Em entrevista à DW África, o padre Edegard da Silva, que trabalhava na missão de Nangololo, norte de Moçambique, relata que a aldeia de Muambula tornou-se quase um lugar fantasma após ataques terroristas neste mês.
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A missão de Nangololo em Muidumbe, no norte de Moçambique, foi pela segunda vez atacada e destruída pelos terroristas. O padre Edegard da Silva que lá trabalhava conta que praticamente a aldeia de Muambula é um lugar fantasma, os habitantes fugiram das atrocidades, incluindo os missionários.
Sobre a reconquista da sede do distrito de Muidumbe, anunciada pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS), na última semana, o missionário diz nada saber e citando testemunhas, diz que ainda se ouve tiroteio em alguns lugares de Muidumbe.
Conversámos com o padre Edegard Silva Júnior sobre a situação na província de Cabo Delgado, ele começa por nos contar as circunstâncias dos ataques que aconteceram este mês.
Edegard Silva Júnior: Este foi o segundo ataque e ele aconteceu do dia 30 outubro a 19 de novembro. Foi um dos piores ataques já registados na região. Mas não temos dados sobre a quantidade de insurgentes e armamento utilizado. Entretanto, pelo desastre que fizeram, imaginamos que tenham sido [usados] armamentos pesados. O fato é que quando há o ataque, todos fogem. É por isso que nem sempre há detalhes [sobre o ataque]. Mas desta vez foi um desastre total na aldeia.
DW África: E o que é que sobrou da vossa missão, alguma coisa escapou aos ataques?
ESJ: Nós temos o centro de pastoral que acolhe os catequistas quando esses vêm para os encontros. E dispomos de quartos de hospedagem para até 50 pessoas. Esses dormitórios, as salas de catequese, a casa dos missionários e paroquial, foram todos destruídos. Entre as demais instalações que foram destruídas: a igreja, a rádio comunitária, o ambulatório dentário, a casa das irmãs religiosas, a creche para as crianças de até seis anos. Disso tudo, só ficaram mesmo as paredes – o que tinha dentro e os telhados se foram.
DW África: Recentemente, as FDS disseram ter reconquistado a sede distrital de Muidumbe. Este é um sinal de esperança para o vosso regresso e trabalho junto às populações nesse local?
ESJ: O primeiro fato é que nós não temos estas informações, porque não há ninguém na aldeia e não sabemos qual é o tipo de ação que eles farão. Além disso, ninguém da aldeia tem planos de voltar, porque não existem condições agora. Grande parte das casas foram destruídas e as pessoas têm medo. Houve uma família assassinada. Então, ninguém pensa em voltar. Além disso, desconhecemos a estação da força de segurança, porque não há uma pessoa com quem possamos contar. E não sabemos em que [isso] consiste. Ontem mesmo tinha uma pessoa na aldeia que disse que ouviu tiros. Bem, são 26 aldeias, desconfiamos que eles tenham saído de uma delas, mas não significa que não estejam mais na área. Além disso, Muidumbe é formado por 26 aldeias e o grande estrago não foi apenas num local. Em cada época de ataques eles destruíam instalações. Num dos ataques destruíram o hospital e, noutro, um banco - a única agência bancária da região. É por isso que não se pode falar de estabilidade a partir de Muambula, até mesmo porque toda a população fugiu do distrito.
DW África: E como estão a articular o vosso trabalho junto das autoridades, tendo em conta o aumento da violência no norte de Moçambique?
ESJ: Esta atuação se dá sobretudo por meio do senhor Bispo Luíz Fernando Lisboa, principalmente porque nós, os missionários, não temos estes canais diretos para falar com as instâncias e autoridades. Até porque, aqui, este relacionamento é difícil.
O desterro forçado dos deslocados em Cabo Delgado
São mais de 450 mil no norte de Moçambique. O terrorismo cortou-lhes as raízes e tomou-lhes o chão. Os deslocados internos procuram vingar noutras paragens. E Pemba tem sido lugar de eleição. Sobreviverão na nova terra?
Foto: Privat
A dor da perda e da impotência
Um olhar que diz mais do que mil palavras, a imagem poderia ser "sem legenda". Foi depois de um ataque à aldeia "Criação", Muidumbe, a primeira investida terrorista ao distrito, em novembro de 2019. Os insurgentes começaram os seus ataques em Cabo Delgado em outubro de 2017.
Foto: Privat
Histórias de vida reduzidas a cinzas
Desde então, a matança e destruição passaram a ser visitas assíduas da região. Como ninguém quer ser anfitrião, os aldeões fugiram. Em finais de outubro, Muidumbe e outros distritos sangraram de novo e a população fugiu. Muidumbe está praticamente nas mãos dos terroristas, tal como Mocímboa da Praia, desde agosto.
Foto: Privat
Quase todos os caminhos vão dar a Pemba
O único desejo destes residentes de Mueda é conseguir um canto no camião para chegar à capital provincial de Cabo Delgado. Mas a disputa entre pessoas e os seus próprios pertences ameaça deixar alguém para trás. Desde meados de outubro, Pemba recebeu cerca de 12 mil deslocados. Inicialmente, recebia à volta de mil deslocados por dia.
Foto: Privat
Quando o mato passa a ser melhor que o lar
Para muitos em Cabo Delgado, ter um teto deixou de ser sinónimo de segurança. Conseguir manter a vida, mesmo sem casa, passou agora a ser a meta. Os bichos passaram a ser mais cordiais que os irmãos terroristas, as estrelas melhores que o teto e os arbustos melhores que as paredes. Famílias procuram refúgio nas matas, onde caminham por dias dominados pelo medo, sem comida e sem norte.
Foto: Privat
Um abraço amigo em Pemba
Estes deslocados chegam de Quissanga. Mas também chegam à praia de Paquitequete, Pemba, deslocados vindos de vários lugares. Todos tentam escapar ao terror. Muitos fixam-se aqui, onde recebem apoio de ONGs, associações, indivíduos e do Governo. Há até quem abra as portas da sua casa para os receber, mesmo não os conhecendo.
Foto: Privat
Crise humanitária faz brotar solidariedade infinita
A falta de quase tudo faz despertar solidariedade que chega de todo o lado. Para quem está longe, uma angariação de fundos e bens materiais é a opção. Já cuidar dos deslocados na praia de Paquitequete, atendendo-os nas suas necessidades, é o que faz quem está no terreno. Na praia, há jovens que chegam de madrugada para dar amor a quem precisa.
Foto: Privat
Uma fuga rodeada de perigos
O medo é tanto que nem a sobrelotação parece intimidar os deslocados internos. No começo de novembro, mais de 40 pessoas morreram a tentar chegar a Pemba num naufrágio entre as ilhas do Ibo e Matemo.
Foto: Privat
Pemba a rebentar pelas costuras
O "boom" de deslocados é tão grande que o sistema de serviços básicos para a população, como água e saneamento, está no limite. Antes desta nova vaga de deslocados, a capital de Cabo Delgado tinha 204 mil habitantes. Agora, tem mais de 300 mil.
Foto: DW/E. Silvestre
Começar nova vida noutro chão
O Governo criou um comité de gestão para esta crise humanitária. Afirma que está a criar novas aldeias, centros de reassentamento, infrastruturas e a parcelar terras para acomodar os deslocados. Embora esteja garantida a segurança, as suas raízes estão noutro chão.
Foto: Privat
Que futuro?
Por enquanto não há resposta. Mas há deslocados que se vão "desenrascando" para sobreviver. Muitos dizem que não querem viver de mão estendida. Por exemplo, quem tem barco vai à pesca ou trasporta mercadorias. Outros entretêm-se a jogar futebol. Vão cuidando das suas vidas. Mas para os que não têm alternativas, que são a maioria, correrão riscos de entrar para o mundo do crime?