África é o continente mais afetado pelas alterações do clima, na origem de secas, enchentes e ondas de calor. É com expetativas elevadas que os africanos se deslocam à COP24. O risco de uma desilusão é grande.
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No que toca o clima, as perspetivas africanas são sombrias. "É triste, mas a verdade é que os países africanos são os que menos contribuem para a mudança do clima, mas os que mais sofrem”, disse à DW Seyni Nafo, porta-voz da delegação africana na Conferência do Clima 2018 (COP24) em Katowice, na Polónia, de 3 a 14 de dezembro.
A frequência das secas, chuvas torrenciais e enchentes aumentou em várias áreas e as consequências são graves. Dependendo do país, os danos reduzem o produto bruto interno em cinco a dez por cento. "As pessoas não sentem que as conferências do clima tenham tido qualquer impacto nas suas vidas até agora. Mas sentem as consequências das alterações climáticas todos os dias”, queixa-se o ativista nigeriano Nnimmo Bassey em entrevista com a DW.
O pior para África ainda está para vir, avisam as Nações Unidas, que contam com escassez de água para até 250 milhões de africanos em 2020 por causa do aquecimento global. Caso a temperatura suba mais que dois graus centígrados, metade de todos os africanos poderão sofrer de escassez alimentar. "A mudança do clima tem o potencial de destruir todo o nosso desenvolvimento”, adverte o chefe da delegação africana em Katowice, Nafo.
"A mais importante conferência do clima até à data”
Os africanos esperam que a conferência COP24 traga a viragem nas políticas ambientais. "Na minha opinião e depois de Paris 2015, esta é a conferência do clima mais importante de sempre”, afirma James Murombedzi, especialista ambiental da Comissão Económica para a África das Nações Unidas (CEA).
Cabe aos delegados chegar a um acordo sobre as regras para concretizar o objetivo mais importante de Paris: limitar o aumento da temperatura da terra a 1,5 graus centígrados. O que só será possível, se deixarem completamente de ser emitidos gases com efeito de estufa a partir de 2050, depois de serem substancialmente reduzidos no período precedente. Os especialistas concordam que as medidas até agora tomadas pela comunidade internacional não bastam para alcançar esta meta.
A delegação africana também quer ver concretizada rapidamente uma segunda promessa feita em Paris. Na altura, os países ricos concordaram em conceder mais ajudas às nações pobres na adaptação à mudança do clima. Está previsto um pagamento anual de 100 mil milhões de dólares norte-americanos a partir de 2020. Mas faltam comprometimentos concretos. "Vamos providenciar para que a assistência prometida comece realmente a ser vertida”, promete Nafo.
Alguns peritos acreditam que 100 mil milhões de dólares por ano não chegam para resolver o problema. A África vive da agricultura. E esta exige enormes investimentos para se tornar resistente ao clima. Por exemplo: "São necessários maiores investimentos nos sistemas de irrigação”, diz o especialista da ONU Murombedzi. Também a sociedade civil quer que se passe finalmente à ação. "Não se trata de amor ao próximo, trata-se de justiça”, afirma o ativista Bassey.
As expectativas de África na Conferência do Clima COP24
„O planeta está em chamas!”
Mas será possível atingir estes objetivos? Os Estados Unidos da América já se retiraram do pacto do clima. O Brasil acaba de retirar a candidatura que mantinha para ser anfitrião da COP25, sublinhando a falta de interesse pelo tema do novo Presidente Jaír Bolsonaro. Ainda assim, Seyni Nafo tem esperanças: "A alteração do clima é um desafio que só podemos solucionar juntos. Vemos um grande interesse de muitos países em salvar o processo multilateral”. Mas não vai ser fácil, acrescenta. "Combater a alteração climática quer dizer reformar os sistemas económicos e mudar o modo de vida de sociedades inteiras no que toca o consumo e a mobilidade. Mas parece que sobretudo os países mais desenvolvidos falta a vontade política de assumir os custos mínimos”, diz o perito Murombedzi.
O ativista Bassey também se mostra cético: "Espero que os delegados se deixem conduzir pelo coração e não pelo expediente político. Caso contrário esta vai ser mais uma conferência do clima igual a todas as outras, onde se fala interminavelmente dos problemas enquanto o planeta arde”.
África exige justiça ambiental
Cientistas dizem que a Terra poderá aquecer até quatro graus até ao fim do século. A África já sofre com o aquecimento global. Caso não se combata a alteração do clima, as consequências serão desastrosas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Maina
Há cada vez menos água em África
Segundo o Banco Mundial, basta um aquecimento do clima de dois graus centígrados para que caia menos um terço de chuva em África. O que terá como consequência um aumento das secas. Na seca extrema de meados de 1990, os pastores etíopes perderam cerca de metade do seu gado.
Foto: Getty Images/AFP/S. Maina
Chuva a mais
Futuramente as chuvas poderão aumentar no leste da África. Mas serão chuvas torrenciais concentradas em poucos dias e não regulares e distribuídas pelo ano. Em 2011, a cidade portuária tanzaniana Dar-es-Salam foi surpreendida por fortes quedas de chuva, que submergiram bairros inteiros. Pelo menos 23 pessoas morreram, outras 10 000 tiveram que abandonar as suas casas.
Foto: cc-by-sa-Muddyb Blast Producer
Colheitas falhadas
Em África cerca de 90% dos produtos agrários são cultivados por pequenos agricultores. Caso não se reforce marcadamente a sua resistência contra o aumento de secas e enchentes, mais 20% pessoas do que hoje vão passar fome, alerta a Organização das Nações Unidas.
Foto: Getty Images/AFP/A. Joe
Riscos para a saúde
Já hoje a alimentação deficiente por causa de colheitas fracas representa um problema em muitos países. Muitas pessoas mudam-se para os bairros de lata das grandes cidades, onde doenças como a cólera se espalham rapidamente. Um aumento da temperatura poderá fazer disparar a incidência de doenças como a malária, inclusive nos planaltos africanos, onde, até agora, a maleita não existe.
Foto: Getty Images/S. Maina
Extinção das espécies
O aumento da temperatura influencia eco sistemas completos. Muitos animais e plantas não se conseguem adaptar suficientemente depressa. Segundo um relatório do Conselho Mundial do Clima, entre 20% a 30% de todas as espécies estão ameaçadas de extinção por causa da mudança do clima.
Foto: CC/by-sa-sentouno
O Kilimanjaro sem neve
A manta de neve do monte Kilimanjaro tem 12 000 anos. Nos últimos 100 anos derreteu mais de 80% do seu gelo. Caso prevaleçam as condições atuais, o gelo no Kilimanjaro desaparecerá entre 2022 e 2033, calcula uma equipa de cientistas do Estado federado do Ohio, nos Estados Unidos da América. A seca e a falta de chuva levam a que o gelo derreta rapidamente.
Foto: Jim Williams, NASA GSFC Scientific Visualization Studio, and the Landsat 7 Science Team
Só quando a última árvore for abatida ...
A mudança do clima deve-se, sobretudo, aos carros, centrais de energia e fábricas na Europa, América e Ásia. Mas o abate de árvores em muitas florestas africanas, por exemplo, para produzir carvão vegetal, aumenta o CO2 na atmosfera e contribui para o esgotamento dos solos. Em tempos, um terço da superfície do Quénia era floresta, hoje são apenas 2%.
Foto: Getty Images/AFP/T. Karumba
Muda a muda cresce a floresta
Hoje, muitas pessoas já se aperceberam da necessidade de medidas para contrariar este desenvolvimento nefasto. Há algumas décadas, cidadãos empenhados no Quénia começaram a plantar novas árvores, contribuindo para que a superfície florestal crescesse para 7%. As árvores impedem que a chuva leve a preciosa terra arável e retiram os gases de efeito de estufa da natureza.
Foto: DW/H. Fischer
Proteção através da diversidade
As monoculturas são vulneráveis a secas e animais daninhos. Se forem plantadas diversas frutas lado a lado, a colheita fica assegurada, mesmo que uma espécie falhe. Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas, a agricultura ecológica aumenta também bastante mais a resistência às consequências da mudança do clima do que a agricultura convencional.
Foto: Imago
Menos palavras, mais ação
Reservas subterrâneas de água da chuva, seguros contra o risco de colheitas falhadas: há muitas maneiras de, pelo menos, amenizar as consequências do aquecimento global. A assistência ao desenvolvimento e a protecção do clima não podem ser separadas, exigiram, recentemente, os delegados numa conferência das Nações Unidas. Mas não houve promessas concretas de assistência.
Foto: picture alliance/Philipp Ziser
Paris desperta expectativas
“Justiça ambiental, já!” exigiram os manifestantes na Conferência do Clima das Nações Unidas em Durban, na África do Sul, em 2011. Agora o mundo aguarda a conferência que se realiza em Paris no fim de 2015. Está planeada a assinatura de um acordo global sobre o clima, com o objetivo de limitar o aquecimento global a dois graus centígrados e reduzir as consequências nefastas da mudança do clima.