António Carlos do Rosário regressou esta manhã ao banco dos réus para responder a perguntas do seu advogado. Ex-diretor da secreta moçambicana reiterou que as "dívidas ocultas" foram contraídas de forma transparente.
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António Carlos do Rosário, que chefiava as três empresas que beneficiaram das chamadas "dívidas ocultas", defendeu esta sexta-feira (29.10) em tribunal que os registos de transações das dívidas foram captados e divulgados em tempo real. Por isso, não tinham que ser ocultas.
O antigo diretor da inteligência económica da secreta moçambicana disse não perceber por que motivo a ajuda internacional a Moçambique foi suspensa por causa das dívidas, que, no seu entender, foram legais. "Onde é que as dívidas foram contraídas? Numa praça suspeita? Não. Foram contraídas na porta do cavalo? Não. Foram contraídas em instituições credíveis e com processos transparentes? Sim, as dívidas foram transparentes", sublinhou.
O antigo PCA das empresas Ematum, MAM e ProIndicus disse que as dívidas só não foram publicitadas porque não havia razões para tal. "A falta de publicitação não torna algo oculto, não torna algo obscuro, não torna algo ilegal. Isso é narrativa, isso é boato", insistiu.
António Carlos do Rosário entende que as dívidas ocultas foram um pretexto para punir os moçambicanos e fazer com que eles não sejam economicamente independentes, e "não consigam consolidar o Estado de direito democrático, o estado unitário do Rovuma ao Maputo, tal e qual foi pensado, idealizado, pensado e conquistado em 1975."
Ângela Leão: "Estou aqui porque sou esposa"
Esta sexta-feira, o Ministério Público solicitou o regresso ao banco dos réus da arguida Ângela Leão, esposa do antigo diretor da secreta, Gregório Leão, para ser confrontada com dois contratos.
Um deles, uma subcontratação entre a empresa Privinvest, acusada do pagamento de subornos, e a M.Mocambique, do co-arguido, Fabião Mabunda, em 2013. O outro contrato teria sido celebrado com a Logistic International, em 2014. Ambos destinavam-se à construção de infraestruturas no âmbito do projeto da Zona Económica Exclusiva.
"Assuntos relacionados com a Privinvest, a Logistic, que têm a ver com as dívidas ocultas, não tenho nada a declarar, nada a dizer", respondeu Ângela Leão. "Estou aqui porque sou esposa. Não participei em nada nem sei de nada. Principalmente agora, depois de ouvir o réu Rosário, as pessoas que conceberam, que criaram este projeto foram identificadas."
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Outras audições
O réu Bruno Langa também foi chamado de novo ao banco dos réus, onde confirmou ser portador de duas armas, uma caçadeira e uma de tipo pistola.
O tribunal começou ainda a ouvir o primeiro dos 60 declarantes. Jóia Haquirene, diretor nacional da área de segurança do estado, nos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), confirmou ter participado na criação da Sociedade Gips, citada durante o julgamento.
Haquirane disse que foi sócio desta sociedade de dezembro de 2011 a fevereiro de 2013 e confirmou ter estado numa assembleia-geral na qual foi decidida a subscrição do capital social da ProIndicus. "Confirmo, tanto mais que fui eu que assinei", disse.
A sessão terminou e, na próxima segunda-feira (01.11), será ouvido outro declarante.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.