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Direito à manifestação em Moçambique: "As ruas são nossas"

31 de janeiro de 2022

O Observatório das Mulheres e a Action Aid entregaram à PGR uma participação criminal contra agentes da polícia "por inviabilização do exercício de direito à manifestação". "Não se deixam intimidar", diz ativista.

Protesto nas ruas de Maputo (arquivo)Foto: DW/R. da Silva

O Observatório das Mulheres e a associação Action Aid Moçambique entregaram esta segunda-feira (31.01) à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma participação criminal contra agentes da polícia "por interferência e inviabilização do exercício de direito à manifestação." 

O caso remonta a 7 de dezembro de 2021, quando a polícia de Maputo impediu uma manifestação de ativistas contra a violência de género e deteve 17 manifestantes. Agora, pedem também uma indemnização ao Estado pelos "atos ilegais" dos agentes.

"Não baixaremos as armas", diz Quitéria GuirenganeFoto: privat

Em entrevista à DW, a ativista Quitéria Guirengane, uma das manifestantes agredidas pela polícia, diz que esta ação serve para "deixar bem claro" que as ruas são de todos os moçambicanos e que "não se deixam intimidar".

DW África: Entregaram uma participação criminal contra agentes da polícia por interferência e inviabilização do exercício do direito à manifestação em dezembro. Estão otimistas em relação ao desfecho deste caso?

Quitéria Guirengane (QG): Estamos bastante otimistas. Estamos do lado da legalidade. Esperamos que as instituições cumpram o seu papel; que o sistema judicial sirva os cidadãos, mulheres e homens moçambicanos, mostrando que é possível reconciliar o Estado com a legalidade. A nossa participação criminal é fundada na Constituição da República e na lei das manifestações. Ou seja, são práticas criminais que estão tipificadas no nosso Código Penal. Na base disto, temos agentes devidamente identificados, contra os quais a participação é dirigida, mas também estamos a pedir a responsabilização do Estado pelas práticas ilegais dos seus agentes, porque a inviabilização do direito à manifestação tem sido uma prática recorrente no contexto moçambicano. É preciso começar a chamar as instituições à responsabilidade até que cheguemos aos autores das ordens superiores de onde sai a decisão de inviabilizar manifestações.

DW África: Estavam a fazer uma manifestação contra a violência de género e foram detidas e até agredidas pela polícia. Portanto, ironicamente, "virou-se o feitiço contra o feiticeiro". É uma atitude condenável por parte da polícia?

QG: Completamente condenável. Ainda mais condenável porque a nossa lei das manifestações é muito clara. Não só no artigo 10, sobre as condições de aviso à manifestação, mas também no artigo 3, que diz claramente que o direito à manifestação não depende de qualquer tipo de autorização. O artigo 11 complementa, estabelecendo um prazo legal às instituições do Estado - de dois dias a contar da data de receção do aviso - para emitirem uma decisão de proibição caso haja violação clara do artigo 4 e 5 desta lei.

Ora, não tendo havido qualquer pronunciamento destas instituições relativamente à decisão de proibição e, estando constituídos todos os pressupostos legais à sua realização, a manifestação foi realizada. Durante a própria manifestação, a dado momento, os agentes da polícia reconheceram que nós estávamos diante da lei, que, de facto, vendo a lei, não havia necessidade de uma autorização, mas foram constantemente se contradizendo. Até decidirem dizer que nós já tinhamos manifestado o suficiente e que 20 minutos era suficiente para tal.

Ativistas pedem uma indemnização ao Estado pelos "atos ilegais" dos agentes (Arquivo)Foto: DW/Sitoi Lutxeque

DW África: Também exigem uma indemnização do Estado por estes atos dos agentes. Acreditam que será feito algum pagamento? Será feita justiça?

QG: Nós contamos com o aconselhamento e a devida orientação do escritório de advocacia que nos está a representar neste ato, o Ericino de Salema e Associados Advogados, a título pro bono. Isto mostra justamente a nobreza desta ação, a quantidade e a qualidade de advogados que mostraram apoio, desde o primeiro momento, e nos encorajaram a avançar com esta ação... O facto de a própria Comissão Nacional dos Direitos Humanos e diferentes entidades se terem pronunciado encoraja-nos e mostra-nos que estávamos do lado da legalidade.

Este tipo de ação também serve de teste à sensibilidade do nosso sistema judicial. É mais do que a mera questão da indemnização. Não é pelo Observatório das Mulheres, não é por mim, que iniciámos esta ação. É por todas as mulheres e homens que querem exercer o seu direito à manifestação. Mesmo a indemnização que aqui estabelecemos é mais um processo didático, porque não estamos num contexto de fechamento do espaço físico mas de limitação dos direitos e garantias fundamentais que estão patentes na nossa Constituição da República. É preciso nós, os cidadãos, resistirmos e marcarmos uma posição.

DW África: Tendo em conta que esta manifestação foi impedida pela polícia podemos contar com alguma ação em 2022? Não vão certamente baixar armas...

QG: Nós não baixaremos as armas e também iremos incentivar outros grupos a manifestarem-se. Sentimos que essa semente vai germinar. Cada vez mais pessoas têm essa vontade de se manifestar, têm essa vontade de ir à rua. Não nos sentimos intimidadas. Nelson Mandela ficou na prisão 27 anos. Quem somos nós para nos deixarmos intimidar por causa de uma detenção? É uma ação justamente para deixar bem claro que as ruas são nossas e as ocuparemos até que todas e todos sejamos livres.

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