Valter Filipe diz que ex-Presidente esteve na dianteira
Lusa | ni
18 de dezembro de 2019
Ex-governador do Banco Central, coarguido no caso da transferência indevida de 500 milhões de dólares, disse nesta quarta-feira (18.12) em tribunal que toda a operação sigilosa foi liderada por José Eduardo dos Santos.
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O ex-governador do banco central angolano, coarguido no processo da suposta transferência indevida de 500 milhões de dólares, disse nesta quarta-feira (18.12) em tribunal que toda a operação ultra sigilosa" foi comandada pelo ex-Presidente do país, José Eduardo dos Santos.
Valter Filipe, 46 anos, começou a ser interrogado pelo Tribunal Supremo nesta quarta-feira (18.12) e propôs fazer um ponto prévio para explicar "passo por passo" muitos factos, que disse não serem do conhecimento do tribunal e por se tratar de um processo que foi complexo e confidencial.
A proposta do coarguido, que acusou o atual governador do Banco Nacional de Angola (BNA), José de Lima Massano, de ter prestado falsas declarações na instrução do processo, foi rejeitada pelo juiz da sessão, João Pitra, que argumentou que o réu terá muito tempo para apresentar os esclarecimentos que considera necessário. O antigo governador do BNA disse que quando foi nomeado, o sistema financeiro do país encontrava-se numa crise profunda, pelo que havia o plano de reestruturação do banco central angolano, da banca privada e pública.
Relativamente ao processo em julgamento, em que é acusado de burla por defraudação, branqueamento de capitais e peculato na forma continuada, Valter Filipe contou que em junho de 2017, depois de uma reunião de Conselho de Ministros foi informado à saída do encontro que o então chefe de Estado angolano pretendia falar consigo e também com o ministro das Finanças na altura, Archer Mangueira.
Como tudo começou...
Segundo Valter Filipe, na reunião, José Eduardo dos Santos entregou a ambos um documento que tinha o timbre do banco BNPB Paribas, e pediu para ler a carta que solicitava a apresentação de uma proposta de um financiamento, através de um sindicato bancário.
De seguida, prosseguiu, o então Presidente disse que aquela era uma boa oportunidade de financiamento, para a produção nacional, que não iria endividar o Estado, pedindo que contactassem os proponentes.
O coarguido contou ainda que depois de contactados os proponentes, nomeadamente o coarguido José Filomeno dos Santos, ex-presidente do Fundo Soberano e filho do ex-Presidente, e o coarguido Jorge Gaudens Pontes Sebastião, sócio maioritário da Mais Financial Services, aconteceu a primeira reunião em Lisboa, da qual fez também parte Hugo Onderwater, da parte dos proponentes.
O então ministro das Finanças chefiou a delegação e no regresso a Luanda José Eduardo dos Santos pediu um parecer conjunto sobre o assunto, para posteriores decisões. De acordo com Valter Filipe, antecipadamente o então ministro das Finanças enviou um parecer a José Eduardo dos Santos, sem o seu conhecimento, mas no encontro com o Presidente, este apercebendo-se que o documento não era conjunto, decidiu pela sua anulação.
No mesmo dia, Valter Filipe disse ter contactado os coarguidos José Filomeno dos Santos e Jorge Gaudens Pontes Sebastião para melhores explicações de todo o mecanismo financeiro, "que era complexo", tendo sido criada uma comissão, que elaborou um parecer do BNA.
Valter Filipe e Archer Mangueira: marcações e desmarcações de encontros
Nessa sequência, Valter Filipe disse ter ligado a Archer Mangueira para dizer que ia pedir audiência ao Presidente da República para a entrega do parecer, salientando que este inicialmente recusou-se a ir ao encontro, porque já tinha emitido o seu parecer, mas entretanto mudou de ideias.
Valter Filipe descreveu ainda que recebeu, entretanto, um telefonema do diretor do gabinete do Presidente a informá-lo que a audiência já não seria conjunta, mas apenas com aquele coarguido. Na audiência, explicou Filipe, o Presidente terá dito que havia dificuldades de agenda do ministro e que os proponentes não queriam relacionar-se com o Governo, mas sim com o banco central, tendo-o orientado a coordenar a equipa e a elaborar um cronograma para a operação, que foi aprovado por José Eduardo dos Santos.
Segundo Valter Filipe, o Presidente disse-lhe que pretendia que o financiamento se iniciasse antes da sua saída do cargo, porque alegadamente não podia sair da Presidência deixando o país e o novo chefe de Estado sem financiamento, porque seria ele o culpado da crise financeira.
O coarguido referiu que em todo o processo levantou a questão da reputação do banco, porque meses antes tinha estado em Inglaterra a apresentar o plano de reestruturação do BNA, apesar de considerar aquela uma oportunidade para Angola naquele contexto de crise cambial que o país vivia.
"A solução do país só dependia de muita oração e de muito jejum"
Para o ex-governador do banco central, aquele processo marcou a relação mais profunda que manteve com José Eduardo dos Santos, lembrando que o Presidente pediu-lhe que rezasse para a operação ter sucesso, o mesmo que já vinha dizendo ao então chefe de Estado, que a solução do país só dependia de muita oração e de muito jejum.
Sobre todo o processo, Valter Filipe disse que não fez nada sem a orientação de José Eduardo dos Santos, que foi quem dirigiu todo o processo, que deveria acontecer no espaço de um mês, antes da sua saída da presidência face às eleições gerais em agosto de 2017.
Valter Filipe, que durante o interrogatório chorou por duas vezes, afirmando o quanto é difícil a situação "para uma pessoa que defende a ética e a moral", disse que tinha competência para ordenar a transferência dos 500 milhões de dólares (cerca de 450 milhões de euros) e que toda a operação foi lícita, por isso não houve camuflagem nem tentativa de defraudação.
O interrogatório ao réu continua na quinta-feira (19.12), na instância do Ministério Público, na que será a sétima sessão do julgamento, iniciado no dia 9 de dezembro.
Sancionar os corruptos
Após a votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção", a ONG Transparência Internacional selecionou e anunciou esta quarta-feira (10.02) os 9 casos que passaram para a "Fase de Sanção Social".
Foto: picture alliance / AP Photo
Isabel dos Santos
Depois da votação pública dos 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção" da Transparência Internacional, 9 casos foram destacados pela organização. A filha mais velha do Presidente angolano não faz parte, apesar dos 1418 votos. Segundo a TI, a seleção dos 9 foi baseada não só nos votos, mas também no impacto nos direitos humanos e na necessidade de destacar o lado menos visível da corrupção.
Foto: Nélio dos Santos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, o segundo Vice-Presidente da República. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza. Teodoro somou apenas 82 votos e - como Isabel dos Santos - não foi nomeado para a fase de sanção social.
Foto: DW/R. Graça
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do BES (Banco Espírito Santo) começaram quando o grupo financeiro português entrou em bancarrota em 2014. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança. O BES somou 193 votos e também não passou aos 9 maiores casos de grande corrupção do mundo.
Foto: DW/J. Carlos
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak somou 207 votos e encontra-se agora preso. Mesmo assim, não aparece na lista dos casos de grande corrupção que a Transparência Internacional quer sancionar socialmente. Também o comércio de jade do Myanmar e a China Communication Construction Company ficaram de fora com 47 e 43 votos, respetivamente.
Foto: picture-alliance/AP
Transparência Internacional
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparência Internacional que após receber 383 submissões, nomeou os 15 casos mais simbólicos de corrupção. Após receberem mais de 170 mil votos, reduziram os 15 para 9 casos. A Transparency International quer promover uma campanha mundial para aplicar sanções sociais e políticas nestes exemplos de corrupção. A DW África mostra-lhe os 9 casos nomeados.
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está entre os 9 casos mais simbólicos de corrupção. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo" pela possibilidades que oferece às empresas. Somou 107 votos. "Está na hora da justiça e das pessoas mostrarem o poder das multidões", afirmou em comunicado de imprensa José Ugaz da Transparência Internacional.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
Com 152 votos está o ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011. É acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de protestos nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim ou Primavera Árabe.
Foto: picture-alliance/dpa
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov tem como fim o desenvolvimento social e económico da Chechénia. Mas é acusada de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes a estrelas de Hollywood e para o benefício de Ramzan Kadyrov (na foto), presidente da região russa da Chechénia e filho do falecido Akhmad Kadyrov. Segundo a TI, Ramzan Kadyrov usou as verbas para comprar jogadores de futebol. Reuniu 194 votos.
Foto: imago/ITAR-TASS/Y. Afonina
Sistema político do Líbano
Com 606 votos, o sistema político no Líbano, nomeadamante o Governo, as autoridades e as instituições, encontram-se também na lista da Transparência Internacional. Segundo a filial libanesa da TI, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. Considera o Líbano um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA - Federação Internacional de Futebol
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Há suspeitas que várias eleições de países anfitriões de mundiais de futebol foram manipuladaa. Conta 1844 votos.
O senador da República Dominicana conta 9786 votações. Foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já esteve em tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Ricardo Martinelli terminou com 10166 votos e possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Petrobras
A petrolífera Petrobras, empresa semi-estatal brasileira, ficou em segundo lugar com 11900 votos. As acusações de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de mais de dois mil milhões de euros, conduziram, alegadamente, o Brasil a uma profunda crise política. O caso envolve mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já protestou várias vezes nas ruas para exigir justiça.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Viktor Yanukovych
O ex-Presidente da Ucrânia foi o mais votado. Acumulou 13210 acusações e é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares.