Tribunal nega liberdade provisória a ativistas em Cabinda
Lusa
2 de setembro de 2020
O Tribunal de Cabinda negou a alteração das medidas de coação a dois dos três ativistas políticos angolanos detidos há mais de dois meses. Contudo deferiu a liberdade provisória, sob termo de identidade, ao terceiro.
Publicidade
A informação foi esta quarta-feira (02.09) avançada à agência Lusa pela defesa de Maurício Gimbi, André Bônzela e João Mampuela, o presidente, vice-presidente e o diretor do gabinete do presidente, respetivamente, da organização política União dos Cabindenses para a Independência (UCI).
Os ativistas foram detidos nos dias 28 e 30 de junho passado, em Cabinda, acusados dos crimes de rebelião, ultraje ao Estado e associação criminosa.
Arão Tempo referiu que o juiz de turno decidiu manter em prisão preventiva Maurício Gimbi e João Mampuela e conceder a liberdade provisória a João Bônzela, sob o termo de identidade e residência e por meio do pagamento de uma caução de 300.000 kwanzas (417 euros).
"Mas só que este último não consegue pagar porque não tem condições", referiu Arão Tempo, salientando que a situação económica em Cabinda, como em todo o país, está difícil.
"Sei que toda Angola está numa situação difícil económica, mas Cabinda vive uma crise mais profunda que não se pode comparar com outras províncias do país, porque em Cabinda, todas as empresas estão falidas, 45 anos e o Governo não criou condições sociais e económicas, dependemos dos dois Congos (vizinhas República Democrática do Congo e República do Congo), e há despedimentos massivos dos trabalhadores das empresas", sublinhou. Nesse sentido, acrescentou a defesa, "os três continuam detidos".
Justiça angolana refém do sistema político?
Questionado sobre qual o fundamento do tribunal para esta decisão, Arão Tempo disse que a justificação foi que os dois já têm passagem pelo Serviço de Investigação Criminal, "sob os mesmos supostos crimes".
"E o outro não fundamenta claramente o que fez com que esse saísse, o fundamento diz que esses já passaram e o outro não e nesse sentido tinha que ser concedido essa liberdade provisória", frisou.
O causídico acusa a justiça angolana de estar refém do sistema político, sobretudo quando se trata de situações como este caso.
"Quer dizer, que por detrás estão as autoridades competentes do sistema político do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, partido no poder), que neste preciso momento mantém o poder da justiça e são eles que decidem", acusou.
Cabinda: "Medo, isso é coisa do passado!"
01:57
Queimar tempo
Arão Tempo disse que continua a acompanhar o processo, salientando que mesmo que recorra dessa decisão será "para simplesmente queimar o tempo e não surtir qualquer efeito jurídico".
"É assim que estamos a acompanhar o processo, a ver o prazo preventivo, se é que podem sair antes ou devem ser submetidos à justiça, nós vamos seguir de perto o processo nesse sentido", disse.
A defesa realça que a lei prevê as prorrogações para a prisão preventiva, e face à experiência que tem "há momentos que eles chegam até seis meses e não são julgados".
"Numa investigação ou nos procedimentos normais, quando não há outra coisa a investigar o processo é acusado, mas nestes crimes queimam tempo, quer dizer, é um castigo que eles dão às pessoas, ficam aí, à mercê da vontade das pessoas, da decisão, e quando entenderem que devem esgotar o prazo remetem ao tribunal, mas no fundo quando se vê o próprio processo não vê o fundamento da prorrogação dos prazos", salientou.
As detenções dos três ativistas ocorreram um dia antes de terem sido colocados na rua dísticos, cuja autoria foi atribuída ao movimento criado há um ano, com os dizeres: "Abaixo as armas, abaixo a guerra, Cabinda não é Angola, viva o diálogo".
Os independentistas
As divergências na província de Cabinda, enclave no norte de Angola, é liderada pelos denominados independentistas da Frente de Libertação do Estado de Cabinda - Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC), organização que luta há cerca de 50 anos pela independência daquele território, de onde é extraída grande parte da produção petrolífera do país.
Na base da contestação está o que apelidam de "invasão militar angolana, após a assinatura, em 1975, do Acordo de Alvor", documento com o qual consideram que "as autoridades políticas portuguesas, sem qualquer consulta aos cabindenses, os entregaram aos angolanos".
A FLEC-FAC recorda que em 1 de fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de Simulambuco, que tornou aquele enclave num "protetorado português", o que está na base da luta pela independência do território, de onde é extraído mais de metade do petróleo do país.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.