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HistóriaÁfrica

Após a PIDE, a informação militar portuguesa atuou em África

11 de maio de 2021

Mesmo depois da independência dos PALOP, Portugal manteve um serviço de informação militar que atuou em África. Um ex-agente contou à DW África como eram as operações da Divisão de Informação Militar no continente.

Portugal | Bücher von Fernando Cavaleiro Ângelo
Livros de Fernando Cavaleiro ÂngeloFoto: privat

A Divisão de Informação Militar (DINFO) - que surge depois do colapso da polícia política PIDE/DGS com o 25 de abril de1974 - atuou em várias missões sensíveis até 1997, quando foi extinta. Muitas destas operações são até hoje desconhecidas, entre as quais em Angola e na Nigéria.

Antes, nas guerras em África, nomeadamente em Angola, a PIDE/DGS garantia informações úteis às tropas portuguesas. Fernando Cavaleiro Ângelo, que desempenhou diversas funções ao mais alto nível nos serviços de informação militares, afirma que o interesse de Portugal pela Nigéria foi determinado pela então conjuntura internacional. Pelas guerras que estavam a ocorrer em África, Portugal era altamente criticado e estava debaixo dos holofotes da comunidade internacional.

"Portugal precisava de alguns parceiros e alianças. Além disso também, ali na Nigéria, onde era para ser a República do Biafra, é uma zona altamente rica em hidrocarbonetos (petróleo). Naquela altura, Portugal estava a ter algumas descobertas de petróleo em Cabinda (Angola) e isso, de alguma forma, também podia no futuro, se o Biafra se tornasse independente, ser mais um elo de aliança à ditadura, digamos ao regime de Salazar que governava Portugal”, explica.

Direito à independência das colónias

O historiador Pedro Aires Oliveira aborda igualmente a guerra da secessão do Biafra e as críticas que Portugal enfrentava, particularmente nas Nações Unidas, resultantes da sua recusa em aceitar o direito à autodeterminação e independência das suas então colónias. Eram críticas, amplificadas depois, com o surgimento da Organização de Unidade Africana (OUA), em 1963, o que incomodava mais o regime português.

 

Fernando Cavaleiro Ângelo atuou nos serviços de informação militares Foto: João Carlos/DW

Isso abriu novos canais de solidariedade e apoio para os movimentos independentistas das então colónias portuguesas - nomeadamente Angola, Guiné Bissau e Cabo Verde. 

A Nigéria era um dos países mais populosos de África e, nessa altura, tinha peso na OUA e na Commonwealth britânica, segundo Pedro Oliveira. 

"Portugal era um aliado da Inglaterra na NATO e ficava nervoso com o facto de, na organização liderada de certa maneira pela Inglaterra (a Commonwealth), haver um país, a Nigéria, com esse peso e capaz de criticar a sua política colonial”.

De acordo com o professor de História da Universidade Nova de Lisboa, Portugal tinha vários interesses no conflito do Biafra, um dos quais era enfraquecer a Nigéria, que se juntara ao coro de críticas ao Estado português. 

"Se esse enfraquecimento pudesse dar origem ao nascimento de uma nova nação independente que se sentisse grata a Portugal, melhor ainda. Portugal, de alguma maneira, tinha expetativa que um pequeno Estado independente chamado Biafra se tornasse seu aliado em África. Finalmente, também interessava a Portugal gerar aquela ideia de que as independências africanas, se calhar, tinham sido um bocado precipitadas. Que eram processos que estavam a correr mal. Que precisavam de mais algumas décadas, se calhar, até que eles estivessem preparados para a independência”, contextualiza.

"Flechas”

O historiador português lembra, entretanto, que nessa altura, Portugal apoiou outros movimentos secessionistas em países africanos. Dá, entre outros, o exemplo do apoio prestado a figuras e movimentos oposicionistas em Estados como a Tanzânia que davam suporte à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

A propósito de alguns episódios sobre Angola, Cavaleiro Ângelo fala dos bosquímanos ou "Flechas” colocados a trabalhar no cenário de guerra em África em prol de Portugal. Quando Angola se tornou independente, recorda, os bosquímanos foram perseguidos e exportados para a África do Sul.

Historiador português Pedro Aires OliveiraFoto: privat

"E até há episódios interessantes, que conto no livro, que é: quando a África do Sul tenta invadir Angola, tenta ocupar Luanda, utilizou os bosquímanos mas não da forma como Portugal os tratou, que foi na sua forma natural. Os sul-africanos, pelo contrário, armaram-lhes com armas G3 e com uniformes portugueses e eles não estavam habituados a ter esse tipo de equipamento. Isso alterou-lhes profundamente os sentidos, nomeadamente o olfato, que era a grande mais-valia deles. E acabou por não ser uma mais-valia para a África do Sul, mas para a PIDE, naquela altura, foi”, conta o autor do livro.

Cavaleiro Ângelo explica, por outro lado, a importância geoestratégica de São Tomé na Guerra do Biafra. No golfo da Guiné, a ilha era vista como "um porta-aviões” e excelente interposto logístico face aos embargos terrestres e marítimos impostos pelos britânicos e franceses, aliados da Nigéria.

"São Tomé e Príncipe estava ali a cerca de 200 milhas sensivelmente da Nigéria. Os portugueses estimularam para ultrapassar esses embargos fazer o transporte de material, armamento, munições e alimentos pela via aérea. Ora aí está, por via aérea, São Tomé e Príncipe era um aeroporto de excelência para fazer o armazenamento do material para depois os escoar para o território do Biafra”, conta.

Portugal, conivente com o Biafra, suportou toda esta operação de forma clandestina com o objetivo de obter, no futuro, um possível aliado.

Cavaleiro Ângelo afirma que não vale a pena contrariar a história, seja ela boa ou má. "Temos apenas que a aceitar. Tentar esconder isso é a pior coisa que se faz”, afirma. Por seu lado, Pedro Oliveira é de opinião que, nos últimos anos, tem havido bastante trabalho académico e literatura sobre o passado colonial português, o que se opõe a uma certa visão de que Portugal tem ocultado os vários períodos negros da sua história.

"Não creio que seja um tema arredado das nossas discussões ou do nosso imaginário. Agora, que há legados do colonialismo que perduram e que temos enfrentá-los olhos nos olhos, isso sem dúvida”, conclui.

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