Angolanos vivem dias difíceis em Portugal
3 de agosto de 2020Mande Joaquim Abreu, que sofre há 20 anos de insuficiência renal crónica, confessa que são inúmeras as dificuldades por que passa, juntamente com outros cidadãos angolanos a viver em Portugal. "Nós passamos dificuldades de vários tipos, a começar pela alimentação, as consultas e os medicamentos. Por quê? Porque o nosso Estado não paga", lamenta este paciente.
Submetido a dietas rigorosas, Joaquim Abreu faz parte dos doentes albergados em pensões na capital portuguesa, pagas pelo Estado angolano, que chegaram a Lisboa já em situação de muita debilidade. A situação de saúde, o impede de trabalhar em busca de mais recursos financeiros para reforçar o subsídio que recebe e que varia entre os 215 e os 270 euros.
"Como não posso alimentar-me com a comida que é feita na pensão – porque não posso ingerir muito potássio e sal – faço a minha comida segundo a minha dieta. Não posso comer qualquer comida. E esse subsídio não chega", desabafa. Além disso, o valor não é pago regularmente. "Por exemplo, há dez meses que não recebemos subsídios. Só vamos receber o mês de março", diz Mande Joaquim Abreu.
Doentes e estudantes passam dificuldades
Segundo relatos ouvidos pela DW África, há um número considerável de angolanos a viver em situação de carência, alguns dos quais com trabalhos precários, que têm recorrido à ajuda de instituições de caridade e instituições de solidariedade social. Entre estes estão sobretudo os doentes e os estudantes que integram o grupo da migração transitória.
Domingos Costa, dirigente da Associação de Apoio às Comunidades dos Países de Língua Portuguesa, diz que, de março até agora, com o surto da pandemia de Covid-19, tem atendido vários casos de famílias angolanas necessitadas. E quem mais recorre a estes pedidos de apoio não é a comunidade angolana que está em Portugal há muitos anos, "é a nova comunidade de angolanos que em Angola eram considerados de classe média alta e que, de repente, decidiram abandonar tudo e viver cá, uns por motivo de saúde", conta Domingos Costa.
O dirigente associativo angolano lamenta, por outro lado, as dificuldades de muitos angolanos, agravadas com os bloqueios das transferências bancárias de Angola para Portugal. "Quando as notas de um país se vão desvalorizando, estas pessoas acabam depois por cair numa pobreza extrema", acrescenta. "Ou se um indivíduo tem uma reforma em Angola e as transferências atrasam-se, isso até sobrecarrega aqui a Segurança Social do Estado português."
Para dar resposta aos pedidos de apoio, Domingos Costa enaltece o apoio prestado pelas autarquias portuguesas, que têm acionado as sinergias das estruturas sociais locais direcionadas para ajudar os grupos de maior vulnerabilidade, tanto em alimentos como em medicamentos.
Carta aberta a João Lourenço
Devido a estas amargas realidades, um grupo de cidadãos endereçou uma carta aberta às autoridades angolanas a pedir mais atenção para a qualidade de vida dos seus cidadãos na diáspora. Zeferino Boal, um dos promotores da missiva, apela ao Presidente de Angola, João Lourenço, a dar instruções à representação do Estado angolano em Portugal "para ajudar a resolver estes problemas; começar a organizar, planear e identificar verdadeiramente quais são os focos dos dramas sociais, porque infelizmente continua-se a trabalhar pouco na coordenação e na planificação."
Boal reconhece que Angola enfrenta uma crise económica e financeira agravada pelo surto de Covid-19, mas acredita que, com o envolvimento de toda a comunidade angolana - nomeadamente as competências e capacidades dos angolanos bem posicionados na sociedade portuguesa - e o contributo das instituições que cooperam com o país, será possível dar uma resposta mais assertiva às fragilidades e dramas humanos.
"É preciso agir. Tomarmos consciência [dos problemas] e unirmos esforços", defende. "Se temos angolanos e angolanas a residir em Portugal e estão estáveis na sua vida social e familiar e têm mecanismos de poder ajudar, a pergunta que deixamos é porque é que as autoridades angolanas não chamam essas pessoas e não procura com essas pessoas chegar mais longe?", questiona Zeferino Boal.
Os subscritores da carta aberta consideram, por outro lado, que "as relações institucionais e protocolos estabelecidos entre Angola e Portugal não podem servir um núcleo residual de cidadãos que gravitam em torno da bajulação e do compadrio de amizades."
Por causa de experiências do passado, Joaquim Abreu não acredita muito numa resposta eficaz e imediata por parte das entidades angolanas às inquietações expostas nesta carta aberta. "Sinceramente, duvido muito", remata.