Apoios internacionais à desminagem em Angola em queda
Marta Melo
17 de janeiro de 2017
A redução da ajuda internacional tem reflexo no terreno. A Halo Trust teve um corte de pessoal de mais de metade. Apesar das dificuldades o resultado do trabalho é considerado positivo.
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Segundo dados divulgados pela Halo Trust, Mines Advisory Group e Ajuda Popular da Noruega, Organizações Não-Governamentais (ONG) que trabalham na desminagem em Angola, o financiamento internacional registou uma queda de 89% entre 2008 e 2015.
A informação é divulgada quando se assinalam 20 anos da visita da princesa Diana de Gales a Huambo (15.01.1997), que deu uma grande visibilidade ao problema.
Halo Trust reduz equipas em mais de metade
Em declarações à DW, José Pedro Agostinho, gestor adjunto de programa da Halo Trust em Angola, estima que as perdas de apoios internacionais à organização onde trabalha rondaram "aproximadamente 60 a 70 por cento” até ao ano passado. A situação teve consequências no trabalho desenvolvido pela ONG no terreno.
"Perdemos de tal maneira fundos e apoios que reduzimos a capacidade operacional de 1100 trabalhadores para 300. Operávamos em quatro províncias e tivemos de reduzir para duas províncias”, nota.Os desafios diários, como as dificuldades logísticas ou os trabalhos em zonas mais retomas, são considerados menores quando comparados com a falta de financiamento. "O problema principal é mesmo a falta de financiamento sem o qual não conseguimos manter o pessoal e isso resulta em perda de pessoal constante. Temos de estar a empregar e desempregar com frequência”, explica.
Crise na Europa
Foi em 2008 que se começou a sentir uma redução do apoio internacional, com três fatores a serem apontados. "Primeiro, havia uma crise na Europa; segundo que Angola devia financiar a sua própria desminagem; e terceiro Angola tem recursos suficientes e não precisa de ajuda financeira para tal. Mas na verdade isso não condiz com o que realmente acontece no terreno”, observa José Pedro Agostinho.
Atualmente apenas os Estados Unidos, o Japão e a Suíça estão a fazer donativos para estas operações. Estima-se que entre 2017 e 2025 sejam necessários entre 246 a 275 milhões de dólares americanos em financiamento para a conclusão da desminagem em Angola.
Washington anunciou que vai doar quatro milhões de dólares para o programa angolano de desminagem.
Os bons resultados da desminagem As minas continuam a afetar a vida da população e acidentes continuam a acontecer "com certa frequência”, nota José Pedro Agostinho. Porém os números não são claros: "os dados também não são muito precisos porque alguns dos acidentes não chegam aos ouvidos das autoridades ou ao sistema de saúde”.
Luanda tem compromissos internacionais para acabar com as minas no país até 2025. Nesta altura, decorre um reconhecimento de quantos campos de minas ainda existem. O trabalho deve estar concluído em julho próximo.
A última informação disponível é de Outubro de 2016, quando se estimava existirem no país ainda 1435 campos de minas.
Para José Pedro Agostinho, na Halo Trust desde 1995, "a desminagem tem sido um fator primordial no desenvolvimento de Angola”.
"O trabalho de desminagem possibilita que várias outras atividades económicas e socioeconómicas possam ser desenvolvidas, desde a agricultura, ao comércio, à construção de habitações, à educação e à saúde”, conclui.
Angola/Desminagem - MP3-Mono
Gonçalo Mabunda: a arte pacífica das armas
O artista moçambicano Gonçalo Mabunda transforma armas em objetos de arte para promover a paz no país. Mabunda recolhe as armas usadas em 16 anos de guerra civil para criar máscaras e cadeiras.
Foto: R. da Silva
Artista universal
Gonçalo Mabunda começou a trabalhar no meio artístico da capital moçambicana, Maputo em 1992. Na altura colaborava no Núcleo de Arte como assistente de galeria. Hoje expõe a sua arte em todo o mundo, tendo passado com as suas obras por cidades como Tóquio, Londres e Düsseldorf. Por onde passo,: “as pessoas quando vêem estes trabalhos ficam curiosas" e entusiasmadas, conta.
Foto: R. da Silva
Tronos irónicos
A oficina está cheia de restos de espingardas, AK-47, rockets e cadeiras feitas com recurso a estes artefatos. No seu site online, Mabunda diz que os tronos - uma das suas imagens de marca - funcionam como atributos do poder, símbolos tribais e peças tradicionais de arte étnica africana. São ainda um comentário irónico à experiência de violência que viveu em criança na guerra civil moçambicana.
Foto: R. da Silva
Recolha de material
Em 1995, o Conselho Cristão de Moçambique lançou o projecto "Transformar Armas em Enxadas". O projeto continua a ser um dos fornecedores do material de que o artista precisa para criar as suas peças. Mas hoje em dia, contou Mabunda à DW África "também consigo comprar artefactos de guerra já destruídos" na sucata.
Foto: R. da Silva
Arte com assistência
Gonçalo Mabunda precisa de assistentes para completar as suas obras. O material bélico desativado exige um tratamento especial para poder ser trabalhado artisticamente. Mabundo orienta os seus ajudantes. Mas acrescenta que também troca ideias com eles, criando uma obra conjunta. Algo que, na sua opinião, os políticos também deviam fazer.
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
O artista conta que muitas pessoas ficam impressionadas com a capacidade de transformar em arte positiva material usado para semear a morte e a miséria. Como ainda acontece em Moçambique hoje. Mabunda não poupa críticas aos governantes: "Estamos perante uma situação em que apenas um grupinho de pessoas é que decide sobre como é que queremos viver.”
Foto: R. da Silva
A cara da guerra
A situação de conflito que o país atravessa novamente preocupa o artista: “Foram 16 anos de guerra e 22 de paz. Quem nasceu em 1992 vivia em liberdade. E agora nem sei explicar como voltámos a esta situação.” Talvez por isso as máscaras que produz com o material de guerra tenham um ar mais assustado do que assustador.
Foto: R. da Silva
As armas falam de paz
As armas também podem falar de paz. Pelo menos aquelas que passaram pelas mãos de Mabunda. As máscaras que cria exprimem o horror da matança. O percurso de Mabunda passou pela África do Sul, mais precisamente Durban, graças à ajuda do artista sul-africano, Andreies Botha. Aos 18 anos, Mabunda teve a possibilidade de ali fazer um curso de metal e bronze, como contou ao semanário português Expresso.
Foto: R. da Silva
Reconhecimento internacional
Nascido em 1975, Mabunda trabalha como artista a tempo inteiro desde 1997. Optando por reciclar material bélico criou um estilo muito próprio, hoje reconhecido em todo o mundo. Sobreposta à arte está a mensagem de promoção da paz, num país em que as armas que falam da guerra ainda não se calaram.