Aplicativo brasileiro ensina língua africana a crianças
Júlia Faria
25 de janeiro de 2019
Criado por professores, Alfabantu dá lições de kimbundu, uma das línguas bantu mais faladas em Angola, e aproxima estudantes das raízes em África.
Publicidade
O português que se fala no Brasil tem raízes que extrapolam Portugal e chegam até África. Diversas palavras usadas no dia-a-dia pelos brasileiros têm origem em línguas africanas. Mas essa é uma história que ocupa pouco espaço nos livros didáticos e nas salas de aula. Insatisfeita com essa realidade, a socióloga e professora Odara Dèlé resolveu colocar a mão na massa e recorreu à tecnologia para aproximar seus alunos do continente africano. Assim nasceu o Alfabantu, um aplicativo gratuito, que ensina o kimbundu, uma das línguas bantu mais faladas em Angola.
Na fase inicial, o projeto foi desenvolvido em parceria com o historiador e também professor Edson Pereira. Hoje, o projeto é liderado apenas por Odara. Ela conta que o Alfabantu foi fruto de uma inquietação: como mostrar a crianças e jovens que a história afro-brasileira não se resume à escravidão?
"Eu desejava muito aplicar a lei 10.639/03, que tem como obrigatoriedade o ensino da história, cultura e arte africana e afro-brasileira. Mas não havia material pedagógico de qualidade. Os materiais didáticos retratavam muito um período histórico brasileiro, que foi o período da escravidão. Ou até mesmo traziam imagens pejorativas dos povos africanos e do próprio território”, conta.
Conexão Brasil-África
Moleque, caçula, mocotó. São algumas das palavras usadas pelos brasileiros sem nem imaginar que a origem está em África, mais precisamente no kimbundu. Para a professora Odara Dèlé, conhecer essa herança significa entender sua próprias raízes. É justamente essa lacuna que o aplicativo quer ajudar a preencher.
"Você tem a possibilidade de conhecer a cultura, a língua africana e a partir dela ser direcionado para a cultura afro-brasileira e entender quais são as suas origens. O aplicativo possibilita esse ensino, essa aproximação”, relata Odara.
Além de aprender diversas palavras em kimbundu, pelo aplicativo, os usuários aprendem o alfabeto, números, saudações, partes do corpo e nomes de animais. Odara Dèlé, que dá aulas na rede pública de ensino brasileira, conta que a recepção do Alfabantu pelos estudantes é positiva.
"O aplicativo em sala de aula surpreendeu e ao mesmo tempo nos deu o resultado desejado, que era os alunos compreenderem que o continente africano compõe vários países e tem uma multiplicidade de línguas. Compreender que [o continente africano] tem a sua importância no sentido de como influenciou as nossas vidas, as nossas histórias”, diz.
Aplicativo brasileiro ensina língua africana a crianças e adolescentes
Em expansão por Angola
Desde que foi lançado, há cerca de um ano, o Alfabantu teve mais de 7 mil downloads no Brasil e também em países como Angola e Moçambique. No momento, Odara Dèlé visita escolas na capital angolana de Luanda para divulgar o Alfabantu entre estudantes e professores. Outro objeto é revisar as informações disponíveis no aplicativo e coletar material para enriquecer ainda mais o vocabulário disponível. A professora conta ainda que está em diálogo com o governo angolano para implementar o projeto em instituições culturais.
O aplicativo Alfabantu está disponível para celulares com sistema Android e a expectativa é lançar, futuramente, também uma versão para iOS.
Os dez músicos brasileiros que mais se empenharam para fazer a ponte África-Brasil
A música torna-se um dos maiores aliados para eliminar diferenças e polémicas como, por exemplo, se o samba é brasileiro ou de Angola. Estes dez artistas colocam África em destaque de forma inovadora e revolucionária.
Foto: W. Montenegro
Viagens em livros e muita música
Martinho da Vila faz um verdadeiro manifesto anti-racista no livro "Kizombas, Andanças e Festanças", lançado pela primeira vez em 1972. O cantor e compositor, que assina alguns dos maiores sucessos da música brasileira, aparece no topo da lista dos músicos brasileiros que mais contribuíram para a ponte Brasil-África de acordo com diferentes instituições e especialistas ouvidos pela DW África.
Foto: Getty Images/R. Dias
"Marrom" graças ao amor pelas origens
Alcione Dias Nazareth, a Marrom, viajou diversas vezes para apresentações em países africanos, como Angola e Moçambique. Depois de 25 anos sem ir a Cabo Verde, a maranhense fez uma apresentação, em 2011, para celebrar os seus 40 anos de carreira. Do arquipélogo, inclusive, gravou "Regresso" (Mamãe Velha), composição histórica de Agostinho José que usou um poema de Amílcar Cabral.
Foto: Getty Images/F.Calfat
Sons e política em oração
Gilberto Gil, músico e ex-ministro da Cultura do Brasil, procurou desconstruir equívocos na música "Mão da Limpeza", em 1983, levando em conta o pejorativo termo de que "negro quando não suja na entrada, suja na saída". Cantada ao lado de Chico Buarque, valoriza a contribuição dos afro-brasileiros na gastronomia e cultura brasileiras. Em 1985, lançou a "Oração Pela Libertação da África do Sul".
Foto: FAO/Giulio Napolitano
"A carne mais barata do mercado é a carne negra"
Elza Soares é militante assumida numa carreira de mais de 60 anos e apresenta em muitas das suas músicas a realidade do negro, tomando como ponto central a mulher. Nascida na favela da Moça Bonita, Rio de Janeiro, em 1937, Elza não perde oportunidade para gravar canções como "A Carne", de Seu Jorge, Marcelo Yuca e Wilson Capellette. O mais recente trabalho é "A Mulher do Fim do Mundo" (2016).
Foto: Getty Images/K.Betancur
Composições e inspiração para novos artistas
Mateus Aleluia (esq.) morou 20 anos em Angola e sempre procurou ligações com outros artistas para dar vida à África perdida na história do Brasil. O músico nascido no estado brasileiro da Bahia inspira trabalhos de nomes como Carlinhos Brown, Nação Zumbi e Cidade Negra. Aleluia integrou o legendário "Tincoãs", nos anos 1970. Na foto, está ao lado de Bule-Bule (centro) e Raimundo Sodre (dir).
Foto: picture-alliance/ dpa/S.Creutzmann
Morena de Angola, Moçambique e Brasil
Clara Nunes (1942-1983) fascina quem pesquisa sobre o Brasil e está em África. O inédito nela é ter cantado sobre elementos fora do dia-a-dia das pessoas, como em "Mãe África", do marido Paulo César Pinheiro e Sivuca. Foi desta forma que rompeu paradigmas, vendendo mais de 100 mil cópias. É retratada no documentário Clara Estrela (2017), dirigido pelos brasileiros Susanna Lira e Rodrigo Alzugui.
Foto: W. Montenegro
O Sul do mundo em lágrimas
Milton Nascimento compôs a Missa dos Quilombos, em 1981, para denunciar as consequências da escravidão e do preconceito no Brasil. Criado por pais adotivos brancos, impulsionou a criação dos Tambores de Minas, nos anos 1990, e trabalhou com projetos envolvendo novos talentos. Com mais de 50 anos de carreira, escreveu Lágrima do Sul, ao lado de Marco Antônio Guimaraes, do grupo Uakti.
Foto: picture-alliance/dpa/M.Cruz
Afro-brasileiro fora da África e do Brasil
Desde o início da sua carreira, nos anos 1960, Jorge Ben Jor manteve-se mais próximo dos aspectos afro-brasileiros, afastando-se da Bossa Nova que dominava a cena musical brasileira. O guitarrista, cantor e compositor gravou "África Brasil", em 1976. É deixando-se ser marcado por esta influência que se apresenta em diversos pontos do planeta, como no Festival de Montreux, na Suíça (foto).
Foto: picture-alliance/dpa/S.Campardo
Sem dar adeus à Àfrica
Naná Vasconcelos (1944-2016) já começou sua carreira intitulando o primeiro disco de "Africadeus", em 1973. Respeitado no mundo inteiro por valorizar as culturas africana e negra em seu trabalho, ganhou oito prémios Grammy. De 1983 a 1990, foi o Melhor Percussionista do Ano, da revista Down Beat. Em 2010, o pernambucano reuniu meninas e meninos de Angola, Brasil e Portugal no projeto Língua Mãe.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Moreira
Revolução em lugares inesperados
Já no início da carreira, nos anos 1960, Maria Bethânia fazia invocações africanas e revolucionou aglutinando dois continentes dentro de boates! Com uma trajetória sólida, em 1986, gravou com o grupo sul-africano Lady Smith Black Mambazo. Ao lado de Mingas, Mia Couto e Agualusa, a intérprete baiana acaba de lançar o documentário "Karingana, Licença para Contar" (2017), de Monica Monteiro.