Pugilista no tempo colonial, António Marcos é hoje um músico de referência a nível nacional e internacional. É um promotor da marrabenta, ritmo e dança tradicionais moçambicanas que quer passar às novas gerações.
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Foi pugilista entre 1967 e 1980. Conquistou o título de campeão nacional. Desse período não gosta de falar, mas confessa com orgulho que só sabia bater. Batia dos 59 a 64 quilos. Também foi empregado doméstico no tempo colonial.
O gosto pela música começa aos oito anos.
António Marcos: de pugilista a músico de marrabenta
António Lodingue Matusse, mais conhecido como António Marcos, diz que não gostava dos trovadores, "porque um trovador era aquele que pegava na viola, ia e nunca mais regressava". A mãe, Rosa Mugabe, não queria que ele fosse um trovador.
"Cada vez que eu fazia uma guitarra de lata de azeite de oliveira de um litro a minha mãe partia. Eu fazia e a minha mãe partia", recorda o músico, natural da cidade de Gaza.
A viola que "fabricava" com persistência acabou por ser útil porque servia para espantar os macacos que se aproximavam da horta da família à procura de alimento. Era ao som desse instrumento que os afugentava.
"Com aquela viola de lata, corria à volta da machamba a tocar, espantando os macacos, antes de ir para a escola ou quando regressava", conta António Marcos.
Da inspiração ao primeiro disco
Mais tarde, a sorte bateu-lhe a porta. O tio, Carlos Mugabe, que trabalhava nas minas da África do Sul, aposta nele. Ofereceu-lhe uma viola em 1962. No ano seguinte, foi a Lourenço Marques (atual Maputo) e entrou em contacto com outros músicos.
"Um deles, que me dava ânimo de fazer música, chamava-se Feliciano Bendá", diz. "Esse homem descobriu-me quando eu trabalhava como empregado doméstico. Veio ter comigo e disse 'vamos continuar'. E continuámos a tocar. Foi-me ensinando cada vez mais sem eu me aperceber que ia ser um músico. Tocava aquilo por divertimento."
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A sorte coloca-o noutro patamar quando é identificado por um empresário que procurava novos talentos. Acaba por ser recrutado e levado para os estúdios de gravação das Produções Golo, onde gravou o seu primeiro disco (single) em vinil.
"Veio depois o Fernando Ferreira, das Produções 1001. Rebocou-me também, fui gravar. É aí que começou a música. Senti-me já músico. Lancei o primeiro disco em 1970. Faço agora 49 anos de carreira profissional."
António Marcos, a caminho dos 70 anos de idade, foi evoluindo com o tempo, como ele próprio afirma. Mas não se lembra quantos discos single gravou. Lembra-se sim do seu primeiro concerto na África do Sul.
"Depois fui para a Suazilândia, no festival suazi. E começou aí a festa…"
Daí nunca mais parou. Até 2005, integrou o projeto Mabulu, do qual foi um dos fundadores. Para lá do norte de África, que conhece como as palmas das mãos, também guarda muitas referências de vários países europeus por onde passou, entre os quais a Alemanha, Áustria, Polónia, França, Itália, Holanda, Suíça, Inglaterra e Portugal.
"A música planta-se no coração"
Este natural da província de Gaza canta sempre em changana, a sua língua materna. E não vacila em relação à linha das canções que compõe, suportadas pela força da marrabenta.
"Quero manter a marrabenta, porque a marrabenta é aquilo que me identifica. Não só a mim. Identifica também Moçambique", afirma António Marcos.
Para ele, este estilo de música dançável "não é coisa passageira como o vento que passa. Nasceu para ficar", reforça. Por isso, com a idade que tem, decidiu passar a sua experiência aos mais jovens, em defesa da preservação da marrabenta original feita à guitarrada e com bateria manual.
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"Eu trabalho com os meus filhos, meus netos e filhos dos outros conterrâneos", diz. "É o caso de Domingos Honwana. Temos o Bernardo Domingos [filho do popular músico moçambicano Xidiminguana]; tenho o Sérgio Marcos, meu filho, e o meu neto também, o Joaquim. Todos são jovens."
"Estou a semear, a plantar tudo aquilo, porque a música não se planta no chão, planta-se na mente de cada um de nós ou no coração", acentua António Marcos.
É com coração e humildade que retrata os problemas sociais, assim como também fala da paz em Moçambique. Sente essa paz mais na região sul e centro. No norte, existem "algumas confusões", algo que não sabe explicar. Refere-se aos ataques terroristas que abalam a vida das populações.
"Tem essa confusão, mas cedo ou tarde tudo vai se acalmar. Nós rogamos para isso", afirma.
António Marcos regressou a Moçambique depois de ter participado na última edição do Festival Músicas do Mundo de Sines, em Portugal. Sobre novos concertos não fala. É assunto que está nas mãos do seu agente, também músico, Joni Schwalbach. Nem sequer revela quais os novos projetos futuros - são ideias que guarda a sete chaves e só divulga no momento certo. Apenas insiste que a marrabenta vai expandir-se, porque há músicos como ele que a estão a semear.
Tempos difíceis para a timbila de Moçambique
Os produtores da timbila debatem-se com dificuldades. Há cada vez menos árvores para a produção deste instrumento tradicional moçambicano da família dos xilofones, classificado como património da humanidade pela UNESCO.
Foto: DW/L. da Conceição
Origem e reconhecimento
A timbila surgiu no século X, de acordo com historiadores. No século XVI, os portugueses começaram a escrever sobre este instrumento musical criado pelo povo Chopi, que reside no distrito de Zavala, em Inhambane. Em 2005, a UNESCO reconheceu a timbila como obra-prima do património oral intangível da humanidade e apelou a uma maior preservação do instrumento.
Foto: DW/L. da Conceição
Escudo e azagaia
Os dançarinos da timbila entram sempre em palco com um escudo e uma azagaia. Significa defesa contra os inimigos na comunidade, segundo a tradição. Ao longo das danças são interpretadas canções de alegria, mas também de tristeza. Os adultos procuram envolver as crianças na preservação desta tradição, que tem sido passada de geração a geração.
Foto: DW/L. da Conceição
Escassez de árvores
Mwenge é a árvore cuja madeira serve de base para o fabrico da timbila. Pode ser encontrada nos distritos de Massinga e Vilankulo. Estes troncos foram comprados em em Vilankulo e custaram cerca de 20 mil meticais (300 euros), depois da burocracia e pagamento das taxas de corte. Estas árvores estão em vias de extinção, o que pode comprometer a produção da timbila nos próximos anos.
Foto: DW/L. da Conceição
Nova estrela da timbila
Simião Venâncio Mbande é filho de Venâncio Mbande, ícone da timbila em Moçambique e pretende seguir os passos do pai. Começou a tocar quando tinha apenas 4 anos e aos 11 anos já é considerado um verdadeiro timbileiro de mãos cheias. O seu maior sonho é ser uma estrela de timbila a nível mundial. Mas para isso precisa de apoio financeiro, diz.
Foto: DW/L. da Conceição
De pequenino se torce... a timbila
Também Edmercio Ofensio é timbileiro desde os cinco anos de idade. Hoje, aos 21 anos, integra o grupo de Guilundo, do mestre da timbila Venâncio Mbande, que morreu em 2015. "Gostaria de um dia levar a cultura para o estrangeiro, se houver condições", disse à DW África.
Foto: DW/L. da Conceição
Festival Anual da Timbila
Situado na vila de Quissico, à beira da praia, este espaço abriu portas em 1995 e desde então tem acolhido turistas que vêm assistir à atuação de diversos grupos que tocam timbila, no Festival Anual da Timbila M’saho, promovido pela Associação dos Amigos de Zavala (AMIZAVA). Este ano, o festival decorreu em agosto.
Foto: DW/L. Da Conceicao
Timbila para turistas
Em Inhambane são produzidas timbilas especiais para os turistas internacionais. A venda é feita nas zonas de praia e os preços rondam os 10 euros. Geralmente os instrumentos não pesam mais de dois quilos - para serem fáceis de transportar. Nos últimos anos, os produtores de timbilas reclamam da falta de compradores.
Foto: DW/L. da Conceição
Falta de clientes
Armando Júlio começou a vender timbila a turistas há mais de 15 anos. Mas ultimamente reclama da falta de clientes. Com as vendas que fez, já conseguiu adquirir um terreno para construir uma casa, onde vice com a sua família. O vendedor diz que nos últimos anos os lucros caíram drasticamente, devido à falta de turistas interessados em comprar o instrumento.
Foto: DW/L. Da Conceicao
Homenagem aos timbileiros
Na sede do distrito de Zavala, em Quissico, foi erguido um monumento em homenagem a todos os que contribuiram para o desenvolvimento da timbila naquela região. O monumento atrai muitos investigadores nacionais e internacionais, além de muitos estudantes universitários que toso os os anos visitam o local.
Foto: DW/L. da Conceição
Esplanada Timbila
Devido à sua expressão cultural na sociedade moçambicana, a timbila é homenageada de várias formas pelos moçambicanos, como forma de preservação da identidade cultural do povo. Nas ruas é recorrente encontrar lugares públicos com o nome do instrumento, como esta esplanada em Zavala, muito conhecida pelos residentes. Um ponto de encontro de referência.
Foto: DW/L. da Conceição
Uma casa digna para a timbila
Os timbileiros de Inhambane reclamam da falta de uma "residência digna" onde os produtores do instrumento tradicional possam guardar as suas obras e respetivos materiais. Dizem que a atual casa não tem condições e que os lucros das atuações não chegam para construir um novo espaço. Por isso, pedem apoios.
Foto: DW/L. da Conceição
Para quando uma escola da timbila?
Era um sonho do ícone da timbila Venâncio Mbande construir uma escola de arte na sua terra natal, ao lado da sua residência, onde até deixou reservado um espaço. Antes de morrer, em 2015, deu várias entrevistas em que não escondeu o seu desagrado pela falta de ajuda do Governo para a materialização deste sonho. Hoje, a pergunta continua a ser: para quando a "escola da timbila ta Venâncio"?