O Parlamento angolano aprovou recentemente a Lei Orgânica do Poder Local para constituição das autarquias. Uma antiga reivindicação da UNITA que depois de mais de 20 anos de espera foi levada ao Parlamento pelo Governo.
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O projeto de Lei Orgânica sobre as Bases do Sistema de Organização e Funcionamento do Poder Local, uma iniciativa do grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), foi aprovada na generalidade, e por unanimidade, pelo Parlamento angolano, há uma semana (28.06).
Em entrevista à DW África, Mihaela Webba, deputada da UNITA, o maior partido da oposição, fala num "parto difícil".
DW África: O que falta agora fazer para que, finalmente, se marque uma data para as primeiras eleições autárquicas em Angola?
Mihaela Webba (MW): Ainda falta legislação que possa concretizar a realização das autarquias. Ainda precisamos de fazer a lei das autarquias locais, a lei da tutela administrativa das autarquias locais, a lei de financiamento local, a lei dos eleitos locais e depois a lei orgânica sobre as eleições autárquicas. Todavia para se aprovar esse quadro legislativo tínhamos que aprovar a lei base que demorou. Desde 1992 que a Constituição estabelece no ordenamento jurídico angolano a necessidade de existirem as autarquias locais, mas só agora em 2017 é que conseguimos, pela primeira vez, aprovar a lei base do poder local. Para as autarquias locais vamos ter um processo e isso vai depender da vontade política. O presidente [da UNITA], Isaías Samakuva, fez um repto aos angolanos dizendo que em caso de vitória da UNITA nós teríamos as eleições autárquicas em 2018.
DW África: E, nesse caso, a marcação de uma data para as eleições autárquicas seria uma prioridade?
MW: Claramente. Nós já temos os projetos prontos com a exceção do projeto sobre as finanças locais. E nós insistimos que tínhamos de entregar já a lei base de poder local, um processo iniciado pela UNITA, e o Executivo, 15 dias depois de termos apresentado a nossa proposta, apresentou uma contraproposta e da junção das propostas da UNITA e do Executivo houve consenso na Assembleia para se aprovar a lei base do poder local.
Angola: UNITA já sonha com data das eleições autárquicas
Todas as bancadas parlamentares compreenderam que é vontade do povo que se implementem as autarquias locais, é uma necessidade que Angola tem para o seu desenvolvimento e, portanto, não podemos mais adiar a questão das autarquias locais, sob pena de sermos o único país a nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que não tem autarquias. Angola está a remeter uma parte considerável da democracia participativa dos cidadãos de lado, o que não é de todo bom para um país que se quer afirmar como um Estado de Direito e democrático.
DW África: Aliás, a proposta inicial do Governo pretendia adiar a constituição das autarquias para daqui a cinco anos. Foi uma batalha difícil? Acha que a pressão política funcionou neste caso?
MW: A pressão política funcionou e também o timing que escolhemos para introduzir novamentre a proposta, porque nós tínhamos colocado a proposta na legislatura de 2013/2014, o MPLA chumbou liminarmente a nossa proposta, nem sequer foi a discussão na especialidade. E dessa vez já não podia fazer isso porque podia ser penalizado nas eleições.
DW África: E com as autarquias virá a descentralização e o poder local terá mais autonomia. Será mais fácil, por exemplo, resolver problemas básicos nos municípios?
MW: Claramente. Angola é um país grande em termos de extensão territorial e é difícil resolver os problemas do Dirico, que é o município mais a sul de Angola, a partir de Luanda. Portanto, se tivermos as autarquias locais a funcionarem nos termos da Constituição e da lei, vai haver descentralização política, administrativa e sobretudo financeira. Os problemas locais vão ser resolvidos de forma local e o poder local vai fiscalizar essa atuação. O Orçamento Geral do Estado (OGE) vai ser repartido de tal forma que o benefício final vai ser do cidadão, o que não acontece atualmente, porque 80% do OGE fica em Luanda, só 20% do OGE é que é para as outras províncias.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.