O músico angolano, que foi galardoado no X Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora, que termina esta sexta-feira (30.06), lamentou ainda o facto da lei não permitir o voto aos angolanos a viver fora do país.
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O músico Waldemar Bastos, que recebeu esta semana, no âmbito do X Encontro de Escritores Moçambicanos na Diáspora, que termina esta sexta-feira (30.06), em Lisboa, o galardão de "Músico e Cantor Internacional do ano de 2017” afirmou, em entrevista à DW África, que espera que a oposição em Angola esteja vigilante para a eventualidade de haver fraudes no ato eleitoral que se aproxima. Waldemar Bastos quer acreditar que o 23 de agosto de 2017 será um marco para a mudança política do pós José Eduardo dos Santos, para uma efetiva liberdade e democracia no seu país natal, sempre presente nas suas canções de intervenção.
"Espero que a oposição esteja atenta a qualquer manobra para que, de facto, sejam eleições livres e justas”, começa por afirmar o músico angolano, acrescentando que é conhecedor de "como funciona a malandrice” no seu país de origem. "Esperemos que seja uma coisa verdadeiramente clara que reflita os sentimentos da população”, afirma.
Citando o conhecido ditado português - "a esperança é a última a morrer" - o músico explica que quer acreditar numa mudança com a anunciada retirada do Presidente José Eduardo dos Santos. Mas, lembra, a máquina que está por detrás desta transição é a mesma, o MPLA, no poder há 42 anos. Waldemar Bastos afirma que é "fundamental [que haja] uma abertura, porque os angolanos têm que viver em liberdade”. Apelando ao fim dos controlos internos e externos no seu país, o músico afirma que "ao invés de controlar os angolanos [o governo] que controle a quem pode danificar a terra Pátria. As pessoas nasceram para poderem opinar e ainda não se deu esse passo. É um pensamento único, isso está fora de moda quanto a mim”, afirma.
Waldemar Bastos 3 - homenagem - MP3-Mono
Direito ao voto
Waldemar Bastos lamentou ainda o facto da lei não permitir o direito de voto aos angolanos que se encontram a viver fora do país. Afirmando que é "um filme que não tem sentido”, o artista volta a criticar a ação do regime de José Eduardo dos Santos, afirmando que esta lei é uma forma de "cortar a liberdade dos angolanos - porque os angolanos que estão espalhados pelo mundo também são angolanos e não há ninguém, nem por decreto, que consiga dizer que não”.
A impossibilidade de exercer o direito ao voto é algo que, segundo refere, inquieta milhares de angolanos que vivem no estrangeiro. Autor do emblemático tema "Menino não fala política” e "Vovó Chica”, Waldemar Bastos também critica a ideia de instituir o título de Presidente Emérito para beneficiar José Eduardo dos Santos. Sobre João Lourenço, o músico diz apenas que "é um candidato como os outros que vão concorrer”.
Distinção
O músico angolano foi galardoado esta quinta-feira (29.06) pelo mérito do seu trabalho criativo e artístico. O reconhecimento partiu do Círculo dos Escritores Moçambicanos na Diáspora, como nos explicou o seu presidente Delmar Gonçalves. "É um músico reconhecido, amado, ouvido em todo o espaço da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e não só, na world music. Por outro lado, também há um conjunto de valores que nós partilhamos, nomeadamente, a ética na música, na vida diária, os valores democráticos, digamos a aceitação do outro tal e qual é”. O presidente do Círculo dos Escritores Moçambicanos na Diáspora acrescenta ainda que Waldemar Bastos é uma pessoa direta e que não hesita quando tem de chamar "a atenção sobre algo que está errado”. Talvez por isso, continua, "eu sinta que ele tem sido ostracizado”.
"Nós, partilhando das ideias por um futuro melhor para África, em particular para todos os países de língua oficial portuguesa, obviamente admiramos a obra dele, o caminho que percorreu e os valores que defende”, acrescenta.Na mesma ocasião, Delmar Gonçalves lamentou o facto de haver muitos artistas lusófonos reconhecidos fora do espaço da CPLP mas, nos respetivos países, serem ignorados pelas entidades competentes, que deveriam dar-lhes o valor que merecem.
Waldemar Bastos mostra-se grato pela homenagem que vem de um país (Moçambique), que também considera ser sua pátria. "Tenho recebido vários prémios internacionais, nos EUA e por aí fora. E, portanto, este também é o corolário de uma caminhada em prol de valores da cultura de um povo que tem sofrido muito e que, de facto, ainda não vive aquela liberdade que todos ansiamos”, declarou.
O músico diz ainda que, acima de tudo, já é acarinhado pelo povo angolano por aquilo que faz e espera ser devidamente reconhecido com agrado quando Angola tiver, de facto, uma democracia plena. Porque nesta altura, sublinha, não se sente bem com homenagens por decreto.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.