final de 2015 - nós tivemos mais de seis milhões de pessoas com malária e o número de mortes também foi muito elevado. Esses números baixaram um pouco. Este ano [2017/2018], tivemos cerca de três milhões e 500 pessoas com malária. A mortalidade foi inferior a do anos de 2016, tivemos cerca de 2.500 mortes.
E vamos continuar a tratar, sensibilizar a população - há de fazer advocacia para o uso do mosquiteiro e também evitar todas as condições para a reprodução do mosquito que é a base do problema.
Friedensdorf em Angola
A Friedensdorf começou a viajar até Luanda há duas décadas para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. A 56ª ação de ajuda aconteceu em 2014.
Foto: DW/M. Sampaio
20 anos de ajuda a crianças doentes
Já passaram duas décadas desde que a Friedensdorf International começou a viajar até Luanda para recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e levar de volta outras já recuperadas. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo cerca de 3 mil crianças angolanas. Em 2014, aconteceu a 56ª ação de ajuda.
Foto: DW/M. Sampaio
Ritmos angolanos na despedida
Kuduro e outras danças angolanas são uma constante na festa de despedida que a Friedensdorf organiza na sua sede em Oberhausen, no centro-leste da Alemanha, antes da partida para Angola das crianças já recuperadas. Depois de várias operações e tratamentos, as crianças estão ansiosas por voltar à terra natal e rever a família. Mas os amigos que fizeram na Alemanha também vão deixar saudades.
Foto: DW/M. Sampaio
Experiência única
Para casa as crianças levam também uma experiência única, afirma Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. “Neste momento, temos connosco meninos e meninas de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas”, explica.
Foto: DW/M. Sampaio
Regresso azul
Quando regressa, cada criança recebe um saco azul de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Partem do Aeroporto de Düsseldorf, num avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue uma equipa da ONG, que inclui um médico.
Foto: DW/M. Sampaio
Luanda à vista
Depois de quase dez horas de voo, o avião aterra finalmente na capital angolana. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro, em Luanda, costumam estar dois membros da ONG alemã, que viajam mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da organização parceira angolana Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz".
Foto: DW/M. Sampaio
Reencontro familiar
Do aeroporto as crianças que regressam da Alemanha seguem depois para a sede da Kimbo Liombembwa, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais, que voltam a abraçar os filhos depois de vários meses de ausência. A separação não é fácil, mas os resultados compensam, reconhecem muitos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Perda de Rosalino Neto
A Friedensdorf e a Kimbo Liombembwa lamentam a perda do médico Rosalino Neto, que dirigia a organização parceira. O fundador da Ordem dos Médicos de Angola morreu em junho passado, aos 63 anos, vítima de doença prolongada. Acompanhou as operações de ajuda desde o início e esteve várias vezes na Alemanha. As primeiras crianças chegaram à Alemanha em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos.
Foto: DW/M. Sampaio
Últimas recomendações
No dia da entrega das crianças aos pais, a equipa da Friedensdorf faz sempre um resumo dos tratamentos médicos realizados e deixa também uma série de recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. Durante muitos anos, o médico Rosalino Neto traduziu as explicações da ONG aos pais.
Foto: DW/M. Sampaio
Alemanha, a última esperança
A Alemanha é a última esperança para muitos angolanos. O conflito no país terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. O crescimento económico e os petrodólares não se refletem na saúde.
Foto: DW/M. Sampaio
Diagnósticos problemáticos
Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição. Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas não visíveis. Diagnósticos precisos sobre o seu estado de saúde também são um problema, segundo a Friedensdorf.
Foto: DW/M. Sampaio
Kimbo Liombembwa
Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. Já foram beneficiadas cerca de três mil crianças de várias regiões de Angola. A viagem das províncias até Luanda chega a durar três dias. Para as ações de ajuda a “Aldeia da Paz” conta também com o apoio da Embaixada da Alemanha.
Foto: DW/M. Sampaio
Comunicação sem fronteiras
A maior parte das crianças não sabe falar alemão, mas a comunicação não é um problema. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando querem ir à casa de banho, xixi todos entendem!", explica a porta-voz da Friedensdorf. Além disso, as crianças comunicam por sinais. A bordo costumam também seguir crianças que viajam para a Alemanha pela segunda vez e que servem de tradutoras.
Foto: DW/M. Sampaio
Ciclo da ajuda continua
No Aeroporto de Luanda, dois autocarros transportam as crianças até ao avião. Durante a viagem, redobram-se os cuidados com os novos pacientes. Quando chegam à Alemanha, os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O ciclo da ajuda não fica por aqui. A próxima viagem já está agendada para maio de 2015.