África só poderá ganhar com o estabelecimento de uma zona de livre comércio, afirma o economista guineense Carlos Lopes. Mas primeiro será preciso eliminar as barreiras tarifárias e aduaneiras.
Publicidade
"Todos vão ganhar", afirma Carlos Lopes, ex-secretário da Comissão Económica das Nações Unidas para África. Para aquele que é um dos mentores do Acordo de Livre Comércio, conseguir em menos de um ano 54 países aderentes e 27 países que ratificaram o referido instrumento "é extraordinário".
"Em 55 países, só a Eritreia ficou de fora e fez uma declaração dizendo que vai aderir", sublinha o economista. "É um recorde em matéria comercial."
Carlos Lopes falou à imprensa depois de um encontro, em Lisboa, na sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), onde falou sobre os desafios que se impõem particularmente a África com o referido acordo, cuja fase operacional arrancou esta semana em Niamey, Níger, durante a cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA).
Países lusófonos africanos
Até agora, São Tomé e Príncipe é o único país do grupo lusófono africano que ratificou o Acordo de Livre Comércio.
Angola e Moçambique estão entre os Estados que assinaram mas ainda não ratificaram o acordo, que entrou em vigor a 30 de maio. Ambos os países debatem-se com uma conjuntura económica difícil, apesar de possuírem importantes recursos naturais, como o petróleo e o gás.
Mas tal facto não pode ser visto como um fator de bloqueio para o sucesso na implementação do Acordo de Livre Comércio Continental Africano (AfCFTA), comenta Carlos Lopes.
Questionado de forma insistente sobre as razões que levam Angola e Moçambique a não terem ratificado o acordo, o economista preferiu responder que nenhum país africano sairá a perder ao ratificar o referido instrumento.
"Há países que vão ganhar mais e outros que vão ganhar menos", acrescenta Carlos Lopes. "Os que vão ganhar mais [será] porque têm algumas vantagens comparativas - com melhor infraestrutura, base industrial, melhor quadro legislativo, etc… E há muitos países que, por causa da sua pequenez ou por causa das suas debilidades, não vão aproveitar tanto quanto esses. Mas todos vão ganhar."
As vantagens da zona de livre comércio, segundo Carlos Lopes
Vantagens
O começo da zona de livre comércio tem sido "pragmático", segundo Lopes.
"Nós estamos numa etapa de harmonização tarifária. As tarifas em África vão ser eliminadas em cerca de 90%. Em matéria comercial, 10% de não eliminação ainda é significativo, mas é um bom começo", afirma.
Segundo o economista, que participou na preparação e discussão técnica do Acordo de Livre Comércio, impulsionar este instrumento é um desafio para o continente africano - mas as vantagens são muitas.
"Eu estou convencido de que vamos tirar grandes proveitos dele, porque as projeções apontam para um aumento no comércio intra-africano na ordem dos 52%. Isto, sem falarmos dos 10% das tarifas que ainda não vão ser consagrados e sem falar das barreiras não tarifárias, que são igualmente importantes", refere Lopes.
"Nós temos muito comércio informal que deixa de ter sentido, porque se se eliminam as tarifas. As pessoas podem pura e simplesmente passar de um país para outro sem se esconder na informalidade. E isso vai ter grandes vantagens económicas."
O economista guineense acrescenta que isso vai possibilitar também "o estabelecimento de cadeias de valor regionais, [algo] que é fundamental para a industrialização em África."
A aplicação do acordo representará um mercado de 1,2 mil milhões de pessoas.
Abordado pela DW à margem de um encontro, esta quinta-feira (11.07) em Lisboa com Francisco Ribeiro Telles, secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o economista garante que não será um entrave conseguir o suporte financeiro necessário para a operacionalização do acordo. E fez alusão aos 50 milhões de euros atribuídos pela União Europeia e ao fundo de mil milhões de dólares (892 milhões de euros), que acaba de criar o Afreximbank, destinados a apoiar a zona de livre comércio em África.
Impacto da crise na vida dos moçambicanos
Trabalhadores em Maputo relatam as dificuldades que enfrentam todos os dias, com o país mergulhado numa crise financeira. Alguns ainda conseguem pequenos lucros, enquanto outros tentam estratégias para atrair clientes.
Foto: DW/Romeu da Silva
Novos tempos, menos lucros
Ana Mabonze tem uma loja de gelados há pouco mais de sete anos e diz que os rendimentos não têm sido bons ultimamente. Por dia, lucra apenas o equivalente a cerca de dois euros. O negócio é feito na ponte cais, também conhecida por Travessia. Nestes dias, os lucros baixaram porque os automobilistas que iam de ferryboat para Katembe agora usam a nova ponte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"Boa cena"
O negócio de transferência de dinheiro por telefone conhecido por Mpesa está a alimentar muitas famílias. É o caso de Angélica Langane, que na sua banca "Boa Cena" diz ter clientes frequentemente, porque muitos estão preocupados em transferir dinheiro, seja para pagar dívidas, fazer compras ou apenas para ter a sua conta em dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
O dinheiro não aparece
Numa das ruas de Maputo também encontramos Dulce Massingue, que montou a sua banca de venda de fruta. Para ela, este negócio não está a dar lucros. Diz que o pouco que ganha apenas serve para pagar o seu transporte. Nestes dias de crise, Dulce pensa em mudar de negócio, mas tudo depende do dinheiro que não aparece.
Foto: DW/Romeu da Silva
Trabalhar para pagar o transporte?
O trabalho de Jorge Andicene é recolher garrafas plásticas para serem recicladas pelos chineses. Sem ter revelado quanto ganha por este negócio, Jorge diz que não chega a ser bom, porque o mercado está muito apertado. Os preços de vários produtos subiram, por isso também os lucros são apenas para pagar o transporte.
Foto: DW/Romeu da Silva
"As pessoas comem menos na rua"
A dona desta barraca não quis ser identificada, mas confessa que por estes dias o negócio baixou bastante. Vende hambúrgueres e sandes. As pessoas agora preferem trazer as suas refeições de casa para poupar dinheiro, diz. O negócio rende-lhe por dia o equivalente a dois euros, dinheiro que também deve servir para comprar outros bens para as crianças.
Foto: DW/Romeu da Silva
Costureira também não vê lucros
O arranjo de roupas é outro negócio pouco rentável, mesmo nos tempos das "vacas gordas". É oneroso transportar todos os dias esta máquina, por isso Maria de Fátima decidiu ficar num dos armazéns na cidade de Maputo, pagando um determinado valor. São poucos os clientes que a procuram para arranjar as suas roupas.
Foto: DW/Romeu da Silva
Negócio já foi mais próspero
Um dos negócios que tinha tendência de prosperar na capital era a venda de acessórios de telefones. Mas como há muitas pessoas que fazem este negócio, a procura agora é menor e o lucro baixou muito. O que salva um pouco estes empreendedores é o facto de cada dia haver novos tipos de telefones.
Foto: DW/Romeu da Silva
Poder de compra reduzido
Nesta oficina trabalham jovens mecânicos especializados na reparação de radiadores. Não quiseram ser identificados, mas afirmam que durante anos este negócio lhes rendia algum dinheiro para pagar a escola. Mas com a crise que se vive agora, a situação agravou-se. São poucos os clientes que os procuram e alegam que muitos moçambicanos perderam poder de compra.
Foto: DW/Romeu da Silva
Nada de brilho
O negócio de engraxador é outro que já não está a render, segundo os profissionais. Os únicos indivíduos que os procuram são estrangeiros de origem europeia, sobretudo portugueses. Os nacionais, diz Sebastião Nhampossa, preferem fazer o serviço por conta própria em casa. Com esta crise, é normal os engraxadores serem visitados apenas por um ou dois clientes por dia.
Foto: DW/Romeu da Silva
Estratégias para atrair o cliente
Quando as atividades da Inspeção Nacional das Atividades Económicas (INAE) trouxeram à tona a real situação de higiene nos restaurantes, muitos cidadãos passaram a não frequentar estes locais. Como forma de deleitar a clientela, o dono deste pequeno restaurante promove música ao vivo de cantores da velha guarda e ten uma sala de televisão para assistir a jogos de futebol.