Angola: Tribunal adia decisão sobre caso "Zé Maria"
Lusa
21 de novembro de 2019
Tribunal angolano adiou para sexta-feira (22.11) a setença do ex-chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar de Angola, general "Zé Maria". Ele é acusado de insubordinação e extravio de documentos militares.
Publicidade
A leitura da sentença do antigo chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar de Angola (SISM) general António José Maria ("Zé Maria"), prevista para esta quinta-feira (21.11) foi adiada para sexta-feira, avançou à agência de notícias Lusa de fonte do Supremo Tribunal Militar.
A fonte do tribunal explicou à Lusa que a resposta aos quesitos foi concluída apenas na terça-feira (19.11) "e os juízes não tiveram tempo suficiente para a conclusão do acórdão". Nesse sentido, adiantou ainda a fonte, o tribunal decidiu adiar para sexta-feira a leitura da sentença.
O Ministério Público pediu a sua condenação por desobediência e "fidelidade canina" ao ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que, alegadamente, lhe teria entregado os documentos.
"Zé Maria", de 73 anos, que se encontra em prisão domiciliária desde junho, está a ser julgado pelo crime de insubordinação e extravio de documentos, aparelhos ou objetos que continham informações de caráter militar. O julgamento, no Supremo Tribunal Militar, começou em 11 de setembro.
O militar está acusado de ter subtraído das instalações daquele serviço documentos secretos referentes à Batalha do Cuito Cuanavale, enquanto aguardava pelo processo da sua passagem à reforma.
Para o Ministério Público, estão reunidos os pressupostos legais para a condenação do arguido, por exemplo, pelo facto de não ter acatado as ordens do atual chefe de Estado angolano, João Lourenço, preferindo "manter fidelidade canina a José Eduardo dos Santos", ex-Presidente do país.
Extravio de documentos
O caso remonta a 2017, quando José Maria, depois de exonerado e antes da passagem de pastas ao seu sucessor, alegadamente subtraiu documentos com informações secretas, de caráter militar, relacionadas com a Batalha do Cuito Cuanavale, ocorrida em 1988, na província angolana do Cuando Cubango.
A acusação refere que, depois de levados os factos ao Presidente angolano e comandante em chefe das Forças Armadas Angolanas (FAA), João Lourenço, este deu ordens ao atual chefe do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado, Fernando Garcia Miala, para que "Zé Maria" devolvesse, num período de 48 horas, a documentação que "havia subtraído ilegalmente e que custou ao Estado e às FAA somas avultadas".
Segundo a acusação, Fernando Garcia Miala terá passado a mensagem do Presidente angolano, mas o arguido não acatou a ordem, argumentando que todo o acervo sobre a Batalha do Cuito Cuanavale de que dispunha "lhe havia sido entregue pelo camarada José Eduardo dos Santos", ex-Presidente angolano.
Depois de buscas e apreensões, a Procuradoria-Geral da República recuperou os documentos que tinham sido levados para a sede da Fundação José Eduardo dos Santos, para residências do arguido e para a repartição de transporte do Serviço de Inteligência e Segurança Militar.
"Assim, não restam dúvidas que o acusado, com a sua conduta, incorreu na prática dos crimes de insubordinação, em concurso real com o de resistência superior, extravio de documentos militares, aparelhos ou objetos que contenham informações de caráter militar e conduta indecorosa", refere a acusação.
O julgamento, dirigido pelo juiz-presidente do Supremo Tribunal Militar, general António dos Santos Neto "Patónio", decorreu no Comando do Estado-Maior do Exército, mas a leitura do acórdão vai ser feita na sede do tribunal superior militar.
Artigo atualizado às 9h29, no horário central europeu (CET) com a informação do adiamento da sentença.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.