Angola: Tribunal quer versão de José Eduardo dos Santos
Lusa
21 de dezembro de 2019
O juiz que preside ao julgamento sobre a transferência irregular de 500 milhões de dólares de Angola, para um banco no exterior, disse que o tribunal já enviou um questionário sobre o caso a José Eduardo dos Santos.
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João Pitra deu esta informação na oitava sessão de audiência de discussão e julgamento do processo em que são réus Valter Filipe, antigo governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano de Angola e filho de José Eduardo dos Santos, Jorge Gaudens Pontes Sebastião, empresário e sócio maioritário da Mais Financial Services, e António Samalia Bule Manuel, ex-diretor do departamento de gestão e reservas do BNA.
Segundo o juiz, o questionário foi já enviado a José Eduardo dos Santos, que se encontra há vários meses fora de Angola.
No início do julgamento, a 9 de dezembro, Sérgio Raimundo, advogado de defesa de Valter Filipe, solicitou ao tribunal que o ex-chefe de Estado angolano fosse ouvido como testemunha no caso da suposta transferência irregular de 500 milhões de dólares (452 milhões de euros) do BNA para uma conta de um banco em Londres, tendo o juiz deferido o pedido.
Sérgio Raimundo alegou que a consulta José Eduardo dos Santos é "imperiosa" e que devia ter sido desencadeada "antes do procedimento criminal". No primeiro dia da sua audição, na quarta-feira (18.12), o ex-governador do BNA disse que toda a operação [financeira] ultra sigilosa" foi comandada pelo ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos.
Valter Filipe, que é acusado dos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato, foi constituído arguido em setembro de 2018, juntamente com José Filomeno dos Santos, que responde pelos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e tráfico de influência, tendo este chegado a estar seis meses em prisão preventiva.
No processo, são também coarguidos Jorge Gaudens Pontes Sebastião, pronunciado pelos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e tráfico de influência, enquanto que António Samalia Bule Manuel responde pelos crimes de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato.
O caso remonta ao ano de 2017, altura em que Jorge Gaudens Pontes Sebastião apresentou a José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, uma proposta para o financiamento de projetos estratégicos para o país, ao que encaminhou para o Executivo, por não fazer parte do pelouro do Fundo Soberano de Angola.
A proposta foi apresentada ao Executivo angolano no sentido da constituição de um Fundo de Investimento Estratégico, que captaria para o país 35.000 milhões de dólares (28.500 milhões de euros).
O negócio envolvia como "condição precedente", de acordo com um comunicado do Governo angolano, emitido em abril de 2018, que anunciava a recuperação dos 500 milhões de dólares, a capitalização de 1.500 milhões de dólares (1.218 milhões de euros) por Angola, acrescido de um pagamento de 33 milhões de euros para a montagem das estruturas de financiamento.
Na sequência foram assinados dois acordos, entre o Banco Nacional de Angola e a Mais Financial Services, empresa detida por Jorge Gaudens Pontes Sebastião, amigo de longa data do coarguido José Filomeno dos Santos, um para a montagem da operação de financiamento, tendo sido em agosto de 2017 transferidos 500 milhões de dólares para a conta da PerfectBit, "contratada pelos promotores da operação", para fins de custódia dos fundos a estruturar.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".