Argélia: Pressão continua após concessão de Bouteflika
Lusa | AP | AFP | Reuters | tm
13 de março de 2019
Na Argélia, retirada da candidatura presidencial de Abdelaziz Bouteflika e adiamento das presidenciais não marcam recuo no campo presidencial, diz analista. Ex-ministro Lakhdar Brahimi deverá orientar transição política.
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Após a retirada da candidatura a um quinto mandato do Presidente da Argélia Abdelaziz Bouteflika, anunciada nesta segunda-feira (11.3), e o adiamento das presidenciais de 18 de abril, analista considera que o fato não marca um recuo do campo presidencial, nem uma vitória da contestação.
Segundo a professora de Ciências Políticas na Universidade Argel 3, Louisa Dris-Aït Hamadouche, em declarações à agência de notícias AFP, a mobilização da próxima sexta-feira (15.3) - a quarta consecutiva de manifestações -, dirá se as propostas de Bouteflika conseguiram, de facto, acalmar os protestos. "Se a mobilização continuar forte a nível nacional a resposta a estas propostas será evidente", disse.
Nesta quarta-feira (13.3), professores começaram a se manifestar no centro da capital, Argel, pela manhã, antes de serem gradualmente acompanhados por muitos estudantes, privados de aulas. Cerca de mil pessoas estavam no local para protestar contra a extensão "sine die" [sem data fixa] do quarto mandato do Presidente Abdelaziz Bouteflika e por "um futuro melhor", relatou um jornalista da AFP.
"Concessão inédita"
Face a uma contestação inédita desde à sua chegada à presidência, há 20 anos, o chefe de Estado argelino anunciou nesta segunda-feira que não disputará um quinto mandato e que as eleições de 18 de abril serão adiadas até que uma nova data seja marcada por uma "Conferência Nacional". Esta deverá elaborar uma nova constituição, a aprovar em referendo.
Para a analista argelina Louisa Dris-Aït Hamadouche, as propostas apresentadas na segunda-feira por Bouteflika são "uma reprodução das propostas da carta de 3 de março, na qual anunciava a sua candidatura", disse. "Estamos na mesma lógica e filosofia, o que explica as reações globalmente hostis", acrescentou.
Na apresentação da sua candidatura ao Conselho Constitucional, Bouteflika comprometia-se a, caso fosse eleito, não cumprir a totalidade do mandato e retirar-se após presidenciais antecipadas, marcadas após uma "conferência nacional" para "debater, elaborar e adotar reformas políticas, institucionais, económicas e sociais".
Com isso, o Presidente argelino empenhava-se na "elaboração e adoção, por referendo popular, de uma nova Constituição". Entretanto, segundo explicou a referida analista, "a utilização da noção de retirada [da candidatura presidencial] visava criar o sentimento de uma vitória", mas o Presidente prolonga o seu mandato e "autoproclama-se garante do processo" de transição.
A professora universitária assinala ainda que "não há retirada porque não há presidenciais" e quanto à data do próximo escrutínio para escolher o chefe de Estado, diz que "o prazo de um ano que foi mencionado" parece-lhe "muito curto". "É preciso organizar a Conferência Nacional, elaborar e redigir uma nova Constituição, fazê-la aprovar por referendo e organizar presidenciais. E tudo isto leva tempo", argumentou.
Transição política
Após os recentes protestos em massa, o veterano diplomata Lakhdar Brahimi é o esperado para orientar a transição política da Argélia. É visto como um possível candidato presidencial, e está próximo de Bouteflika.
O diplomata ganhou respeito de líderes estrangeiros e da elite política de seu país durante sua longa carreira. Brahimi foi ministro das Relações Exteriores e é um peso-pesado do establishment político argelino.
Em declarações à televisão estatal, após o anúncio de Bouteflika de que não se candidataria a um novo mandato, afirmou que "a voz do povo foi ouvida". "Os jovens que tomaram as ruas agiram com responsabilidade, transmitindo uma boa imagem do país. Nós devemos transformar esta crise num processo construtivo", acrescentou o veterano diplomata.
Entretanto, sua nomeação pode não funcionar bem com manifestantes exigindo mudanças rápidas. Aos 85 anos, Brahimi é três anos mais velho que o atual Presidente Bouteflika e da mesma geração que liderou a política do país desde a Guerra de Independência Argelina contra a França (1954-1962).
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.