Constitucionalista Gilles Cistac vítima de atentado morre
3 de março de 2015 O constitucionalista Gilles Cistac, de 53 anos de idade e que vivia em Moçambique desde 1993, morreu esta terça-feira (03.03) na sequência de um atentado na cidade de Maputo. Cistac foi o homem que, através da Constituição, mostrou que é possível uma governação provincial autónoma no país.
Há algum tempo que Gilles Cistac era alvo de ataques racistas e ameaças devido às posições ou visões que apresentava, com base em argumentos legais.
Desde os últimos confrontos militares entre a RENAMO e o Governo as ideias do constitucionalista não seguiam na direção do partido no poder, a FRELIMO.
Cistac foi proposto pela RENAMO para equipa de mediadores
O seu nome chegou a ser proposto pela RENAMO para liderar uma equipa de 14 pessoas, mediadores e observadores, para discutir a crise, mas nunca foi incluído.
Foi ele quem trouxe à baila a Constituição para fundamentar a exigência da RENAMO de uma governação autónoma das províncias como pretende o maior partido da oposição.
Em entrevista à DW África, o constitucionalista esclareceu na altura que "a Constituição não fala de regiões autónomas, por isso não devemos associar o conceito de "regiões" a autonomia. Senão, seria necessário fazer uma reforma constitucional. Mas é possível falar de "províncias autónomas", porque, segundo a alínea 4 do artigo 273 da Constituição, o legislador pode estabelecer outras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação. Ou seja, hoje em dia há apenas autarquias locais de nível municipal, mas se, amanhã, o legislador quiser criar províncias como uma autarquia local pode fazê-lo."Desde que foi feito este pronunciamento as hostilidades à pessoa de Cistac aumentaram.
Cistac sentia-se ameaçado
Segundo a imprensa moçambicana, Gilles Cistac apresentou uma queixa na Procuradoria-Geral da República (PGR) devido a ameaças a que estava sujeito. Nas redes sociais, alguns jornais e intelectuais considerados próximos do regime atacaram-no.
A cor de pele e a sua naturalidade francesa foram usadas para pôr em questão os seus argumentos, por sinal baseados sempre na Lei Mãe moçambicana. Aliás, outras três conhecidas figuras, também brancos, foram alvo deste tipo de ataques e são acusadas de fomentar a subversão no país. São eles o economista Nuno Castel-Branco, o jornalista Fernando Veloso e Fernando Lima, outro conhecido jornalista e diretor do semanário Savana.
Reações ao atentado
Lima falou à DW África sobre o ataque contra Cistac: “Eu não sei se o atentado desta manhã terá sido o corolário desta campanha de diabolização desencadeada contra o professor Gilles Cistac. Agora, isso significa que, apesar de Moçambique ter dado passos importantes em direção à construção de um país democrático isto mostra também que há uma crise política no país e que conflitos de opinião e de pontos de vista não podem ser resolvidos por troca de ideias, mas tem que ser resolvidos a tiro”.Também para o maior partido da oposição trata-se de um crime de natureza política. Para António Muchanga, porta-voz do partido, os factos são claros. “É evidente que este ataque é contra a posição da RENAMO. É uma demonstração clara de que todos aqueles que defendem a solução política para o diferendo que temos poderão acabar baleados. Por outro lado, fica claramente demonstrado que está violado o acordo de cessação das hostilidades. O professor Cistac morreu porque deu uma opinião sobre a forma jurídica como as reivindicações deveriam ser enquadradas sem violar a Constituição”.
Governo condenou o "ato bárbaro"
Por seu turno, o Governo da FRELIMO reagiu ao caso. O conselheiro da presidência moçambicana, António Gaspar, falou em nome do Executivo moçambicano à DW África. "O Governo de Moçambique condena veementemente a ação bárbara que o professor Cistac foi vítima. Na sessão do Conselho de Ministros o ato foi acolhido com surpresa e tristeza. Por isso, o Governo instruiu a polícia para continuar a empreender esforços no sentido de neutralizar e capturar os autores deste ato. O Presidente da República, na qualidade de chefe do Governo, está igualmente chocado com o que aconteceu. Pelo facto, em uníssono, o Governo condena esta ação".
Depois dos assassinatos do jornalista moçambicano Carlos Cardoso, no ano 2000, e do economista Siba Siba Macuacua, em 2001, que investigava uma fraude bancária envolvendo altas figuras do partido no poder, não havia registo de ataques violentos no país.Fernando Lima não tem dúvidas de que o ataque contra Gilles Cistac representa um retrocesso no que diz respeito à democracia e liberdade de expressão em Moçambique.
"É um grande retrocesso. Esse país tem os seus altos e baixos mas conseguimos dar passos muito grandes no desenvolvimento da nossa democracia, na diversidade que somos como país e como nação. E este tipo de atentado é uma mancha muito grande. Isto abre novamente questões que estavam encerradas e os fantasmas que estavam esquecidos."