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#ArewaMeToo: Hashtag contra o abuso na Nigéria

Katrin Gänsler
22 de março de 2019

Abuso e estupro são temas tabu no norte da Nigéria. As redes sociais começam a mobilizar-se em defesa das vítimas. Mas também a sociedade vai ter que mudar para combater estes crimes.

Foto: DW/K. Gänsler

Sumaya Abdul Aziz insiste em contar a sua história. A mãe de dez filhos não revela o seu nome verdadeiro por medo de repressão. Ainda assim considera ser importante que as pessoas na cidade nigeriana de Kaduna e no resto do país saibam o que aconteceu à sua filha de oito anos. "Um rapaz vizinho que, entretanto, deixou o bairro violou a menina no ano passado”.

O abuso deixou marcas visíveis, lembra-se a mãe. Sem dinheiro para levar a criança ao hospital para tratamentos, Sumaya Abdul Aziz não sabia o que fazer. Optou por tratar a filha com medicina tradicional.

A mãe também não se esqueceu das ameaças proferidas pelo violador e a sua família, se apresentasse queixa na polícia: "Nesse caso eles diriam que a menina tinha mentido. Ameaçaram processar-nos por calúnia." A mãe sentiu não ter alternativa: "Desisti e deixei tudo nas mãos de Deus. Somos pobres e não temos dinheiro para fazer nada." Passados alguns meses, ela espera nunca mais ter que ver o violador.

Hashtag traz casos ao público

#ArewaMeToo: Hashtag contra o abuso na Nigéria

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No estado nigeriano de Kaduna e na capital provincial com o mesmo nome, a maioria das violações termina desta forma: sem acusações, investigações ou condenações. A advogada e juíza Saadatu Hamma estima que em 98% dos casos não se apresentadam queixas. "E quando um caso vai a tribunal, normalmente os pais da vítima acabam por solicitar que o processo seja arquivado. Ou sabotam e frustram o trabalho da polícia e dos procuradores. Não costuma haver condenações", diz Hamma.

Um novo hashtag, #ArewaMeToo, que está a ser partilhado nas redes sociais, poderá servir para quebrar o silêncio. O termo é composto de Arewa, a palavra haúça para "norte”, e a hashtag #MeToo, conhecida desde 2017, e sob a qual as mulheres em redor do mundo relatam experiências de abuso sexual.

Maryam Aiwasu é tida como a autora de #ArewaMeToo. Aiwasu foi mesmo temporariamente detida por alegadamente alguém ter sido identificado na plataforma social Twitter como autor de uma violação. A organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional exigiu imediatamente a libertação da ativista.

Entretanto surgiu também o hashtag #ArewaMeTooMinna que se refere explicitamente a violações no estado federado do Níger. Segundo Saadatu Hamma, foram assim divulgados vários casos de violação. "Falámos com algumas pessoas. São casos muito tristes. Não consigo imaginar a tortura que as raparigas sofreram."

Muitas razões para o silêncio

A ativista Aisha Usman presta assistência a crianças e adolescentes vítimas do estuproFoto: DW/K. Gänsler

Mas Hafsat Mohammed Baba, Ministra dos Assuntos das Mulheres e do Desenvolvimento Social em Kaduna ataca a iniciativa. Para a ministra, o hashtag é "inútil". Baba aponta acusações falsas feitas nas redes sociais, o que levou a polícia a investigar casos de calúnia. "Pode até acontecer que os casos vão a tribunal." Hafsat Mohammed Baba adverte contra tentativas de fazer justiça pelas próprias mãos. Insiste que cabe às autoridades competentes levara cabo investigações e não a cidadãos privados. A ministra concorda, no entanto, ser importante que as vítimas delatem casos de abuso: "Quem cala não recebe assistência".

Apesar de começar a ser assunto nas redes sociais, continua a ser difícil falar publicamente sobre o estupro. Uma das razões, diz Saadatu Hamma, é que as vítimas são cada vez mais jovens. "Já vimos casos de bebés com um ano de idade. As crianças muitas vezes têm muito medo e não falam sobre isso", diz Hamma. Além disso, as famílias das vítimas sentem-se desonradas. Os pais temem que as filhas violadas não encontrem marido e que a notícia do estupro arruíne a reputação da família.

A comunidade cobre os violadores

Para a ativista dos direitos das mulheres Aisha Usman, que submete crianças e adolescentes a testes de SIDA/HIV após uma violação, o abuso também tem muito a ver com a situação social dos pais. As vítimas geralmente vêm de famílias pobres: "Os filhos de homens ricos nunca são estuprados. São as crianças socialmente mais fracas que são violadas", diz Usman. E estas são facilmente intimidadas e chantageadas. Quem não tem dinheiro para as necessidades diárias dos filhos também não têm dinheiro para ir à polícia ou ao tribunal.

Aisha Usman também critica a comunidade por cobrir os violadores. Sobretudo os líderes de opinião religiosos recusam-se a prestar um trabalho de esclarecimento. "Quando algo acontece na comunidade dizem: `Somos todos muçulmanos. Não devemos tornar públicas estas coisas. São uma vergonha para a nossa religião e para a nossa comunidade'". 

 

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