Moradores estão em fuga após ataque na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. Homens armados incendiaram casas, escolas, mercados. Vítimas estão no mato sem comida.
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Uma professora moçambicana diz que os atacantes vandalizaram e queimaram vários edifícios na localidade onde reside com o filho, Bilibiza, na província de Cabo Delgado.
"Queimaram todo o bairro, o mercado, o hospital... Mesmo a minha casa está queimada com todos os bens", conta em entrevista à DW África.
O grupo armado atacou várias povoações na região e os moradores fugiram para o mato. O clima entre os residentes é de desespero.
"Ainda estamos no mato, porque temos medo. Atravessámos o rio [Montepuez] e estamos numa outra margem, porque eles [os atacantes] estão a dizer que vão continuar nessa noite", afirma a professora. "Estamos tristes, mas bem tristes, porque tudo o que tínhamos já foi embora. Como recuperarmos neste momento, não sabemos. E nem temos como. Nem sabemos como é que vamos trabalhar."
Pemba quer paz
01:34
Sobreviver sem comida
Os moradores estão a alimentar-se de folhas de mandioca e não sabem quanto tempo mais irão aguentar.
"Aqui não há nenhum alimento, não há comida. Estragaram toda a comida, queimaram. Sobrevivemos desde ontem. É só hoje que podemos ficar aqui no mato. Amanhã, vamos arriscar. Vamos ao bairro, se eles não entrarem nesta noite. Não sabemos o que vai acontecer", conta ainda a professora de 37 anos.
Além de queimar casas, o grupo armado atacou o Instituto Agrário de Bilibiza, a única escola secundária técnica em Cabo Delgado. A instituição tem 400 alunos, é gerida pela Fundação Aga Khan e responsável por introduzir novas técnicas agrícolas, além de realizar projetos de infraestruturas. Em comunicado, o instituto informa que nenhum dos 11 estudantes e sete professores que estavam no local no momento do ataque está em perigo.
Num comunicado, o Governo português condenou o ataque e ressaltou a importância dos projetos conduzidos pela fundação, que é parceira das autoridades portuguesas.
Ainda não há informações sobre mortos ou feridos na sequência dos ataques. Até agora, as autoridades moçambicanas não se pronunciaram sobre o acontecido.
A violência na província de Cabo Delgado eclodiu em 2017 e já provocou pelo menos 350 mortes. Cerca de 60 mil pessoas foram forçadas a fugir das suas casas. Desde junho passado, o grupo 'jihadista' Estado Islâmico tem reivindicado alguns ataques, mas a autoria não foi confirmada pelas autoridades moçambicanas.
Artigo atualizado às 19:31 (CET) de 30 de janeiro para acrescentar comunicado do Instituto Agrário de Bilibiza.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.