João Francisco revela que gostaria de votar, apesar de não saber em que partido. Já Dília Fraguito afirma que "os sistemas estão viciados" e que os cidadãos são manipulados a exercer o direito de voto.
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O desejo de votar nas próximas eleições gerais em Angola está sempre presente nos angolanos radicados no estrangeiro, nomeadamente, em Portugal. Longe do país onde nasceram há muitos anos, os angolanos a viver em Lisboa com que a DW África falou, mostram-se descontentes com a situação atual de Angola.
João Domingos Francisco, de profissão multifacética, vive há 24 anos em Portugal. Natural de Kwanza Sul, assume que fugiu de Angola devido à guerra civil, deixando para trás a sua família. Apesar destes anos de ausência, diz que acompanha sempre pela comunicação social a situação política, económica e social do seu país, onde no dia 23 deste mês têm lugar as eleições gerais.
João Domingos Francisco afirma "não saber o que vai ser” do seu país no futuro. "Só Deus sabe. Só que é muita luta, temos que arregaçar as mangas para voltarmos a ser e ter aquilo que era melhor”, afirma, acrescentando que "aquele que for o vencedor que veja a situação do país”. Como muitos angolanos na diáspora, João Francisco gostaria de votar. "Não sei em qual partido, mas gostaria de votar. Temos que lutar pela democracia, porque em Angola não há democracia”.
João Francisco emociona-se por tristeza, face àquilo que chama de "guerra psicológica”. Quarenta e um anos depois da independência, este cidadão afirma que gostaria de ver mudanças e melhorias sociais a vários níveis em Angola, nomeadamente, na área da saúde. O homem de vários ofícios afirma acreditar que a "mudança é possível, mas não tão cedo”. "Por aquilo que vejo nas pessoas que estão a liderar o país é mais para eles. Saindo um e entrando outro a ideologia é a mesma - primeiro sou eu, segundo sou eu, terceiro sou eu e quarto sou eu. E agora, então, que o país está de rastos...”.
Mesmo não podendo contribuir com o seu voto, João Francisco tem fé numa Angola melhor, mesmo que seja só daqui a alguns anos. "Não serei eu a ver Angola melhor. Talvez os meus netos ou bisnetos”, afirma.
Abstenção total?
Angolana de Ndalatando, no Kwanza Norte, Dília Fraguito Samarth, professora e artista plástica, também vive há mais de vinte anos em Portugal. Em entrevista à DW África, a angolana dá conta que "mesmo que pudesse votar, não votava” . "No entanto, afirma que, sempre que pode, "expressa as suas opiniões”. "Tento ser o mais coerente com aquilo que defendo na minha prática no dia-a-dia como artista, como professora, como ser humano, como mulher. E não me excuso de me afirmar todos os dias onde é possível. E isso para mim é mais importante do que me descansar durante quatro anos e votar uma vez”.
Dília Fraguito Samarth vai mais longe, defendendo a abstenção total, e explica as suas razões: "os sistemas de pensamento estão viciados. E nós, seres humanos, não nos educam para que sejamos conscientes e cidadãos de pleno direito”. Na opinião desta professora, "os cidadãos são manipulados para exercerem o direito de voto para que as elites que governam as sociedades continuem a estabelecer-se e a viver muito bem”.
Dília Fraguito Samarth mostra-se reticente não só quanto as eleições em Angola, mas quanto ao processo em si em todo o mundo. "Parece-me que às vezes duvido das próprias eleições, não só em Angola, mas também em outros países do planeta e pergunto-me: será que essa é a forma de gerir sociedades; será que isso é mesmo verdade, tendo em conta o nível de formação ou de educação das pessoas que votam? O voto será mesmo consciente? Nós, ao votar, sabemos que estamos a votar mesmo, para quê e como? Será que a população angolana tem mesmo uma formação social e política capaz de exercer o seu direito de voto com propriedade, com consciência? Ou serão sujeitos capazes de serem manipulados pelos grupos que se estão a candidatar?”, questiona.
03.08.2017 Angola/eleições-diáspora - MP3-Mono
A artista angolana considera que os "processos eleitorais ou de organização social do nosso planeta são todos muito repetitivos e copiados". E questiona se os modelos que África reproduz são os mais indicados para o continente ou se são replicados apenas porque foram impostos. "Parece que se reproduz uma ordem de uma certa hegemonia, uma certa fórmula, que é imposta por outras sociedades, outras culturas ou outros sistemas políticos”, afirma, dando o exemplo da Europa que "exporta modelos de organização social e política”.
Na opinião desta professora, "as próprias elites africanas estão a produzir esquemas mentais, ideológicos, que provêm do tempo colonial”. "Estamos todos muitos viciados, não estamos esclarecidos”, lamenta. Daí que, adianta, os africanos precisam todos "de uma grande limpeza” para "descolonizar as mentes”.
José Eduardo dos Santos deixará saudades?
Dos Santos anunciou no início de 2017 que deixará o poder ao fim de 38 anos. Será que os angolanos terão saudades? Os comícios e as manifestações no país e fora de Angola nos últimos anos não deixam chegar a um consenso.
Foto: Getty Images/AFP/A. Pizzoli
Setembro de 2008 - Luanda
Este comício do MPLA em Kikolo, Luanda, foi assistido por milhares de pessoas durante a campanha para as eleições de 2008, as primeiras em 16 anos. O MPLA obteve 82% dos votos, tendo conquistado 191 dos 220 lugares da Assembleia Nacional de Angola.
Foto: picture-alliance/ dpa
Março de 2011 - Angola
No entanto, e apesar da maioria conseguida nas eleições de 2008, nos anos seguintes realizaram-se várias manifestações, em Angola, e não só, contra o Governo. A 7 de março de 2011, teve início no país uma onda de manifestações inspiradas na Primavera Árabe. Na organização destas manifestações estava o Movimento Revolucionário de Angola, também conhecido como "revús".
Foto: picture-alliance/dpa
Março de 2011 - Londres
No mesmo dia (7 de março), cerca de 30 pessoas sairam às ruas em Londres para protestar contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os manifestantes exigiram a saída do pai de Isabel dos Santos gritando "Zédu fora!" e "Zé tira o pé".
Foto: Huck
Fevereiro de 2012 - Benguela
Em 2012, ano de eleições no país, o número de manifestações organizadas pelos não apoiantes de José Eduardo dos Santos continuou a crescer. O protesto retratado na fotografia teve lugar em Benguela, a 13 de fevereiro. "O povo não te quer", gritaram os manifestantes.
Foto: DW
Junho de 2012 - Luanda
A 23 de maio de 2012, o presidente angolano anuncia que as eleições legislativas se irão realizar a 31 de agosto. Sensivelmente um mês depois, a 23 de junho, o Estádio 11 de Novembro, em Luanda, encheu-se de militantes e simpatizantes do MPLA para aplaudir José Eduardo dos Santos e apoiar a sua candidatura.
Foto: Quintiliano dos Santos
Julho de 2012 - Viana
Cartazes a favor de dos Santos num comício da campanha para as eleições de 2012 em Viana, arredores de Luanda. A 31 de agosto, o MPLA vence as eleições com mais de dois terços dos votos. Depois de uma mudança da Constituição, o Presidente já não é eleito diretamente, mas sim indiretamente nas legislativas. Como cabeça de lista do MPLA, José Eduardo dos Santos é eleito Presidente de Angola.
Foto: Quintiliano dos Santos
Maio de 2015 - Benguela
Nos anos seguintes continuaram os protestos contra o Presidente. Foram-se somando episódios de violência e detenções. 2015 torna-se-ia um ano complicado no que às críticas a JES diz respeito. No aniversário do "27 de maio", em Benguela, por exemplo, 13 ativistas foram detidos minutos depois de começarem um protesto. No mesmo dia, também houve detenções em Luanda.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Junho de 2015 - Luanda
Em junho de 2015, tem início um dos episódios da governação de José Eduardo dos Santos mais criticados. 15 ativistas angolanos, entre eles Luaty Beirão, foram detidos sob acusação de planeaream um golpe de Estado. Para além de terem despoletado muitas manifestações, estas detenções tiveram mediatismo um pouco por todo o mundo devido às greves de fome levadas a cabo por muitos dos detidos.
Foto: DW/P. Borralho
Julho de 2015 - Lisboa
No dia 17 de julho realizou-se, em Lisboa, a primeira manifestação em Portugal a favor da libertação destes jovens. "Basta de repressão em Angola", ouviu-se na capital portuguesa. Dias mais tarde, em Luanda, a polícia reagiu violentamente contra algumas dezenas de manifestantes que protestaram no Largo da Independência.
Foto: DW/J. Carlos
Agosto de 2015 - Luanda
A 2 de agosto e sob o lema "liberdade já", cerca de 200 pessoas, entre as quais vários artistas angolanos - poetas, políticos, atores e artistas plásticos - juntaram-se, em Luanda, para pedir a libertação dos 15 ativistas angolanos detidos. Sanguinário, Flagelo Urbano, Toti, Jack Nkanga, Sábio Louco, Zwela Hungo, Mona Diakidi, Dinameni, Fat Soldie e MCK foram alguns dos artistas presentes.
Foto: DW
Agosto de 2015 - Luanda
Dias mais tarde foi a vez das mães dos ativistas se fazerem ouvir. Nas ruas de Luanda, pediram a libertação dos seus filhos, mesmo depois da manifestação ter sido proibida pelo Governo.
Foto: DW/P. Ndomba
Agosto de 2015 - Lisboa
Nem no dia do seu aniversário (28 de agosto), José Eduardo dos Santos teve "descanso". Cidadãos descontentes, quer em Lisboa, quer em Angola, voltaram às ruas. Na capital portuguesa, voltou a pedir-se liberdade para os ativistas. Exigiu-se ainda liberdade de movimento, de pensamento, de expressão e de imprensa em Angola.
Foto: DW/J. Carlos
Novembro de 2015 - Luanda
No dia em que se celebraram os 40 anos da independência de Angola, proclamada a 11 de novembro de 1975, pelo então Presidente António Agostinho Neto, vários jovens voltaram a fazer ouvir-se. 12 manifestantes foram detidos.
Foto: DW/M. Luamba
Março de 2017 - Cazenga
No início de 2017, José Eduardo dos Santos anunciou a saída da Presidência. O cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais deste ano será o atual ministro de Defesa João Lourenço. O candidato foi recebido por centenas de apoiantes naquele que foi o seu primeiro ato de massas da pré-campanha, no município do Cazenga, em Luanda, a 4 de março.