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Desporto

As histórias mais interessantes da Bundesliga - parte 1

Olivia Fritz27 de julho de 2013

A primeira liga alemã de futebol completa 50 anos. Na primeira reportagem desta série especial, conheça três momentos cômicos, tristes e trágicos da Bundesliga, um dos campeonatos de futebol mais importantes do Mundo.

Atacante do Schalke 04, Klaus Fischer (esq.), na partida FC Schalke 04 - Borussia Dortmund (4:2) no dia 21 de maio de 1977. No total Fischer marcou 182 golos pelo Schalke e é considerado um dos melhores atacantes da história da BundesligaFoto: picture-alliance/WEREK

As histórias mais interessantes da Bundesliga - parte 1

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1. O pastor alemão

Desde os primórdios da Bundesliga, o clássico local entre o FC Schalke 04 e o Borussia Dortmund sempre foi bastante disputado. Uma edição particularmente curiosa aconteceu em 6 de setembro de 1969. Uma data que Friedel Rausch nunca vai esquecer. O defensor obstinado do FC Schalke já era bem experiente e se adaptava fácil às situações do jogo. Nem ele esperava, porém, aquela falta desleal cometida pelo Dortmund na comemoração do gol da partida.

Os azuis do Schalke 04 abriram o placar com Hansi Pirkner, o "Rei dos Azuis", jogando na casa do Dortmund, que na época era o estádio conhecido como "Rote Erde", a "Terra Vermelha" em português. Uma multidão assistia ao jogo praticamente nas linhas que delimitam o campo devido à superlotação do estádio. Após o gol, a segurança não conseguiu conter os torcedores do Schalke 04. Alguns invadiram o gramado. Os cães de guarda ficaram bastante agitados. E no meio da comemoração, o que parecia impensável acabou acontecendo.

"De repente, senti uma dor forte nas nádegas e notei que um cão me mordera no local. Ele tinha se soltado e correu diretamente à confusão, mordendo-me o traseiro", lembra Rausch.

A mordida vigorosa do pastor alemão acabou rendendo a Friedel Rausch uma lembrança bastante dolorosa. Ele diz que ficou com uma cicatriz de quatro centímetros no local. Mesmo com toda a confusão e invasão do campo, o jogo continuou até o apito final do juiz. O ex-jogador diz que, na época, não havia substituições então teve que continuar a jogar. "Tomei uma injeção antitetânica contra a inflamação e fiz um curativo. Depois continuei a jogar."

O jogo memorável terminaria em 1 a 1. Sobre a partida, os registros da Federação Alemã de Futebol DFB (Deutscher Fußball-Bund) apresentam uma ressalva. Desde aquele dia, só seria permitido o acesso de cães com focinheiras aos estádios. As longas noites que Friedel Rausch não conseguiu dormir de costas tiveram que ser compensadas. "Eu recebi uma indenização de 300 marcos do Dortmund. Na época era muito dinheiro".

Desde aquela época, Rausch, que hoje tem 73 anos, é requisitado para que repita a história uma ou outra vez. Até mesmo na sede do Schalke 04, para as novas gerações. Mas, vendo que ele cultiva o bom humor sobre o caso, muitos pergunta como teria sido, se o pastor alemão partisse como um raio para mordê-lo não por detrás, mas pela frente? Ele responde: "Então, o cachorro teria perdido todos os seus dentes."

O clássico da mordida: Rausch não esquece o ferimento causado pelo cãoFoto: picture-alliance/dpa
Cães dos seguranças do estádio do Borussia Dortmund no dia 6 de setembro de 1969Foto: picture-alliance/dpa

2. O escândalo das manipulações

Um dos capítulos mais tristes destes 50 anos de Bundesliga é o escândalo da manipulação de resultados de 1971. Quase um terço da liga participou do esquema.

O esquema foi descoberto em uma conversa de café. A temporada 1970/71 já havia acabado. O Borussia Mönchengladbach defendeu o título e a briga para fugir do rebaixamento envolvendo Rot-Weiß Oberhausen e Arminia Bielefeld era carregada de tensão. Era um campeonato a parte. Rot-Weiss Essen e Kickers Offenbach ficaram nos dois últimos lugares da tabela e acabaram sendo rebaixados. As outras duas equipas, Rot-Weiß Oberhausen e Arminia Bielefeld, salvaram-se.

Semanas depois, no dia 6 de Julho de 1971, o presidente do Kickers Offenbach, Horst-Gregorio Canellas, resolveu falar.

Ele aproveitou a sua festa de aniversário de 50 anos, realizada no jardim de sua casa para revelar o esquema, mostrando aos convidados o conteúdo de uma fita gravada. Uma conversa entre ele e o defensor do Hertha Berlim e da seleção alemã, Bernd Patzke, ocorrida antes do último jogo, foi revelada:

- Mas o Tasso deve ter oferecido os 120 mil para os de Bielefeld, do contrário não teria me pedido – diz o presidente do Kickers Offenbach.
- Porque já havia alguém lá com 100 Mil – informa Patzke.
- Alguém já foi lá com 100 mil?
- Para mim, já passou dos limites. Já são ligações durante todo o dia. Eu não vou mais.

O Hertha de Berlim era o favorito jogando em casa no último dia da temporada (5.6.1971) e deveria vencer o Bielefeld, beneficiando o Offenbach. Mas o Bielefeld ofereceu dinheiro aos jogadores do Hertha de Berlim. Muito dinheiro. A conversa tratava de 15 mil marcos para cada jogador (o equivalente a 7.670 euros). O resultado: o Bielefeld venceu em Berlim por 3:1 e não foi rebaixado.

O treinador da seleção alemã, Helmut Schön, um dos presentes na festa do aniversário, quase não podia acreditar no que ouvia. Os jornalistas convidados tinham uma grande reportagem nas mãos. Canellas expôs jogadores, treinadores e dirigentes, detonando uma espécie de avalanche no futebol alemão.

"Eu quero atingir um objetivo aqui: parar finalmente com os rumores porque na minha opinião, no final, eles doerão mais do que a verdade. O outro objetivo é provar que o último dia de partidas correu de forma irregular. Por isso nós reivindicamos um lugar na Bundesliga para o nosso clube", disse Canellas.

Os jogadores do Hertha de Berlim, Bernd Patzke e Tasso Wild, foram apontados como mentores do escândalo. Esta chamada telefónica para Wild surgiu mais tarde. "Então eu pensei: uma boa ideia agora seria se apressar e perguntar para a equipe e pedir para todos votarem sobre o que fazer. Nós éramos 15 ou 16 jogadores. Nove foram a favor e sete contra. Tinha-se o pretexto: se eles foram tão estúpidos para nos dar o dinheiro, então vamos levá-lo. Sete foram contrários. Nós, então, ficamos com o dinheiro", explicou Tasso Wild.

O Hertha de Berlim não tinha perdido um jogo em casa no campeonato. Mas não foi o único jogo manipulado da temporada 1970/71. Cerca de um terço dos clubes e 60 jogadores estavam envolvidos no escândalo de manipulação de resultados. O promotor-chefe da Federação Alemã de Futebol DFB, Hans Kindermann, tentava descobrir como funcionava o esquema.

Kindermann anunciou que as licenças de jogo de dois jogadores de Manglitz e Wild foram retiradas (Manfred Manglitz do FC de Colónia e Tasso Wild do Hertha de Berlim). A licença do jogador berlinense Bernd Patzke foi revogada com pena de suspensão por um período de dez anos.

As licenças do Arminia Bielefeld e do Kickers Offenbach foram revogadas. O Arminia Bielefeld foi rebaixado para a Liga Regional. Curiosamente, numa partida manipulada entre o Arminia Bielefeld e o Schalke 04, o gol decisivo aconteceu próximo do fim da segunda etapa porque supostamente o guarda-redes do Schalke, Dieter Burdenski, não sabia do esquema, como conta o artilheiro do Arminia Bielefeld, Gerd Ayestarán. "Apesar de terem oportunidades suficientes, os jogadores que deveriam fazer o gol, não conseguiam. E Burdenski, que na época não tinha qualquer informação sobre o esquema de manipulação, pegou tudo o que tinha para pegar. E o jogo ficou assim até os últimos 10 minutos finais, até este gol acontecer e este jogo ter um desfecho irregular", disse.

Os fãs de futebol ficaram horrorizados. O constrangimento durou até a Alemanha ser campeã da Copa do Mundo de 1974, quando o futebol voltou a levar milhares de pessoas aos estádios. Como consequência, a Federação Alemã de Futebol DFB eliminou o teto salarial para jogadores de futebol. O salário ficava na época em apenas 1.200 marcos (o equivalente a 610 euros).

Tasso Wild estava envolvido no escândalo de 1971Foto: picture-alliance/dpa
Logtipo dos 50 anos da Bundesliga - o escândalo da época 1970/71 foi o momento mais baixo na história da primeira liga alemã

As histórias mais interessantes da Bundesliga - parte 1

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Antigo presidente do Offenbacher Kickers, Horst Gregorio Canellas (no meio), com a sua famosa gravaçãoFoto: picture-alliance/dpa

3. Uma lesão histórica

Entre as imagens das faltas que já ocorreram na Bundesliga, nenhuma é mais marcante do que a coxa rasgada do meio-campista Ewald Lienen. Ele só foi voltar a conversar com o zagueiro Norbert Siegmann depois de décadas. A falta não pareceu forte, mas a lesão foi gravíssima.

14 de Agosto de 1981. Corria os 20 minutos de partida. A bola vem da direita e Lienen vai ao seu encontro para dominá-la. Ela bate no chão e sobra na altura do seu joelho. O defensor do Werder Bremen, Norbert Siegmann, chega atrasado na disputa e não tem como parar, atingindo o adversário. O árbitro, que não vê a perna aberta de Lienen, dá um cartão amarelo para o defensor.

Mas a preocupação tomou conta dos fãs no Weserstadion, em Bremen. O jogador do Bielefeld, Ewald Lienen, gritava de dor e indignação no gramado. Ele tentava se levantar, mas caia novamente. Chocado com o corte na perna, chega a reclamar para o juiz e mancar até o banco de reservas adversário, xingando o treinador do Bremen. O ferimento tinha 25 centímetros de comprimento e cinco de profundidade. Dava pra ver até o osso do jogador. Siegmann acha até hoje que a falta foi comum.

Para o ex-defensor talvez. Mas é uma cena que ficou gravada na memória de todos os envolvidos. Lienen decidiu ainda no hospital entrar com uma ação civil pública contra Siegmann e seu treinador Otto Rehhagel, que teria supostamente instigado seus jogadores a atuar de forma violenta, afirma o ex-jogador do Bielefeld.

A lesão de Ewald LienenFoto: picture-alliance/Sven Simon

"Para mim, foi um marco para me colocar finalmente contra essa brutalidade que existia naquela época no futebol. Uma causa a ser defendida em todos os lugares", diz Lienen. Mas o tribunal viu a situação de forma diferente. A promotoria entendeu que, no futebol, se uma pessoa assinar um contrato, é preciso estar preparada para ser eventualmente gravemente ferida.

"Um pugilista não pode reclamar se ele é espancado até o nocaute. Eu fico feliz que este ponto de vista ridículo e primitivo do Ministério Público e, em seguida, dos magistrados em Bremen, não encontraram eco. Temos agora um tipo de futebol socialmente aceitável, onde essas pessoas e esse tipo de comportamento, sobretudo, não têm nenhuma chance", explica Lienen.

Apesar de Lienen poder jogar novamente após quatro semanas, o assunto ficou sendo bastante discutido na mídia e os fãs estava furiosos. No jogo de volta, o treinador do Werder Bremen, Rehhagel, sentou no banco de reservas com um colete à prova de balas. Siegmann foi ameaçado de morte e ficou sob proteção policial. "No início do jogo havia o rótulo Norbert Siegmann era o inimigo, o bicho-papão. Na segunda etapa, os fãs ficaram mais nervosos. Teve ameaça de morte contra o Siegmann, mas não sei absolutamente tudo", lembra o ex-jogador do Bielefeld.

Só depois de décadas Lienen perdoou Siegmann. Até o hoje, ele diz que o incidente contribuiu para ele repensar tudo.

Futebol nos anos 1970 e início dos anos 1980 era como uma guerra. Hoje, é jogado um futebol mais correto e limpo. "Ele (Siegmann) me mandou uma carta. Ficou claro para mim que não era sua intenção. Eu o conhecia de antes, da segunda liga. Lá ele já tinha um comportamento socialmente inadequado contra mim e outros", explicou Lienen.

O encontro entre os dois depois de mais de 30 anos ocorreu tranquilamente e de forma agradável. Siegmann também finalmente ficou com a consciência em paz.

Transporte de Ewald Lienen depois da falta no dia 14 de agosto de 1981Foto: Getty Images
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