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"As palavras de Sissoco dividem o país", diz jurista

19 de novembro de 2022

O discurso do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, por ocasião do 48.º aniversário das Forças Armadas, tem dado que falar. Pela negativa.

Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló
Umaro Sissoco Embaló, discursou esta semana, por ocasião do 48.º aniversário das Forças ArmadasFoto: AFP

Sissoco Embaló, que é também Comandante Supremo das Forças Armadas, voltou a lamentar, na quarta-feira (16.11), a tentativa de golpe de Estado de 1 de fevereiro no país, dizendo que "não pode haver assassinos nas Forças Armadas" e que "quem não tiver juízo" será expulso.

Chamado a comentar as palavras do Presidente guineense, o jurista Fransual Dias lamenta que Sissoco Embaló continue a criar divisões no seio das Forças Armadas, fazendo a diferenciação de uns e outros. 

"Não sei até quando o Presidente vai conseguir suportar [as Forças Armadas], sobretudo quando traz as forças da CEDEAO sem consulta prévia das estruturas internas", diz.

Em entrevista à DW, o jurista guineense frisa ainda que o "Presidente da República é o maior violador da Constituição", citando exemplos.

DW África: Como avalia as recentes declarações do Presidente Umaro Sissoco Embaló no aniversário das Forças Armadas? É este tipo de discurso que se espera de um Presidente?

Fransual Dias (FD): O Presidente da República tem que exercer uma função que garanta a paz e a estabilidade política, económica e social. E quando temos um Presidente a criar divisão, isso não é bom para um país frágil como a Guiné-Bissau.

Fransual Dias, jurista guineense, diz que o Presidente da República é "o maior violador da Constituição"Foto: privat

DW África: Esta já não é a primeira vez que Sissoco Embaló critica as Forças Armadas. Desta vez, diz que não "pode haver assassinos nas Forças Armadas" e falou também da questão das etnias. Não há aqui o perigo de uma divisão?

FD: O próprio Presidente da República sabe que ele é o Comandante Supremo das Forças Armadas. Sendo assim, tem que ser um Presidente da República que contente as Forças Armadas. Deve ser um Presidente da República que seja um espelho das Forças Armadas e não que hostilize as Forças Armadas e faça constantes diferenças entre uns e outros. Não sei até quando o Presidente da República vai aguentar, sobretudo quando traz para aqui forças estrangeiras da CEDEAO sem consultas prévias às estruturas internas das Forças Armadas da República da Guiné-Bissau, mas também com o Governo e a Assembleia Nacional. 

DW África: Na mesma ocasião, o Presidente pediu também aos militares para se distanciarem dos políticos, porque "o poder é conquistado nas urnas". Mas para isso é necessário que haja eleições...

FD: Exatamente! O Presidente da República esquece-se que o poder tem dois tipos de legitimidade: a legitimidade da urna e a legitimidade do exercício. E muitas vezes as pessoas veem a legitimidade da urna e esquecem-se da legitimidade do exercício. O próprio Presidente da República é aqui o maior violador da Constituição. Cito apenas os exemplos de alguns militares e civis que foram ilegalmente presos até agora, há quase nove meses, ao mesmo tempo que o tribunal ordenou a libertação dessas mesmas pessoas. O Presidente alega que não sabe nada disso, que não se mete aí e nunca se vai meter. Saliente-se também a situação das eleições legislativas: a Constituição diz que, no caso de dissolução da Assembleia Nacional, o Presidente tem um prazo de três meses para convocar novas eleições. E há outra coisa: ao longo do exercício do poder do Presidente da República, houve sucessivos casos de violação dos Direitos Humanos: agressões, espancamentos, raptos... 

Guiné-Bissau vive momento de crise política, social e económicaFoto: DW/B. Darame

DW África: Mas Sissoco Embaló afirma que está à vista de todos que a Guiné-Bissau está a mudar. Acha que está?

FD: Eu acho que a Guiné-Bisau piorou. Porque vivemos num ambiente de grande divisão política. O próprio Presidente incentiva esse ambiente de divisão política.

Há pouco tempo vimos o Partido da Renovação Social (PRS) a renunciar à sua participação no acordo parlamentar. Há também uma grande divisão social, que o próprio Presidente incentiva, no seio da própria etnia, e temos ainda a divisão religiosa. Temos ainda um acentuado e crescente nível de pobreza. Em termos de finanças públicas, o Estado está falido. Os preços dos produtos de primeira necessidade subiram. Não estou a ver qual a melhoria que se possa apontar. Há, sim, uma melhoria em termos de relação entre o Presidente da República e as estruturas da CEDEAO, pois Sissoco é atualmente o presidente em exercício da CEDEAO, mas isso não significa que haja alguma mudança no país. 

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