Angola: Trabalhadores denunciam abusos em empresas chinesas
Simão Lelo
15 de julho de 2024
Trabalhadores angolanos queixam-se de maus tratos, condições de trabalho precárias, salários baixos e violação de direitos em empresas chinesas. A nova Lei do Trabalho promete dignidade, mas a realidade é outra.
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Em Angola, a busca por um trabalho está cada vez mais difícil, com os últimos dados do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social a mostrar que a taxa de desemprego aumentou 25% no primeiro trimestre deste ano. O desespero chega a levar as pessoas a aceitarem empregos mal remunerados.
Os empregadores chineses, por exemplo, costumam pagar salários de 40 mil kwanzas (equivalente a 43 euros), dos quais ainda descontam diariamente mil kwanzas para transporte ou pequeno-almoço, resultando em apenas 10 mil kwanzas líquidos (equivalente a 11 euros).
Antónia da Costa (nome fictício) trabalha há 16 anos num restaurante gerido por um cidadão chinês e conta que "dão-te mil kwanzas, mas você é que sabe se vais comer ou apanhar táxi".
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Violência
Ainda segundo ele explica, é apenas no final do mês que recebem o equivalente a 10 mil kwanzas para completar os 40 mil kwanzas. "Não te dão comida e muitas vezes os gerentes te batem se você deixar uma tigela", disse.
Julieta Conde trabalha há doze anos numa loja pertencente a um cidadão chinês e revela que há incumprimento no horário. "Não temos hora fixa de saída; se formos mais rápidos saímos mais cedo, se não, ficamos mais um tempinho", relata.
Estevão é outro jovem que trabalha há três anos para um estúdio de fotografia gerido por chineses e denuncia violação dos direitos dos trabalhadores. "Eles não olham para os nossos direitos, estão sim mais preocupados apenas com que nós façamos a vontade da empresa."
Nova Lei Geral do Trabalho
A nova Lei Geral do Trabalho entrou em vigor em março de 2024. Um dos seus objetivos é proporcionar dignidade aos trabalhadores. Nesse contexto, a Inspecção Geral do Trabalho (IGT) visitou, durante a última semana, 144 empresas em todo o país, capacitando 4.100 trabalhadores sobre a nova Lei.
Porém, o ideal preconizado pela Lei está longe da realidade e, segundo o analista Quivanga Lenda, "a Lei Geral do Trabalho protege a vida de cada trabalhador na empresa. Mas, infelizmente, as leis em Angola são muito bem escritas e pouco aplicadas", disse.
Nos últimos dias, várias imagens de chineses maltratando cidadãos angolanos em seu próprio território foram postas a circular nas redes sociais. O filósofo Albino Pakiquissi, ao comentar sobre o assunto na TV ZIMBO, lamentou o cenário e chamou o Estado angolano à responsabilidade.
"Melhor tratamento aos angolanos"
"Com todo o respeito que temos pelos nossos irmãos chineses, eles têm de tratar melhor os angolanos, e eu penso que o Estado Angolano deve fazer o seu papel", frisou.
Apesar das mais de 133 mil infrações à legislação laboral nos últimos cinco anos, o Diretor-Geral da Inspeção Geral do Trabalho disse à imprensa angolana que não há registo de trabalho escravo em Angola.
"Falar de escravatura nesta altura é muito prematuro para nós, não temos nenhuma constatação do género. Onde encontrarmos situações que concorrem para a prestação de um serviço precário, vamos atuar", explicou.
Com frequência, empresas chinesas são acusadas de maltratar os seus empregados e de não proporcionarem condições de trabalho dignas aos seus funcionários.
A DW tentou ouvir gestores de algumas empresas chinesas, mas sem sucesso.
China em África: maldição ou benção?
A China quer mudar a sua imagem: de país explorador das matérias-primas africanas, para agente de desenvolvimento. Fazemos uma viagem pela história das relações sino-africanas.
Foto: AFP/Getty Images
Parceiros igualitários?
A China leva estradas asfaltadas, grandes estádios de futebol e internet de banda larga para África. Ao mesmo tempo, pede ao continente petróleo e outras matéria-primas. A China já é o maior parceiro comercial de África. Até 2020, o país pretende duplicar o volume de negócios para 400 mil milhões de dólares. Os críticos temem que haja apenas um vencedor nestes negócios: a China.
Foto: Getty Images
TAZARA: o primeiro grande projeto
A cooperação sino-africana começou nos anos 50 e 60. Como sinal da fraternidade socialista, a China financiou a construção de uma linha ferroviária que transportava o cobre da Zâmbia para a cidade portuária da Tanzânia, Dar es Salaam. O projeto baseava-se na amizade inter-étnica e no trabalho solidário. A ferrovia chamda TAZARA " Tanzania-Zambia Railway" funciona até aos dias de hoje.
Foto: cc-by-sa-Jon Harald Søby
Chegaram para fazer negócios
Com a estratégia "Go Global", na década de 90, o Governo chinês muda a sua política para África, começando a apoiar empresas do próprio país a fazerem negócios com o continente. O objetivo: proteger os recursos naturais estratégicos e promover o desenvolvimento económico da China. Ou seja, ter África como um parceiro de negócios e mercado para os bens de consumo chineses.
Foto: AP
Críticas do Ocidente
Com a nova política, a China garante para si campos de petróleo e as minas de metais preciosos, não tendo medo de trabalhar com regimes autoritários e corruptos. O país não é bem visto na Europa e nos Estados Unidos. A China só estaria interessada na exploração de recursos naturais, mas não no bem das pessoas, é a crítica do Ocidente.
Foto: picture-alliance/Tong jiang
Infraestruturas como moeda de troca
A China também faz negócios com o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, procurado pelo Tribunal Penal Internacional por genocídio. O país está a tornar-se o mais importante investidor na indústria de petróleo sudanês. Além disso, a empresa chinesa de petróleo estatal financia a construção da barragem de Merowe, no norte do Sudão.
Foto: picture-alliance/dpa
Oferta de 150 milhões de euros à União Africana
As boas relações com a África são bem pagas pela China. Em 2012, o país financiou a construção da sede da União Africana, em Adis Abeba. "A China vai ajudar os países africanos a ampliar a sua força e independência", disse o chefe da delegação chinesa na cerimónia de abertura.
Foto: Imago
Líder do mercado de telecomunicações
Duas empresas chinesas dominam o mercado africano de telecomunicações: a ZTE e a Huawei. Foi a essas empresas que Governos de todo o continente fizeram as suas grandes encomendas. Na Etiópia, a Huawei e a ZTE constroem uma rede de 3G para todo o país por 1,7 mil milhões de dólares. Na Tanzânia, empresas chinesas instalaram cerca de 10 mil quilómetros de cabos de fibra ótica.
Foto: AFP/Getty Images
Concorrentes desagradáveis
As esperanças de melhores oportunidades em África não atraem apenas as grandes empresas, mas também milhares de cidadãos comuns chineses . Eles abrem pequenas lojas onde vendem produtos chineses baratos: utensílios de cozinha, jóias, dispositivos elétricos. "Muitos comerciantes africanos não estão satisfeitos com a nova concorrência", diz o economista queniano David Owiro.
Foto: DW/J. Jaki
À espera de novos postos de trabalho
Seja no comércio de retalho ou na construção de estradas "os africanos raramente lucram com investimentos chineses. As empresas trazem os seus próprios trabalhadores", diz Owiro. Agora, na África do Sul, onde a China acaba de inaugurar uma fábrica de camiões, isso pode mudar. O Governo sul-africano elogia o projeto como um marco para a industrialização africana e espera novos postos de trabalho.
Foto: Imago
De exportador a agente de desenvolvimento?
O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, ofereceu dois mil milhões de dólares para um fundo de desenvolvimento para África durante a sua visita ao primeiro-ministro da Etiópia, Hailemariam Desalegn, em maio de 2014. A liderança chinesa quer abrir um novo capítulo nas relações China-África, passando de país explorador das matérias-primas para agente de um desenvolvimento sustentável.
Foto: Reuters
Medo pela reputação
"A China teme pela sua reputação no mundo", diz Sun Yun do centro de pesquisa norte-americano "Brookings". As alegações nos média de que a China só estaria interessada nas matérias-primas de África levaram a esta mudança. O Governo publicou recentemente uma lista dos programas de ajuda ao desenvolvimento, que inclui 30 hospitais, 150 escolas, 105 projetos de energia e água renováveis.
Foto: AFP/Getty Images
O charme chinês
Para promover a sua missão em África, a China lançou uma grande campanha mediática. Os meios de comunicação do Governo para o estrangeiro focam claramente os negócios, África é retratada como o continente próspero. Algo que contrasta com décadas de cobertura negativa dos meios de comunicação ocidentais.