A organização Human Rights Watch denunciou esta semana que terroristas recrutaram "centenas" de crianças e rapazes para combater as forças moçambicanas. "Disseram-nos que tínhamos que matar", conta sobrevivente.
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"Eu estava escondida dentro de casa quando ouvi a voz dele e chequei o lado de fora da janela. Vi-o com um grupo de cerca de outros doze meninos, todos a vestir calças de camuflagem e com uma faixa vermelha à volta da cabeça".
O dia 24 de março foi uma das últimas vezes que esta mulher moçambicana viu o filho de 17 anos. O rapaz foi raptado por terroristas em Cabo Delgado no grande ataque armado a Palma, no norte de Moçambique.
Os atacantes armados encontraram a sua família de sete pessoas numa quinta, onde se tinham escondido durante dois dias dos combates.
"Eu estava de joelhos a implorar aos Mashababos [o nome popular local para os grupos terroristas] que me levassem no seu lugar, enquanto a minha mulher agarrava as calças do meu filho para o impedir de se ir embora", conta o pai do jovem.
"Um dos homens bateu na cabeça da minha mulher com uma AK-47 [espingarda] para a forçar a libertar [o nosso filho], enquanto o outro homem ameaçou matar-nos a todos se não deixássemos o rapaz ir", contou.
A família de sete membros estava escondida numa quinta, quando foi atacada pelos terroristas. A mãe viu o filho mais uma vez em maio antes de deixar Palma em busca de refúgio.
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Centenas de raptos
Estes relatos foram colhidos pela organização internacional de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), que denuncia o recrutamento de crianças-soldato por terroristas do Al-Shebab, ligado ao grupo "Estado Islâmico", para engrossar as fileiras de combate contra as forças governamentais.
Na quinta-feira (29.09), a organização relatou que o grupo armado já raptou centenas de rapazes, que recebem treinamento em bases em toda a província de Cabo Delgado e são forçados a lutar ao lado de adultos contra as forças do Exército moçambicano.
Entre os raptados, há crianças de apenas 12 anos de idade. Em Palma, os pais relatam terem visto os seus filhos com armas nas mãos quando regressaram com os combatentes para invadir aldeias.
"Usar crianças para o combate é cruel, ilegal e nunca deveria acontecer", disse Mausi Segun, diretora da HRW para África numa nota. "O Al-Shebab de Moçambique deve parar imediatamente de recrutar crianças e libertar cada uma delas das suas fileiras", exortou.
A HRW destaca que as ações dos terroristas violam a proibição internacional do uso de crianças-soldado.
O relato de uma antiga criança-soldado
Um jovem relatou à HRW que foi raptado a 18 de abril de 2020 junto com dois amigos de 16 anos numa aldeia durante o ataque a Mocímboa da Praia.
O rapaz disse que os terroristas discutiram a possibilidade de decapitar os três, porque tinham um estilo de cabelo alegadamente contrário às regras do Islão. Mas, por fim, decidiram forçá-los a caminhar com os olhos vendados pela floresta até uma base do Al-Shebab em Mbau.
"Juntamo-nos a muitos outros rapazes e meninos e fomos treinados sobre como usar armas e facas no combate. Disseram-nos que tínhamos que matar e lutar pela nossa terra e proteger nossa religião, que está sob ataque em Moçambique", contou a antiga criança-soldado.
O jovem conseguiu escapar um mês depois durante uma patrulha, mas vive com medo constante de ser novamente capturado pelos terroristas.
Treinos militares em Mocímboa da Praia
Duas mulheres disseram que o grupo terrorista raptou os seus filhos em Mocímboa da Praia, em agosto de 2020, quando a cidade portuária foi tomada.
Três outras mulheres contaram à HRW que conseguiram escapar de uma base do grupo terrorista em Mbau, onde há "centenas de rapazes". "Comportam-se como homens adultos, escolhendo mesmo 'esposas' entre as raparigas raptadas", disse uma das entrevistadas.
Outra mulher raptada em março, em Palma, e que conseguiu escapar relatou que foi levada com centenas de mulheres e rapazes em três camiões para Mocímboa da Praia, onde foram mantidos em cativeiro.
"Os rapazes foram levados para treino militar em Mbau e Macomia. Após o treino, foram trazidos de volta para receberem aulas islâmicas e instruções para atacarem as aldeias", disse.
Graves violações
O Protocolo Facultativo das Nações Unidas à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados, proíbe grupos armados não estatais de recrutar crianças menores de 18 anos. O documento foi ratificado por Moçambique em 2004.
Esperança para ex-crianças-soldado
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O recrutamento, alistamento ou utilização ativa de crianças com menos de 15 anos de idade em hostilidades ativas durante conflitos armados é classificado como crime de guerra pelo Estatuto de Roma.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera a utilização de crianças em conflitos armados uma das piores formas de trabalho infantil.
"O uso crescente de crianças como combatentes pelo Al-Shebab é o último capítulo horripilante da violência em Cabo Delgado. As autoridades moçambicanas devem tomar medidas urgentes para proteger as crianças, para que permaneçam com as suas famílias e na escola, e para não sejam exploradas como armas de guerra", afirmou Mausi Segun, diretora da HRW para África.
Em junho de 2021, a organização humanitária Save the Children estimou que grupos armados raptaram pelo menos 51 crianças, a maioria raparigas, durante o ano de 2020 em Cabo Delgado.
Antigas crianças-soldado lutam agora contra o coronavírus
A guerra civil na República Centro-Africana (RCA) envolveu milhares de crianças em grupos armados. Aquelas que tiveram a sorte de escapar estão agora a ajudar vizinhos a protegerem-se da pandemia de Covid-19.
Foto: Jack Losh
Coronavírus: Um novo inimigo
Uma equipa de antigas crianças-soldados e crianças de rua cava um poço para beneficiar moradores de um bairro pobre na capital da República Centro-Africana, Bangui. Os jovens ajudam a melhorar a higiene em áreas onde moradores vivem amontoados. O projeto da UNICEF instalou poços para 25 mil pessoas e começou antes de o coronavírus chegar à região. Agora ajuda a RCA a lutar contra a pandemia.
Foto: Jack Losh
Perfuração pela paz
Um jovem pressiona um mecanismo que os seus companheiros giram manualmente para perfurar um poço. O projeto da UNICEF é também uma forma de reabilitação social, porque oferece aos adolescentes um trabalho remunerado enquanto superam o passado violento. Também encoraja a comunidade a aceitá-los de volta. O programa foi criado em 2015, e agora integra o plano de resposta ao coronavírus.
Foto: Jack Losh
Trabalho sujo
Crianças-soldados agacham-se para retirar a terra à mão. Existem mais de 3,9 mil casos confirmados de coronavírus na RCA, embora a limitação de testes no país leve a crer que o número real seja maior. O grupo de trabalho de escavação de poços acelera a instalação de novos tubos e furos a nível nacional. Quase 80% dos lares na RCA não dispõem de instalações para lavagem das mãos.
Foto: Jack Losh
Corações e mentes vencedoras
Crianças reúnem-se para observar a escavação dos poços. As antigas crianças-soldados enfrentam rejeição - o que pode aumentar as suas hipóteses de serem novamente recrutadas. As intervenções que promovem a aceitação são cruciais. Como explicou uma delas: "Este trabalho pode mudar a minha vida. Finalmente tenho algum dinheiro. E estou a ajudar estas comunidades e o meu país".
Foto: Jack Losh
Terra marcada
Sepulturas não marcadas na periferia de Bossangoa, no noroeste da RCA. Civis massacrados no conflito foram enterrados aqui. Após décadas de instabilidade, a guerra eclodiu em 2013, quando uma aliança principalmente muçulmana de grupos rebeldes, a Séléka, varreu o país e derrubou o Presidente. Em resposta, comunidades cristãs e animistas mobilizaram-se para formar as milícias "anti-balaka".
Foto: Jack Losh
Acordo de paz desgastado
Um soldado rebelde da "FPRC" fica de guarda num posto de controlo no norte da RCA. Os rebeldes controlam grande parte do país e - apesar da assinatura de um acordo de paz em fevereiro passado entre o governo e 14 grupos armados - a instabilidade persiste. Nos últimos meses, intensificaram-se confrontos entre grupos armados rivais pelo controlo da zona rica em minerais.
Foto: Jack Losh
"Crianças, não soldados"
Uma placa de sinalização da UNICEF em Bossangoa alerta contra o recrutamento de crianças em conflitos armados. Entre 2014 e 2019, mais de 14,5 mil crianças-soldado foram libertadas das milícias da RCA. No entanto, estima-se que 5,550 crianças permaneçam nas mãos de grupos armados. Muitas são vítimas de abuso sexual, outras são combatentes e outras servem como cozinheiras, guardas ou mensageiras.
Foto: Jack Losh
Educação contra estatísticas
Crianças reúnem-se dentro de uma sala de aula improvisada debaixo de lonas, num acampamento para famílias deslocadas pelo conflito em Kaga Bandoro. Mais de 1,3 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. Em média, uma em cada cinco crianças não frequenta a escola. Mas nas áreas mais afetadas, o número chega a quatro em cada cinco.
Foto: Jack Losh
Civis sitiados
Uma força de manutenção da paz da ONU dirige-se em patrulha por um campo de deslocados na cidade de Bria, no leste, capturada por rebeldes. Uma placa à entrada adverte guerrilheiros sobre a entrada de armas. As condições apertadas e insalubres de campos como estes também aumentam o risco de propagação do coronavírus.
Foto: Jack Losh
Resiliência face à guerra
Os civis sentam-se na parte de trás de um camião enquanto conduzem através do território detido pela facção FPRC no nordeste da RCA. A ONU adverte que o país está muito mal preparado para fazer face a um surto de coronavírus. O conflito complexo e sectário devastou o fraco sistema de saúde da RCA e forçou o pessoal médico a fugir. Atualmente, metade da população depende do apoio humanitário.
Foto: Jack Losh
Uma luta penosa
Uma criança leva água e passa por um soldado das forças de manutenção da paz perto de um campo de deslocados em Bria, uma área controlada por rebeldes. O ACNUR está a instalar pontos de água nos campos e explica aos residentes a importância da lavagem das mãos. Encarregados pela ajuda humanitária advertiram que há pouco recurso para satisfazer as necessidades da população.
Foto: Jack Losh
Tentar manter a paz
Mulheres passam por um veículo blindado da ONU, que foi retido por rebeldes em Kaga Bandoro. Há receios de que a Covid-19 intensifique as tensões entre as comunidades, gerando aumento de preços e paralisando o fornecimento de ajuda. Com as eleições presidenciais marcadas para dezembro, este é um ano crucial para a RCA. Observadores temem que as hostilidades aumentem na campanha eleitoral.
Foto: Jack Losh
Atacar violadores
Os adolescentes jogam futebol num campo de terra, numa área para deslocados em Kaga Bandoro. Embora os números possam ser muito mais elevados, mais de 500 violações graves dos direitos da criança foram relatadas no ano passado. Estão em curso esforços para levar os senhores da guerra à justiça, mas a corrupção generalizada torna tudo mais difícil.
Foto: Jack Losh
Um lampejo de esperança
Antigas crianças-soldados terminam a perfuração do seu novo poço em Bangui. A terapia profissional está fora do alcance de muitos por aqui. Mas projetos como este ajudam a lidar com sentimentos de vergonha e de culpa e a criar uma sensação de normalidade. Embora não seja de modo algum uma solução perfeita, iniciativas de base como esta oferecem às crianças da RCA um pouco mais de esperança.