Guterres pede diplomacia para resolver crise dos refugiados
6 de janeiro de 2016 O antigo primeiro-ministro português António Guterres, que exerceu até ao passado mês de dezembro o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, falava esta terça-feira (05.01), em Lisboa, na abertura do seminário diplomático de dois dias, promovido anualmente pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. Este ano, o encontro centra-se na problemática do “deslocamento forçado como sintoma da situação internacional”.
Refugiado é a palavra do ano de 2015. A vaga de refugiados e deslocados que cruzam fronteiras em busca de abrigo na Europa tornou-se uma questão central quando “os pobres”, ameaçados por conflitos, começaram a entrar em massa “na casa dos ricos”, nas palavras de António Guterres.
A crise dos refugiados em números
“Em 2010, a cada dia, havia 11 mil pessoas deslocadas por conflito no mundo. Em 2011, 14 mil. Em 2012, 23 mil. Em 2013, 32 mil. Em 2014, 42 mil e 500”, enumera Guterres, sublinhando que “as indicações sobre o ano passado não são muito favoráveis”. Só nos primeiros 6 meses de 2015, diz o ex-Alto Comissário da ONU para os Refugiados, “o número total de refugiados no mundo subiu, uma vez mais, 5 por cento”. Já “o número de requerentes individuais de asilo subiu 80 por cento em relação ao ano anterior por causa da crise européia e o número de regressos a casa - em condições de dignidade e segurança – diminuiu, uma vez mais, 20 por cento. Indicadores, segundo António Guterres, de que “a tendência para o agravamento se manteve”.
Fazendo uma espécie de balanço do seu mandato à frente do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), António Guterres volta a apontar números. “Há dez anos, estávamos a ajudar cerca de 1 milhão de pessoas a regressar a casa voluntariamente e em condições de segurança e dignidade a cada ano. No ano passado, ajudamos cerca de 24 mil”, afirma. E avança com uma explicação para esta descida: “Há dez anos havia uma série de conflitos que tinham terminado – na Serra Leoa, Libéria, Angola e no Afeganistão, que apresentava uma situação relativamente mais favorável – e, neste momento, não só assistimos à multiplicação de novos conflitos, como vemos que os conflitos antigos teimam em não terminar”.
Urgência na resposta
A lista de países em conflito é extensa, segundo António Guterres, partindo da Primavera Árabe. “Temos a Líbia, o Mali, a República Centro-Africana, o sul do Sudão, a Nigéria, a Síria, o Iraque, o Iémen, o Sinai e, por outro lado, as velhas crises como a Somália, o Afeganistão e a República Democrática do Congo”.
O mundo, diz o ex-Alto Comissário para os Refugiados, está a braços com o agravamento significativo dos movimentos da população e com a instabilidade crescente em certas regiões. Guterres alerta: a situação é particularmente grave, com consequências humanitárias cada vez mais penosas, não só para os refugiados. A capacidade internacional de prevenção e solução de conflitos parece estar a diminuir consideravelmente, considera ainda.
Apesar de complexa, a situação exige “respostas urgentes, por constituir uma ameaça séria e perigosa para todos”, prevê o antigo primeiro-ministro português, defensor do relançamento da diplomacia para a paz como ação central da comunidade internacional face às causas que levam milhares de pessoas a abandonarem os seus países em várias partes do mundo.
Mais fundos para a ajuda humanitária
Para além desta prioridade, Guterres diz ainda ser essencial “o aumento dos recursos à disposição das agências humanitárias”. “Sensivelmente é necessário duplicar aquilo que hoje é gasto no mundo em acção humanitária”, sublinha. Fundamental, acrescenta, é também “a ligação profunda entre a ajuda humanitária e a cooperação para o desenvolvimento”, sem a qual as consequências serão “cada vez mais dramáticas na vida das pessoas afectadas e o sofrimento humano atingirá níveis absolutamente inaceitáveis”.
À margem do seminário diplomático, de dois dias, promovido pelo Ministério português dos Negócios Estrangeiros, António Guterres olhou, em particular, para a crise humanitária que atinge a Europa, exortando a uma ação concertada e solidária entre todos os Estados europeus e os países do Médio Oriente, que permita um movimento migratório organizado de refugiados em substituição do caos atual. Para Guterres, "se a Europa não se organizar devidamente, o sistema europeu de asilo pode colapsar". “Isso seria uma tragédia de proporções indiscritíveis», conclui.