Não é fácil deixar a Guiné-Bissau e estudar em Portugal. Conciliar o trabalho com os estudos é um dos problemas que muitos estudantes guineenses enfrentam. Por vezes, o idioma é outra barreira.
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Como financiar os estudos? Este é um dos principais problemas enfrentados pelos estudantes da Guiné-Bissau recém-chegados a Portugal. As bolsas existentes nem sempre contemplam estudantes estrangeiros. Faltam políticas para integrar estes jovens e até mesmo para os auxiliar no regresso ao país de origem.
Maria Amado está a fazer o mestrado em Economia Social e Solidária no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa. Veio da Guiné-Bissau em fevereiro de 2011 para tratamento médico, mas fez o 12º ano e acabou por se inscrever no curso de Ciências Políticas. Por não dominar a língua portuguesa, enfrentou dificuldades em Lisboa.
"Quando as pessoas falavam comigo, no primeiro ano de licenciatura, parecia-me que estavam a falar outra língua, justamente por falarem muito rápido", diz a estudante, que só conseguiu romper a barreira da língua com a ajuda de um colega.
Já Marinho Pina chegou a Portugal em 2006 para estudar Arquitetura. Sem bolsa, o guineense teve de arranjar um trabalho para financiar os estudos. "Começámos o curso na Guiné-Bissau. O curso é caro, não havia como sustentá-lo e fez-se um acordo com a Universidade Lusófona. Temos um desconto de propinas, mas temos de pagar os outros emolumentos integralmente", conta.
A maior parte dos estudantes guineenses está em Portugal por conta própria, sem bolsa de estudo, garante Tcherno Baldé, o presidente da Associação de Estudantes Guineenses de Lisboa. Só os estudantes de nacionalidade portuguesa se podem candidatar às bolsas do Ensino Superior, diz - a exceção é para quem tem residência permanente, mas para isso é preciso estar cinco anos a residir em Portugal em situações legais, o que nem sempre acontece.
Achar trabalho também pode ser difícil, refere Tcherno Baldé.
Em muitos casos, os estudantes não conseguem emprego devido às limitações legais impostas pelo título de residência. Ou precisam de uma autorização prévia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para poderem trabalhar. Há, por isso, casos de jovens guineenses que não conseguem prosseguir os estudos por dificuldades financeiras.
Por outro lado, quando terminam o curso encontram trabalhos precários, noutras áreas - uma lástima face ao investimento, diz Tcherno Baldé.
Protestos em Penacova
Em setembro, 46 jovens protestaram em Penacova contra as más condições da residência que lhes foi destinada. Os estudantes chegaram a Portugal ao abrigo de um acordo entre o Ministério da Educação da Guiné-Bissau e a Escola Profissional de Beira Aguieira, no centro do país.
20.10.16 Estudantes guineenses em PT - MP3-Mono
"São estudantes de 16, 17, 20 anos, são crianças e adolescentes que estão naquela situação e deviam merecer mais atenção e mais respeito por parte das nossas autoridades", diz o presidente da Associação de Estudantes Guineenses.
À DW África, uma fonte da Embaixada da Guiné-Bissau em Lisboa disse estar a acompanhar os esforços encetados por várias instituições (portuguesas e guineenses) para garantir as condições necessárias para que os jovens possam concluir os estudos.
Várias associações de estudantes guineenses decidiram lançar uma campanha nacional para recolher bens destinados a apoiar os referidos jovens.
Retorno à Guiné-Bissau
Estes problemas foram debatidos entre 8 e 9 de outubro em Coimbra, durante o Encontro dos Estudantes Guineenses. Para além das dificuldades em integrar os jovens na sociedade portuguesa, discutiu-se ainda a ausência de políticas que auxiliem os formados a regressarem ao seu país de origem.
Marinho Pina, por exemplo, é um dos estudantes que sonha um dia voltar à Guiné-Bissau: "O meu projeto é trabalhar com os miúdos da minha terra, Sonaco, uma área bem remota do meu país. Quero ajudar as crianças ali a sonharem mais alto, porque eu também tive a sorte de alguém me mostrar que existe mais do que diziam ser a minha vida ali."
Puxar a vida numa carreta na Guiné-Bissau
Abandonaram os seus países de origem em busca de melhores condições. Pela falta de alternativas que muitas vezes encontram, muitos jovens sujeitam-se a trabalhos pesados e puxam carretas para sustentar as famílias.
Foto: DW/B. Darame
Em busca de um sonho
São carretas como estas que sustentam várias famílias dos guineenses da Guiné-Conacri. Lamine Sissé, um jovem da etnia mandinga de 26 anos, conta que com a sua carrinha "Hummer" - como a apelida - conseguiu poupar dinheiro suficiente para financiar o seu casamento no seu país. Lamine diz que apesar dos guineenses não aceitarem bem esta forma de rendimento, o seu trabalho é digno e rentável.
Foto: DW/B. Darame
Deixar tudo para trás
Abubacar Jáquete nasceu na região de Boke na Guiné-Conacri, próximo da fronteira com a Guiné-Bissau. Tem 27 anos e deixou uma esposa e quatro filhos para trás. Quando emigrou, pretendia encontrar trabalho na construção, mas o objetivo falhou. Decidiu, então, trabalhar como empregado de carreta. Levanta-se muito cedo todos os dias, e carrega sob sol e chuva, todos os tipos de mercadoria.
Foto: DW/B. Darame
A carregar pela rua
Abandonam os seus países de origem em busca de melhores condições que lhes permitam construir um futuro mais sólido. Pela falta de alternativas que muitas vezes encontram, estes jovens sujeitam-se a trabalhos pesados, que exigem muito esforço físico.
Foto: DW/B. Darame
A desordem que dificulta
A maioria das pessoas que se dedicam a este trabalho são originais da Guiné-Conacri, país vizinho da Guiné-Bissau. O preço para transportar a carga varia entre os 5 e os 10 euros, dependendo da distância percorrida e do volume da carga. Contudo, enfrentam grandes dificuldades neste transporte, nomeadamente nas subidas e nas estradas desorganizadas de Bissau.
Foto: DW/B. Darame
Puxando nas ruas de Bissau
Os citadinos da capital acabam por recorrem ao transporte de cargas através de carretas por falta de alternativas. Fazem-no porque o transporte é barato e também porque estes carros de mão conseguem circular em zonas de difícil acesso.
Foto: DW/B. Darame
Cargas inimagináveis
Muitos destes homens chegam a carregar uma tonelada de mercadoria. Levam consigo quase tudo, desde sacas de arroz, caixas de cerveja, ferros, cimentos, imóveis para casas. Transportam essas cargas pela berma da estrada, por mais de duas dezenas de quilómetros, entre viaturas e pessoas.
Foto: DW/B. Darame
Reabastecer o comércio
Em diferentes recantos da capital estes meios de transporte assumem o caráter de pronto-socorro. Os grandes e os pequenos comerciantes usam-nas para transportarem as mercadorias para o interior das suas lojas.
Foto: DW/B. Darame
Transportadores de água em crises
Em tempos de crise de água em Bissau, os citadinos recorrem aos transportadores de carretas para transporte de bidões de 50 litros de água. Bacar Mané, pai de 7 filhos, chegou a transportar cerca de 100 bidões de 50 litros para mais de quatro bairros periféricos, prefazendo cerca de 20 quilómetros por dia.
Foto: DW/B. Darame
Nem todas as carretas são iguais
Pela diferença de dimensão que as carretas têm, percebe-se que existem dois tipos destes carros de mão em Bissau. Um, o mais comum, é utilizado nos trabalhos de obra e assegura o transporte de pequenos produtos. Outro (na imagem), com uma estrutura mais rigída, tem rodas de viatura ligeira e ferros cruzados, para transporte de cargas mais pesadas e de maior volume.
Foto: DW/B. Darame
A entrega
O último passo do transporte é a respetiva entrega da mercadoria aos seus destinatários. Atualmente, mais de mil jovens dedicam-se a esta atividade no país.
Foto: DW/B. Darame
E tudo recomeça na manhã seguinte
Os jovens aguardam pacientemente pelos fornecedores que irão descarregar os seus produtos nos armazéns, situados na principal avenida de Bissau. Às 7 horas da manhã, inundam paragens de transportes coletivos, portos e mercados informais. Vão cedo para garantirem entregas e trabalho para o dia que se avizinha.