Angolanos protestam após incidentes no bairro da Jamaica
Lusa | tms
2 de fevereiro de 2019
Ativistas foram às ruas de Luanda pedir uma posição do Governo sobre as denúncias de cidadãos angolanos que residem no bairro da Jamaica, em Lisboa, e que teriam sofrido violência policial.
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Um grupo de uma dezena de angolanos pediu neste sábado (02.02), em Luanda, "um protesto ao Estado português" por parte de Angola por causa dos incidentes entre polícia e moradores do bairro da Jamaica, no Seixal, nos arredores de Lisboa, alegando que "foram vítimas alguns angolanos".
Os subscritores desta "declaração de tomada de posição", apresentada publicamente em Luanda, dizem-se "indignados" com os acontecimentos do mês passado em Portugal, em Vale de Chícharos, conhecido como bairro da Jamaica, e com as "declarações de xenofobia que daí advieram".
Entre os membros do grupo estão ativistas do grupo 15+2. Eles defendem que Angola "exija do Estado português a responsabilização civil e criminal dos cidadãos portugueses promotores de declarações racistas".
"Série de manifestações"
Se o Estado angolano "se mantiver impávido", este grupo promete "uma série de manifestações diante da Embaixada de Portugal em Angola e do Consulado de Portugal em Benguela", assim como "uma campanha nacional de boicote a tudo quanto é produto de origem portuguesa" e outras medidas posteriores visando os portugueses que vivem no país, que serão explicadas "em momento oportuno", disse à Lusa Nuno Dala, um dos integrantes do processo 15+2, que afirmou ser "contra violência".
Afonso Matias "Mbanza Hanza", outro subscritor da declaração, disse estar "indignado" com o "estranho silêncio" do Estado angolano. "Desde já não é certo, tem de se condenar e averiguar por que é que a PSP [Polícia de Segurança Pública] chegou a esse ponto, esse pronunciamento deveria acontecer, porque é estranho que o Estado angolano não se pronuncie e o pronunciamento do consulado angolano em Portugal foi uma vergonha", afirmou.
Dito Dali, que se manifesta "solidário" com os habitantes do bairro da Jamaica, sublinhou que este grupo tomou uma posição tendo em conta o "silêncio do Estado angolano que lhe é característico diante certo tipo de situações".
"Não podemos aceitar que diante da brutalidade que os nossos irmãos passam todos os dias em Portugal o Estado angolano se remeta pura e simplesmente ao silêncio em sinal de alguma cumplicidade", afirmou Dali.
Governo angolano diz acompanhar investigações
O Governo de Angola apelou a 25 de janeiro à população a abster-se de participar em qualquer iniciativa que coloque em causa a ordem e tranquilidade pública, na sequência dos acontecimentos registados com cidadãos angolanos no bairro da Jamaica.
Num comunicado, o Ministério do Interior de Angola relacionou o apelo com o facto de estar a "acompanhar, com alguma preocupação", diversos "pronunciamentos de vários cidadãos nacionais e estrangeiros" após os desacatos naquele bairro do Seixal.
O Ministério do Interior angolano aconselhou também todos os cidadãos a aguardarem "com serenidade" os resultados do inquérito mandado instaurar pelas autoridades portuguesas e adianta que as estruturas competentes do Governo de Angola estão a acompanhar a questão.
Violência policial
Em 20 de janeiro, a polícia foi chamada ao bairro da Jamaica após ter sido alertada para "uma desordem entre duas mulheres". Segundo a PSP, um grupo de homens reagiu à intervenção dos agentes da polícia quando estes chegaram ao local, atirando pedras. Do incidente resultaram feridos, sem gravidade, cinco civis e um agente.
Posteriormente foi convocada uma manifestação contra a violência policial, em frente ao Ministério da Administração Interna, que resultou também em incidentes entre participantes e a polícia.
Moradores do bairro, no distrito de Setúbal, têm afirmado que a polícia abusou da força, referindo também não terem participado em manifestações. O Ministério Público e a PSP abriram inquéritos aos incidentes no Bairro da Jamaica.
O bairro começou a formar-se na década de 1990, quando populações que vinham dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) começaram a fixar-se em prédios e torres inacabados, fazendo puxadas ilegais de luz, água e gás.
Bairro da Jamaica na margem sul de Lisboa: A prolongada esperança
A Urbanização do Vale de Chícharos no Seixal, concelho do distrito de Setúbal (Grande Lisboa), acolhe, na sua maioria, imigrantes dos países africanos de língua portuguesa. Há quem viva no bairro há mais de 20 anos.
Foto: J. Carlos
Décadas à espera de realojamento
Os prédios inacabados, propriedade da Urbangol, uma sociedade sedeada num paraíso fiscal com dívidas ao fisco, foram ocupados por pessoas de baixa renda que não tinham condições para comprar uma casa. Aguardam, ao longo destes anos, pela promessa de realojamento por parte da autarquia local.
Foto: J. Carlos
Arte e desabafo por um bairro melhor
Por uma das entradas do Jamaica, os visitantes são recebidos por estes murais pintados na parede que cerca a instalação de transformadores da EDP, Energias de Portugal. As pinturas expõem os sentimentos de mudança e a visão do mundo por parte dos artistas que aspiram viver em um bairro melhor.
Foto: J. Carlos
Os ídolos Bob Marley e Che Guevara
O lendário músico jamaicano Bob Marley ou o líder guerrilheiro argentino-cubano Che Guevara são uma espécie de ídolos para os jovens artistas autores destas pinturas. Ao longo da parede, que funciona como uma tela, veem-se outros motivos, incluindo a reprodução de um bairro típico imaginário em África.
Foto: J. Carlos
Falta de água e de luz
Nos cafés ou em outro ponto de encontro e de convívio, os moradores acabam por falar e questionar sempre sobre os inúmeros problemas com que se deparam no dia-a-dia. A falta de água e de saneamento básico ou os cortes de luz pela empresa fornecedora quando não são pagas as faturas coletivas constituem uma dor de cabeça diária.
Foto: J. Carlos
Mas, na hora de matar a fome…
Enquanto não vem uma solução para o realojamento, a vida não para no Jamaica. Aos fins de semana, a música ajuda a acalentar os problemas. Os grelhados à moda dos países de origem, preparados neste caso pela são-tomense Vitória Silva, servem para matar a fome depois de um dia de trabalho árduo.
Foto: J. Carlos
… Pratos típicos juntam amigos
Percorrendo o território adjacente, encontram-se vários espaços anexados como este, adaptados para café e ou restaurantes, são uma das fontes de rendimento familiar. Os pratos típicos de África, sobretudo à base de peixe e banana, recheiam as mesas dos clientes provenientes de sítios diversos e servem de pretexto para reunir amigos.
Foto: J. Carlos
Cultivar para render
Em uma pequena parcela do terreno à volta, há moradores com alguma experiência agrícola que improvisaram hortas com variedades de hortaliças para consumo próprio. Plantam couves, alfaces, tomates, cebolas, alhos e batatas, entre outros produtos que ajudam a aliviar as despesas com a alimentação.
Foto: J. Carlos
Produzir para sobreviver
Também com o mesmo objetivo, a criação de galinhas reforça a dieta alimentar caseira. Para alguns dos moradores desempregados ou não, esta é uma das formas para suprir as muitas dificuldades de sobrevivência quando é baixo o rendimento familiar.
Foto: J. Carlos
Desemprego, droga e prostituição inquietam
O desemprego é um dos males que inquietam jovens mães como Vanusa e Aurora Coxi. Dizem que os habitantes são, de certo modo, discriminados quando procuram emprego pela fama desmerecida de aqui morarem. Isso leva muitos jovens a seguir por caminhos impróprios, do roubo, do tráfico de droga ou da prostituição. Ambas têm um sonho: acabar a universidade, interrompida por dificuldades diversas.
Foto: J. Carlos
Inundação e humidade
A estes problemas juntam-se as condições de habitabilidade nos prédios, que afetam a maioria das mais de 800 pessoas aqui residentes. Júlio Gomes, guineense que mora num anexo improvisado na parte traseira de um dos prédios, é afetado pela inundação quando chove ou quando rompe a canalização do sistema de esgotos do vizinho do andar de cima.
Foto: J. Carlos
Acesso à tarifa social de eletricidade
Os moradores estão em conflito com a empresa que fornece eletricidade (EDP), porque o critério de cobrança não é o mais adequado. É a associação do bairro que recebe o dinheiro dos consumos mensais e paga as faturas únicas por lote, consoante a leitura no contador colocado em cada prédio. Mas há quem não pague. Os clientes reclamam por não beneficiarem de tarifa social.
Foto: J. Carlos
Sede a precisar de reabilitação
Na sede da Associação para o Desenvolvimento Social da Urbanização de Vale de Chícharos, onde vive uma família, as inundações também constituem um incómodo quando chove. Aqui têm lugar as reuniões para discutir os problemas que afetam os residentes, entre os quais o realojamento. Reabilitar o espaço, onde também funcionam aulas de alfabetização, é uma solução em stand by por falta de recursos.
Foto: J. Carlos
Parque infantil inseguro
Ao lado da sede está um pequeno parque infantil, igualmente sem as condições mínimas de segurança para as crianças brincarem. Os poucos equipamentos nele existentes estão em mau estado de conservação e utilização. Este é, entretanto, um dos poucos espaços de lazer que dispõem para descarregar energia e preencher o tempo.
Foto: J. Carlos
Ação social imprescindível
A CRIAR-T – Associação de Solidariedade tem prestado serviço útil à comunidade, já lá vão mais de 15 anos. As suas várias valências permitem, além de apoio social, acolher crianças enquanto os pais vão trabalhar. Porque «é um perigo elas andarem pelo bairro a brincar», diz Dirce Noronha, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Vale de Chícharos.