Argelinos votam em referendo para criar "nova Argélia"
Lusa
1 de novembro de 2020
Cerca de 25 milhões de argelinos são chamados a referendar revisão constitucional impulsionada por Abdelmadjid Tebboune. Chefe de Estado prometeu reduzir poderes presidenciais, mas texto não menciona qualquer diminuição.
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O Presidente Abdelmadjid Tebboune quer virar a página da sua contestada eleição e da revolta popular, o "Hirak", mas após uma campanha eleitoral que não despertou entusiasmo, Tebboune pode ver a sua iniciativa de um referendo para criar "uma nova Argélia" prejudicada por uma baixa participação, segundo a agência de notícias France-Presse.
Desde a sua tomada de posse, a 19 de dezembro de 2019, no dia a seguir a eleições marcadas por uma abstenção recorde, Tebboune prometeu reformar a Constituição de 1996, estendendo a mão aos contestatários do "abençoado Hirak". Mas estes rejeitaram um texto visto como uma "mudança de fachada", quando a rua exigia uma "mudança de regime", e agora defendem o boicote ao referendo. Ao contrário, os islamitas participarão na votação, embora a maioria esteja pelo "não", por considerar o projeto demasiado "laico".
Os argelinos deverão responder à pergunta: "Concorda com o projeto de revisão da Constituição que é proposto?". Os partidários do "sim" integram os membros do Governo, os partidos da antiga coligação no poder, como a Frente de Libertação Nacional (FLN, do presidente Abdelaziz Bouteflika, afastado do poder em abril de 2019 sob pressão do 'Hirak' e do exército), e os meios de comunicação social públicos.
Regime presidencial mantém-se
A data do referendo, 1 de novembro, é a do aniversário do início da guerra da independência contra a potência colonial francesa (1954-1962) e o 'slogan' oficial da campanha para o referendo foi: "1954: a libertação, novembro 2020: a mudança".
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No entanto, a nova lei fundamental, embora destaque uma série de direitos e liberdades para responder às aspirações do movimento de protesto popular, mantém um regime presidencial e alarga as prerrogativas do exército.
Tebboune prometeu uma redução dos poderes presidenciais, mas o texto não menciona qualquer diminuição, já que o chefe de Estado continuará a nomear o primeiro-ministro, membros do governo, um terço do Senado, os presidentes de câmara, os magistrados e os responsáveis pelos órgãos de segurança.
Novidade é a limitação dos mandatos presidenciais a dois, com a duração de cinco anos, num artigo que não poderá mais ser revisto.
A nova Constituição estipula que "o exército defende os interesses vitais e estratégicos do país" e permite que os militares possam realizar missões de manutenção da paz fora das fronteiras da Argélia, o que suscitou críticas no país.
Os "direitos fundamentais e liberdades" contam com mais de 40 artigos, que garantem liberdade de imprensa, criação de partidos, associações ou sindicatos, assim como liberdade de comércio e investimento. Não foi esquecida a proteção dos direitos das mulheres, agora mais abrangentes.
O berbere (tamazight) passa a língua oficial e nacional.
Força do 'Hirak' à prova
Quase 20 meses depois do surgimento da contestação, numa escala sem precedentes, o referendo constitui um teste para um 'Hirak' enfraquecido pela repressão e pela interrupção forçada das manifestações devido à pandemia do novo coronavírus.
Para Louisa Ait-Hamadouche, professora de Ciências Políticas na Universidade de Argel, a força do 'Hirak' será avaliada pela taxa de abstenção no referendo e pela manutenção da sua natureza pacífica e cívica.
O politólogo Hasni Abidi, especialista em Argélia e mundo árabe, considera que "o Presidente Tebboune está numa situação delicada", numa altura em que o exército voltou a ser o "verdadeiro detentor" do poder. Referindo que "a taxa de participação é um indicador da adesão dos eleitores", Abidi alerta: "é necessário que os números não sejam alvo de retoques, habituais em tais circunstâncias".
"Nesse caso, a Argélia terá perdido uma oportunidade inédita de fazer parte de um processo sincero de transição democrática", adianta.
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.