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Angola: Ativistas planeiam vigília em Cabinda

Júlia Faria
28 de fevereiro de 2019

Em entrevista à DW África, advogado Arão Bula Tempo argumenta que não há enquadramento jurídico para as prisões. Às vésperas do ato, também a FLEC-FAC anuncia retoma da luta armada no enclave angolano.

Angola Stadt Cabinda
Província de CabindaFoto: DW/C. Luemba

O juiz do Tribunal de Cabinda ordenou a soltura de 12 ativistas políticos ligados ao Movimento Independentista de Cabinda (MIC). Os mesmos já começaram a ser postos em liberdade na tarde desta quinta-feira (28.02.).

Assim sendo, agora permanecem detidos 53 ativistas políticos ligados ao movimento que reivindica a autodeterminação e a independência do enclave angolano.

Enquanto isso, ativistas e familiares planeiam uma vigília nesta sexta-feira e no próximo sábado (01/02.03) para exigir a libertação dos restantes detidos naquela província angolana.

Recorde-se, que as prisões ocorreram dias antes de uma marcha de protesto marcada para 1 de fevereiro, para relembrar o "Tratado de Simulambuco", assinado no mesmo dia no ano de 1885, entre a colónia portuguesa e as autoridades do reino de Cabinda de então. Naquela altura, o território de Cabinda não fazia parte do território da Angola continental.

Em entrevista à DW África, o advogado dos detidos, Arão Bula Tempo, argumentou que não há enquadramento jurídico para as detenções e que as mesmas têm fundo político. Segundo ele, entre os presos estão ativistas de direitos humanos da Associação para Desenvolvimento da Cultura e Direitos Humanos de Cabinda, ativistas do Movimento Independentista de Cabinda e populares.

Ativistas planejam vigília em Cabinda

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Os presos teriam sido agredidos e torturados na cadeia, informa o advogado. Para a vigília, os participantes vão levar cartazes e fotos dos detidos. Apesar do ato estar confirmado, Bula Tempo acredita que pode haver tentativa de inviabilizá-lo por parte do Governo.

Às vésperas da vigília, nesta quinta-feira (28.02.), a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) anunciou a retomada da luta armada na região. O comunicado, assinado por Geraldo Baptista Buela, chefe da Divisão de Operações Especiais das Forças Armadas Cabindesas (FAC), lança um alerta à comunidade internacional de que "Cabinda é um território em estado de guerra e por isso todos devem tomar as medidas de segurança adequadas".

No documento, a FLEC-FAC declarou ainda ter lançado "vários apelos ao presidente angolano João Lourenço que nunca foram respondidos" e reafirmou "seu legítimo dever de proteger a população" diante da "contínua e crescente militarização de Cabinda pelas Forças Armadas Angolanas" e da "violenta repressão em Cabinda, tortura e detenções arbitrárias dos jovens cabindeses".

DW África: Qual o objetivo da vigília?

Arão Bula Tempo (BT): É uma forma de protesto contra as detenções arbitrárias perpetradas pelo regime em Cabinda, para dar a entender ao povo e à comunidade internacional que esta informação não está a passar. Porque o Governo aqui de tal maneira vetou a expansão da informação, que só talvez por meio de vigília que se podia manifestar esse descontentamento.

DW África: São ao todo 63 presos. Por que essas pessoas estão detidas?

Ativistas da Associação para Desenvolvimento da Cultura e Direitos Humanos de CabindaFoto: Privat

BT: Uma manifestação estava prevista no dia 1 de fevereiro. Acontece que o serviço de segurança, a polícia nacional e a polícia de intervenção rápida precipitaram em deter as pessoas em suas casas no dia 28 de janeiro. Foram entrando nas casas e quando encontravam uma pessoa que pudesse suspeitar, detinham-na. Os outros, a partir da esquadra da polícia de intervenção rápida começaram a caça ao homem em qualquer lugar onde encontrassem aglomeração de pessoas. Os ativistas e demais outros, vendo essas atrocidades, entenderam todos irem entregar-se, irem lá na polícia saber o que estava a acontecer. Chegando lá, também aqueles que foram para colher informações, foram detidos como manifestantes. As detenções foram feitas em massa.

DW África: Qual foi a alegação para prender essas pessoas? O que os policiais diziam no momento da prisão?

BT: Não falavam nada. Durante o tempo que ficaram lá sem ser ouvidos pelo Ministério Público, ninguém os dizia qual era o crime. Só mais tarde em que o MP vem a tipificar as infrações como crime de associação criminosa, rebelião, ultraje ao Estado e resistência. São praticamente cinco crimes.

DW África: O senhor acredita que essas acusações são corretas?

BT: Não, porque eu como um dos advogados dos detidos, a manifestação não teve lugar. E depois não houve qualquer perturbação ou atentado contra a segurança do Estado. Talvez se deixassem manifestar e houvesse comportamentos que pudesse resultar em perturbação, de ultraje ao Estado, ou aspeto de rebelião, eu sei que podiam ter razão. Mas o que aconteceu é que não houve nenhuma manifestação, nem houve nenhuma perturbação da ordem pública. Portanto, agora não podem vir ser acusados desses crimes.

DW África: Por que, então, essas pessoas foram presas?

BT: Essa é a questão… Em outras províncias de Angola as pessoas podem manifestar. Para Cabinda, temos um problema que perdura há 43 anos, ou 44 anos das governações depois da independência. O Governo angolano nunca quis permitir manifestações, suspeitando o levantamento do povo a favor de uma autodeterminação. É assim que o próprio Governo não pode implementar quaisquer iniciativas para desenvolver o território de Cabinda devido a essas questões. Cabinda vive num clima tenso e o Governo acha que dando condições a esse povo e permitindo manifestações, então iriam acentuar o espírito independentista, iriam perder o território de Cabinda.

DW África: Então, as prisões não seriam de ordem jurídica?

O advogado Arão Bula TempoFoto: DW/J. Carlos

BT: Bom, temos dois aspetos. Em princípio, não há um enquadramento jurídico para dizer que cometeram esses crimes. E as detenções foram feitas em termos políticos. É por isso que o julgamento que se pretende, se é que um dia venha a ter lugar, vai levantar questões políticas, que podem transcender o jurídico. Há aspetos políticos e há aspetos jurídicos.

DW África: Em quais condições estão esses presos na cadeia?

BT: No início das detenções, foram espancados, torturados, alguns até tem problemas de costela, problemas da vista. A cadeia não oferece condições, porque, além dos 60, tem os outros [presos]. Estão a dormir no chão, tem dificuldades em obter água para fazerem a sua higiéne. Portanto, o tratamento é inadequado.

DW África: Há alguma perspetiva para que os presos sejam libertados? Como está o processo?

BT: O processo está em curso. Segundo o Ministério Público, ainda há outras diligências que devem ser feitas, cumprindo com prisões preventivas. A perspetiva de julgamento ou soltura, ainda não há. Porque nós advogados mandamos um requerimento de medidas cautelares para soltarem os arguidos, mas até agora não há qualquer resposta ou despacho sobre o requerimento.

DW África: O senhor acredita que haverá tentativa de inviabilizar a vigília em prol desses presos no sábado?

BT: É possível porque o comandante de polícia geral está em Cabinda. Deve haver uns acertos e também entender porque eles é que estão no comando do território de Cabinda... então eles podem inviabilizar a vigília. Se eles já conseguiram deter arbitrariamente as pessoas sem que elas venham a manifestar no dia marcado, isso significa que a vontade política do Governo é de impedir e inviabilizar qualquer iniciativa pacífica referente a exercícios e direitos dos cidadãos.

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