Com frases de efeito como "pega nesta lei e atira no contentor de lixo", mulheres exigiram a despenalização do aborto em Angola e protestaram contra a lei que poderá criminalizar totalmente a prática no país.
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Centenas de mulheres angolanas marcharam este sábado (18.03), em Luanda, a favor da despenalização do aborto. Durante a caminhada, que teve início no cemitério de Santa Ana e que culminou no Largo das Heroínas, as senhoras, acompanhadas de vários homens, disseram não à lei que está em discussão no Parlamento de Angola, e que poderá ser aprovada no dia 23 de março com várias contestações.
A ativista feminista Âurea Mouzinho, que é uma das organizadoras da marcha, disse à DW África que os legisladores devem discutir o assunto com justiça social. "Espero que os legisladores ouçam este grito, este apelo, para que haja mais auscultação e para mais justiça no processo legislativo".
Âurea Mouzinho defende a despenalização total do aborto: "Nós entendemos que uma despenalização em absoluto é necessária para garantir os direitos das mulheres – os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres", afirmou a ativista.
Atualmente o Código Penal de Angola autoriza o aborto em casos específicos, como o perigo de vida da mãe, inviabilidade do feto e violação que resulte em gravidez.
Discussão do aborto
Esta semana o tema foi discutido em diferentes plataformas. Canais de rádio, TV e também as redes sociais foram os meios usados para o debate da penalização do aborto.
Na quinta-feira passada (16.03), o grupo de Mulheres Parlamentares reuniu-se com senhoras de vários extratos sociais. No encontro, as progenitoras pediram maior aprofundamento das discussões à volta do aborto, uma vez que a prática poderá ser totalmente criminalizada por meio da proposta de lei do novo Código Penal, que segue para votação final na próxima semana.
Na abertura da reunião, a primeira vice-presidente da Assembleia Nacional, Joana Lina, reiterou que o "processo ainda não está terminado", e que o Parlamento "não abandonou totalmente a discussão". Joana Lina referiu que "durante as discussões, as pessoas estavam mais ou menos distanciadas, no que se refere às exceções", sobre como as tipificar, "para não tornar o aborto liberal".
Polémica pode ser adiada
No entanto, sentido-se pressionado pela polémica em torno da nova lei do aborto, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) sugeriu o adiamento da aprovação do Código Penal, prevista para o dia 23 deste mês na Assembleia Nacional.
A posição foi assumida pelo presidente do grupo parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira. "O Código Penal tem estado a preocupar a sociedade luandense e os nossos internautas, principalmente [as questões] relacionadas com o aborto. Por essa razão, o grupo parlamentar do MPLA é de opinião que o mesmo deve ser retirado da agenda da plenária do dia 23 de março e, em tempo oportuno, voltar à Assembleia Nacional”, disse Fontes Pereira, citado pela Angop, no final de um encontro de parlamentares do MPLA.
Segundo a agência de notícias Lusa, Virgílio de Fontes Pereira pediu mais diálogo com a sociedade civil a fim de não precipitar a aprovação da nova legislação.
Igreja condena o aborto
A Igreja Católica lamentou nesta semana a "banalização" com que está a ser abordada a questão do aborto e Angola.O porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Manuel Imbamba, em declarações à agência Lusa, afirmou que a vida é um "bem inalienável".
Ativista fala sobre a despenalização do aborto em Angola
03:44
"Nós, como Igreja, lamentamos que o assunto 'vida' seja banalizado desta maneira, porque a vida é um valor absoluto, um valor inalienável, um valor que não passa sobre as mesas de negociações", referiu o também arcebispo da diocese de Saurimo.
Por sua vez a ativista do Ondjango Feminino, Âurea Mouzinho, disse que o Estado não pode ser influenciado por opiniões religiosas.
"A Igreja pode aconselhar as mulheres religiosas para não abortarem, porque é pecado sendo a religião cristã, mas não é a forma como a sociedade é feita", disse a jovem, destacando que, na sua opinião, o aborto é um direito fundamental das mulheres.
"Várias pessoas na nossa sociedade não são cristãs. Acima de tudo é um assunto de direito. O aborto nos casos médicos, é um direito fundamental consagrado na Constituição da República de Angola por causa da assinatura do protocolo de Maputo. Não podemos retirar os direitos fundamentais por causa de convicções religiosas, não podemos tocar neles. Cabe ao legislador e ao Estado protegerem a vida das mulheres".
A marcha contou com o auxílio da Polícia Angolana.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".